Acórdãos

Tribunal de Última Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 19/10/2022 22/2022 Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
    • Assunto

      - Interpretação da lei
      - Imposto do selo
      - Isenção da taxa adicional
      - Art.º 106.º da Lei Básica da RAEM

      Sumário

      1. O imposto do selo incide sobre os documentos, papéis e actos que sejam fonte, para efeitos fiscais, de transmissão de direitos sobre imóveis, sendo o adquirente desses direitos obrigado a pagar o imposto do selo; e tanto os contratos de compra e venda como a constituição de usufruto de imóveis estão sujeitos a tal imposto.
      2. Há ainda lugar à cobrança de uma “taxa adicional” fixada nos artigos 42 ou 43 da Tabela Geral do Imposto do Selo, que é de 10%, a pagar por parte de pessoas colectivas, empresários comerciais, pessoas singulares, ou não residentes, de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, pela aquisição a título oneroso ou gratuito, exceptuando os casos em que “coexistem dois ou mais adquirentes, sendo pessoas singulares residentes e não residentes, e sendo estes últimos cônjuges ou parentes ou afins na linha recta de todos ou de alguns daqueles”.
      3. Está em causa um imposto que incide sobre os documentos, papéis e actos que sejam fonte de transmissão de direitos sobre imóveis, e não sobre as próprias transmissões desses direitos.
      4. O art.º 53.º-A do Regulamento do Imposto do Selo foi introduzido pela Lei n.º 15/2012, para reprimir os efeitos negativos sobre a vida quotidiana da população local resultantes da excessiva especulação no mercado imobiliário para habitação.
      5. Ao abrigo do art.º 8.º do Código Civil, se é verdade que não se deve fazer uma interpretação meramente literal da lei, sendo relevante para o efeito o pensamento legislativo, não é menos certo que, se o pensamento legislativo não tiver na letra da lei “um mínimo de correspondência verbal”, então tal pensamento não pode ser tido em consideração. Daí que na interpretação da lei só pode (e deve) ser considerado o pensamento legislativo que tenha na letra da lei uma mínima correspondência verbal.
      6. É de salientar que, não obstante a intenção legislativa de combater à especulação imobiliária, revelada com a aprovação da Lei n.º 15/2012, não se encontra nas letras do art.º 53.º-A uma mínima referência correspondente a tal “pensamento legislativo”.
      7. Não está legalmente prevista a possibilidade de afastar a aplicação da taxa adicional através da demonstração no caso concreto de que não teve o sujeito passivo a intenção especulativa. Por outro, a lei não prevê mecanismo ao qual se pode recorrer para demonstrar a falta de intenção especulativa e, consequentemente, afastar a tributação de taxa adicional, não obstante a intenção legislativa de combater a actividades especulativas.
      8. É um dos pressupostos da isenção de taxa adicional a “coexistência de dois ou mais adquirentes”, que se refere a uma “coexistência no título”, sendo necessário que no título de transmissão figurem como adquirentes duas ou mais pessoas, para que seja aplicado o disposto no n.º 3 do art.º 53.º-A do RIS.
      9. É entendimento deste Tribunal de Última Instância que nas alegações do recurso contencioso o recorrente só pode invocar novos vícios do acto administrativo se não lhe fosse exigível o conhecimento deles no momento da apresentação da petição inicial.
      10. Não obstante o comando de tomar como referência “a política de baixa tributação anteriormente seguida em Macau”, o art.º 106.º da Lei Básica confere à RAEM o poder de produzir, “por si própria, as leis respeitantes aos tipos e às taxas dos impostos e às reduções e isenções tributárias, bem como a outras matérias tributárias”.
      11. A orientação de “baixa tributação” não constitui obstáculo à criação de novas normas tributárias, podendo o legislador da RAEM produzir as leis respeitantes aos tipos e às taxas dos impostos e às reduções e isenções tributárias, até a outras matérias tributárias, o que resulta claramente do art.º 106.º.

      Resultado

      Acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dra. Song Man Lei
      • Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
      •   Dr. Sam Hou Fai