Acórdãos

Tribunal de Segunda Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 06/07/2006 125/2006 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      - Preferência do comproprietário na venda de coisa comum

      Sumário

      Na venda a terceiro, no âmbito da acção de divisão de coisa comum, o comproprietário mantém o seu direito de preferência.

       
      • Votação : Com declaração de voto
      • Relator : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      • Juizes adjuntos : Dr. Choi Mou Pan
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 06/07/2006 195/2006 Recurso em processo penal
    • Assunto

      - Unidade/Pluralidade de crimes

      Sumário

      No auxílio à imigração, se houve um único desígnio criminoso que não passou pelo número de pessoas transportadas, relevando o facto de as duas imigrantes terem sido transportadas nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar, numa mesma embarcação, os valores em jogo não terem sido acordados directamente com o arguido, sendo que o que cada uma das imigrantes pagou não foi ao arguido, mas sim a uma outra pessoa que, por sua vez, fez um acordo de transporte com o arguido, há um único crime e não dois crimes de auxílio à imigração.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      • Juizes adjuntos : Dr. Choi Mou Pan
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 06/07/2006 281/2006 Recurso em processo penal
    • Assunto

      - Liberdade condicional
      - Pressupostos

      Sumário

      1. Para a concessão da liberdade condicional, para além destes pressupostos formais (condenado na pena superior a 6 meses e ter cumprido 2/3 e também superior a 6 meses da pena), impõe-se a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material” que consiste na análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.
      2. O instituto da liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por mera boa conduta prisional, e serve na política do Código Penal um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.
      3. A liberdade condicional não é a extinção da pena, ao contrário, a lei consagra este regime precisamente por ter em conta a importância deste período transitório antes da sua libertação definitiva, no ponto de vista de reinserção social dos reclusos e para alcançar a finalidade de punição, a prevenção do crime.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Choi Mou Pan
      • Juizes adjuntos : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 06/07/2006 294/2006 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      – âmbito de decisão do recurso
      – Direito do Trabalho
      – princípio do favor laboratoris
      – trabalho subordinado por conta alheia
      – prestação do trabalhador
      – retribuição
      – subordinação jurídica
      – teoria do risco
      – teoria do beneficiário dos resultados obtidos
      – casino
      – Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L.
      – salário mensal
      – gorjetas
      – Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto
      – Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril
      – art.º 26.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril
      – indemnização pelo trabalho em dias de descanso semanal
      – indemnização pelo trabalho em dias de descanso annual
      – indemnização pelo trabalho em feriados obrigatórios
      – paz social
      – obediência à lei
      – art.º 7.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil de Macau
      – licença de maternidade
      – prova exigida do estado de gravidez e do parto
      – art.° 37.°, n.ºs 6 e 7, do Decreto-Lei n.° 24/89/M, de 3 de Abril

      Sumário

      1. O tribunal ad quem só resolve as questões concretamente postas pela parte recorrente e delimitadas pelas conclusões das suas alegações de recurso, transitando em julgado as questões nelas não contidas, mesmo que alguma vez tenham aí sido invocadas.
      2. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista, pelo que o que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo, pois, apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.
      3. O Direito do Trabalho aparece com a generalização de um tipo específico de trabalho humano – o trabalho produtivo, voluntário, dependente e por conta alheia – que substitui definitivamente o trabalho forçoso característico das economias do mundo antigo, tipo de trabalho específico esse que com a Revolução Industrial alcançou importância suficiente de modo a determinar a necessidade de se criar um corpo normativo dirigido à sua regulamentação.
      4. Sendo reconhecido em geral que o trabalhador se encontra numa posição de inferioridade em relação ao empregador no estabelecimento e desenvolvimento da relação do trabalho, o Direito do Trabalho assume-se como um direito de protecção e justifica-se pela necessidade de corrigir, por via legal, certas situações de desigualdade, através da imposição de restrições ao normal desenvolvimento do princípio da autonomia da vontade, por um lado, e, por outro, pela constatação de que, sem a intervenção do legislador juslaboralístico, o trabalhador fica sujeito a todo um conjunto de pressões de que não pode facilmente escapar, em virtude da necessidade que tem do emprego e do salário para dar satisfação a necessidades vitais suas e dos seus familiares.
      5. Portanto, ao interpretar e aplicar qualquer legislação juslaboralística, há que atender necessariamente ao princípio do favor laboratoris elaborado pela doutrina atentas essas especificidades do Direito do Trabalho, a fim de ir ao encontro da exigência do cânone de hermenêutica jurídica do n.º 1 do art.º 8.º do Código Civil de Macau.
      6. Na verdade, este princípio do favor laboratoris, como um dos derivados do princípio da protecção do trabalhador informador do Direito do Trabalho, para além de orientar o legislador na feitura das normas juslaborais (sendo exemplo paradigmático disto o próprio disposto no art.º 5.º, n.º 1, e no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril), deve ser tido pelo menos também como farol de interpretação da lei laboral, sob o qual o intérprete-aplicador do direito deve escolher, na dúvida, o sentido ou a solução que mais favorável se mostre aos trabalhadores no caso considerado, em virtude do objectivo de protecção do trabalhador que o Direito do Trabalho visa prosseguir.
      7. O contrato de trabalho subordinado caracteriza-se por três elementos essenciais: a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.
      8. No tocante ao primeiro elemento, o que está in obligatio é a própria actividade a que o trabalhador se obrigou e que a outra parte, o empregador, organiza e dirige no sentido de um resultado que está for a do contrato. Por isso, o trabalhador que tenha cumprido diligentemente essa sua prestação de trabalho não pode ser responsabilizado, se o resultado pretendido pelo empregador não for atingido. E basta, por outro lado, que o trabalhador se encontre à disposição do empregador no tempo e no local de trabalho para cumprir a sua obrigação.
      9. Quanto ao elemento retribuição, este já é a obrigação principal do empregador no contrato de trabalho, como troca da disponibilidade da força de trabalho do trabalhador.
      10. E no que tange ao elemento subordinação jurídica, este traduz-se numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato, face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem. Assim, é ao credor (empregador) que compete dizer onde, quando, como e com que meios deve o trabalhador executar a actividade a que se obrigou por contrato. E esta subordinação jurídica não se limita aos momentos que antecedem o início da prestação laboral, antes se mantém durante a execução desta. E como é um poder jurídico, não é necessário que o empregador o exerça de modo efectivo, mas basta que o possa exercer.
      11. O objecto do Direito do Trabalho é apenas o trabalho por conta alheia, no sentido de que a utilidade patrimonial do trabalho é atribuída a pessoa distinta do trabalhador, ou seja, ao empregador, que a adquire a título originário. Os bens ou serviços produzidos pelo trabalhador ao abrigo do contrato de trabalho por conta alheia não são do trabalhador, mas sim do empregador, que, por sua vez, compensa o trabalhador com uma parte da utilidade patrimonial que obteve com o trabalho deste – o salário.
      12. Por isso, o trabalho por conta alheia é explicado quer pela teoria do risco, quer pela teoria do beneficiário dos resultados obtidos.
      13. Segundo a teoria do risco, o trabalho por conta alheia é aquele em que o trabalhador exerce a sua actividade sem assumir os riscos da exploração do empregador.
      14. Enquanto de acordo com a teoria do beneficiário dos resultados obtidos, o trabalho por conta alheia é aquele em que o trabalhador não se apropria dos frutos do trabalho.
      15. E apesar de o trabalhador poder ter sido chamado pelo seu empregador a trabalhar em dias destinados a descansos semanal e/ou annual e/ou até em feriados obrigatórios, tal não implica que o trabalho assim prestado não precise de ser compensado nos termos legalmente devidos.
      16. Aliás, é para proteger o trabalhador contra eventual necessidade, ditada pelo seu empregador, de prestação de trabalho em dias de descansos semanal e/ou annual e/ou de feriados obrigatórios que a lei laboral de Macau tem procurado estipular regras de compensação ou pagamento desse tipo de trabalho, mesmo que prestado de modo voluntário (cfr. Os art.ºs 17.º, n.º 4, 18.º e 21.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, e os art.ºs 17.º, n.ºs 4 e 6, 18.º, 20.º e 24.º, do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, sucessor daquele).
      17. Com isso, fica realmente destituído de sentido prático fazer discutir a admissibilidade de limitação voluntária ou de renúncia dos ditos direitos do trabalhador: é que mesmo que o trabalhador se disponibilize a não gozar os dias de descanso semanal e/ou annual e/ou feriados obrigatórios a fim de trabalhar voluntariamente para o seu empregador, a lei laboral sempre o protegerá da situação de prestação de trabalho nesses dias, desde que o trabalhador o reclame.
      18. Uma vez reclamada essa protecção mínima legal, o empregador tem que compensar in natura (através, por exemplo, de concessão de descanso compensatório) ou pagar o trabalho prestado nesses dias, embora não o queira fazer.
      19. Daí se pode retirar a asserção de que qualquer eventual limitação voluntária ou renúncia voluntária desses direitos por parte do trabalhador é retractável, sob a égide das mencionadas normas cogentes consagradas nesta matéria na lei laboral, o que se justifica pela necessidade de proteger o trabalhador contra a sua compreensível inibição psicológica em discutir frontalmente com o seu empregador aquando da plena vigência da relação contratual de trabalho, sobre o exercício desses seus direitos laborais, caso este não seja cumpridor voluntário nem rigoroso da lei laboral em prol dos interesses daquele.
      20. O salário da Autora como trabalhadora da Ré Sociedade de Turismo de Diversões de Macau, S.A.R.L., sendo composto por uma parte quantitativa fixa de valor reduzido, e por um outra remanescente, de quantia variável consoante o montante de gorjetas dadas pelos clientes dos casinos da mesma sociedade exploradora de jogos a seus trabalhadores, e depois distribuídas em cada período de dez dias aos trabalhadores da mesma de acordo com a respectiva categoria profissional, está em quantum materialmente variável, devido exclusivamente a essa forma do seu cálculo, e já não também em função do resultado de trabalho efectivamente produzido, nem, tão-pouco, do período de trabalho efectivamente prestado.
      21. Por isso, a quota-parte de gorjetas a ser distribuída à Autora integra precisamente o seu salário, pois caso contrário, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta dessa sociedade por anos seguidos como trabalhador dos casinos da Ré, sabendo, entretanto, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido.
      22. Deste modo, o salário da Autora não é fixado em função do período de trabalho efectivamente prestado, nem é um salário diário, mas sim um salário mensal, por ser este a situação-regra, por normal, vista mesmo sob a égide de presunções judiciais com recurso a regras da experiência da vida humana.
      23. Na verdade, se fosse um salário diário ou salário fixado em função do período de trabalho efectivamente prestado, a necessária laboração contínua e permanente daquela sociedade comercial como exploradora de jogos em Macau por decorrência da legislação especial aplicável a essa sua actividade sairia deveras comprometida, visto que para se verificar este efeito nefasto, bastaria que a Autora e/ou outros seus colegas de trabalho na mesma situação dela não viessem a comparecer nos casinos daquela em cumprimento dos rigorosos horários de trabalho naturalmente por esta fixados em relação a cada um dos seus trabalhadores para garantir tal funcionamento contínuo, ou viessem a trabalhar dia sim dia não a seu bel-prazer, ou só em dias em que os horários lhes fossem mais favoráveis, já que a retribuição do trabalho seria, de qualquer maneira, igualmente calculada em função dos dias de trabalho efectivamente prestado.
      24. Antes da entrada em vigor, no dia 1 de Setembro de 1984, da primeira lei reguladora das Relações de Trabalho em Macau, ou seja, do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, toda a relação de trabalho em Macau tinha que ser regida pelo próprio convencionado entre as duas partes empregadora e trabalhadora.
      25. E desde o dia 1 de Setembro de 1984 até 2 de Abril de 1989 inclusive, já vigoravam, salvo o tratamento mais favorável para a parte trabalhadora resultante de outro regime, os condicionalismos mínimos legais garantísticos a observar em Macau nomeadamente nas relações de trabalho remunerado por conta alheia, pela primeira vez traçados sob a forma de lei nesse Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto.
      26. E a partir do dia 3 de Abril de 1989, tem vigorado o regime consagrado no Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, revogatório daquele primeiro diploma, com a nuance de que os seus art.ºs 17.º (apenas no seu n.º 6) e 26.º (excepto o seu n.º 1) passaram a ter a redacção dada pelo artigo único do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, vocacionado a afastar as dúvidas até então surgidas quanto ao regime de descanso semanal no caso de trabalhadores que auferem salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado.
      27. O n.º 1 do art.º 26.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M visa tão-só proteger o trabalhador contra eventual redução do seu salário mensal por parte do seu empregador sob pretexto de não prestação de trabalho nos períodos de descanso semanal e annual e dos feriados obrigatórios, e, por isso, já não se destina a determinar o desconto do valor da remuneração normal na compensação/indemnização pecuniária a pagar ao trabalhador no caso de prestação de trabalho em algum desses dias.
      28. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dia de descanso semanal no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, que entrou imediatamente em vigor, por força do seu art.º 57.º, no próprio dia da sua publicação (3 de Abril de 1989), com intuito legislativo nítido de favorecer quanto antes a classe trabalhadora, pois este novo diploma lhe confere mais direitos laborais do que os já garantidos no anterior Decreto-Lei n.º 101/84/M, a fórmula é o “dobro da retribuição normal”. Isto é, e matematicamente falando, 2 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho em consideração x número de dias de descanso semanal por ano, não gozados.
      29. O primeiro dia de descanso semanal a que o trabalhador tinha direito deveria ser depois do primeiro período de seis dias de trabalho sob a vigência imediata do Decreto-Lei n.° 24/89/M em 3 de Abril de 1989, pois o descanso só se justifica depois de cada período de trabalho de seis dias, tal como o que se pode retirar da letra do n.º 1 do art.º 17.º deste diploma, sendo de defender que a entidade patronal não pode fazer variar o dia de repouso semanal, tornando incerto o dia destinado a esse fim.
      30. De facto, o descanso semanal pressupõe a prestação de trabalho efectivo durante um determinado período, por forma a que seja imprescindível à recuperação das energias físicas e psíquicas do trabalhador, daí que não possa acontecer antes da prestação de trabalho que o justifica, sob pena de inversão lógica.
      31. Não se pode, entretanto, reclamar a indemnização pecuniária do trabalho prestado em dias de descanso semanal durante a vigência do Decreto-Lei n.º 101/84/M (ou seja, no período de 1 de Setembro de 1984 a 2 de Abril de 1989), por esse Decreto-Lei não prever, como um dos condicionalismos mínimos nele plasmados, a compensação pecuniária desse trabalho (cfr. O que se pode alcançar do disposto nos seus art.ºs 17.º e 18.º, a contrario sensu).
      32. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso annual sob a vigência do Decreto-Lei n.º 101/84/M a partir do dia 1 de Setembro de 1984 (sendo claro que o direito a descanso annual em cada ano civil só se vence naturalmente depois de decorrido o ano civil a que esse direito annual se reporta), a fórmula é (art.ºs 24.º, n.º 2, e 23.º – eram seis dias, logicamente úteis, de descanso annual) o “salário correspondente a esse período”. Isto é, 1 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho em consideração x número de dias de descanso annual vencidos mas não gozados (com a observação de que o n.º 2 do art.º 24.º deve ser interpretado, à luz do princípio do favor laboratoris, como abrangendo também a situação da cessação da relação de trabalho ocorrida só depois da cessação da vigência do próprio Decreto-Lei n.º 101/84/M no dia 3 de Abril de 1989).
      33. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso annual no âmbito do Decreto-Lei n.º 101/84/M, a fórmula é (art.ºs 24.º e 21.º) o “triplo da retribuição normal”, se houver prova do impedimento pelo empregador do gozo desses dias, como pressupõe expressamente a letra do art.° 24.°. Isto é, 3 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho em consideração x número de dias de descanso annual vencidos mas não gozados. Pois, caso contrário, já haverá que aplicar analogicamente a fórmula do “dobro da retribuição normal” à situação objectiva de prestação de trabalho nos dias de descanso annual, I.e., sem qualquer impedimento por acção da entidade patronal do exercício do direito do gozo desse descanso, sob pena de flagrante injustiça relativa em confronto com a compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.
      34. Sob a égide do Decreto-Lei n.º 24/89/M, são seis dias de feriados obrigatórios “remunerados” por ano, sendo certo que a Lei n.º 8/2000, de 8 de Maio, que mantém igualmente em dez dias os feriados obrigatórios, deixa intocados esses mesmos seis dias de feriados obrigatórios “remunerados”, quais sejam, o Primeiro de Janeiro, os Três Dias do Ano Novo Chinês, o Primeiro de Maio e o Primeiro de Outubro.
      35. E para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado pela Autora à Ré em feriados obrigatórios “remumerados” sob a vigência do Decreto-Lei n.º 24/89/M, a fórmula é o “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal”, para além naturalmente da retribuição a que tem direito, caso tenha que trabalhar nesses feriados, a despeito da regra da dispensa obrigatória de prestação de trabalho (art.ºs 20.º, n.º 1, e 19.º, n.ºs 2 e 3), o que, à falta de outra fórmula remuneratória convencionada mais favorável à parte trabalhadora, equivale, materialmente, ao “triplo da retribuição normal”, que se justifica, aliás, pelo especial significado desses dias que os tornou eleitos pelo próprio legislador como sendo feriados obrigatórios “remunerados”.
      36. Entretanto, no âmbito do mesmo Decreto-Lei n.º 24/89/M, a Autora não pode reclamar a indemnização pelo trabalho prestado nos quatro dias de feriados obrigatórios “não remunerados”, uma vez que o n.º 2 do art.º 20.º deste diploma só prevê a indemnização do trabalho em feriados obrigatórios “não remunerados” prestado ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo, e já não também na situação da alínea c) do mesmo n.º 1.
      37. O valor da paz social não está minimamente posto em causa, quando o tribunal se limita a decidir de acordo com a lei nos termos plasmados no art.º 7.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil de Macau, com natural abstracção das preocupações exclusivamente pessoais das partes em pleito.
      38. Atenta a redacção dos n.°s 1 e 6 do art.° 37.° do Decreto-Lei n.° 24/89/M, de 3 de Abril, é manifesto que para efeitos de gozo da licença de maternidade, naturalmente com limitação posta pelo n.° 5 do mesmo preceito, basta à trabalhadora em causa pedi-la mesmo que verbalmente, e ainda que sem apresentação logo da prova do seu estado de gravidez (que aliás se ressalta logo como facto notório, atento o estado necessariamente já muitíssimo avançado, se não mesmo derradeiro, de gravidez postulado pelo legislador juslaboral na legiferação do n.° 2 do mesmo art.° 37.°) e do parto.
      39. Prova essa que só se tornará obrigatória se a sua entidade patronal vier a exigir expressamente a sua apresentação à luz do n.° 6 do dito art.° 37.°, sendo certo que só na falta da prova assim exigida pela entidade patronal é que poderá acontecer a consequência cominada no subsequente n.° 7.
      40. Daí que configurando a “falta da prova exigida” pelo empregador do estado de gravidez e do parto das trabalhadoras ao seu serviço nitidamente um facto impeditivo nomeadamente da concessão da remuneração correspondente ao período da licença de maternidade, nos termos expressa e conjugadamente ditados naqueles n.ºs 6 e 7 do art.° 37.°, é exclusivamente à Ré que, nos termos do art.º 335.º, n.º 2, do Código Civil de Macau, cabe provar que tenha chegado a exercer o direito de exigir da Autora a prova do estado de gravidez e do parto e que, não obstante o assim exigido, a Autora não lhe tenha apresentado essa prova.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 06/07/2006 266/2005 Recurso contencioso (Processo administrativo de que o TSI conhece em 1ª Instância)
    • Assunto

      - Trabalhadores da Administração Pública
      - Subsídio de residência
      - Casa própria
      - Amortização
      - Segunda hipoteca
      - Artigo 203.º, n.º 4, al. b) do ETAPM
      - Regra da interpretação da lei
      - Artigo 8.º do Código Civil
      - Pensamento legislativo
      - Circunstâncias em que a lei foi elaborada
      - Condições específicas do tempo que é aplicada
      - Unidade do sistema jurídico
      - Axiológica da ordem jurídica
      - Necessidade de habitação
      - Acepção devida do subsídio de residência
      - Princípio de igualdade
      - Artigo 5.º do Código do Procedimento Administrativo
      - Interpretação declarativa
      - Interpretação restritiva
      - Anulação do acto administrativo

      Sumário

      I. O artigo 203.º, n.º 1 do vigente Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (doravante designado simplesmente por ETAPM) estipula a atribuição do subsídio de residência, n.º 4 do mesmo artigo, e exceptuam-se os trabalhadores que se encontrem numa das seguintes situações:
      a) Habitem casa do património do Território, dos serviços autónomos ou dos municípios;
      b) Tenham casa própria, salvo quando esteja sujeita a encargos de amortização.
      II. A impugnação da interpretação do artigo 203.º, n.º 4, al. b) do ETAPM no que diz respeito a questão: “Será “a amortização” referida nesta al. b) abranger a realização da segunda ou mais hipoteca da casa própria sujeita a encargos de amortização ou o aumento do montante do empréstimo hipotecário efectuados posteriormente por parte do trabalhador da Administração Pública que antes já beneficiou do direito ao subsídio de residência de acordo com esta al. b)?”, deve ser resolvida de acordo com a regra da interpretação da lei definida no artigo 8.º do Código Civil.
      III. Quanto à regra da interpretação da lei, o artigo 8.º do Código Civil determina designadamente: “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.”.
      IV. Ao aplicar esta importante redacção da lei, devemos prestar atenção aos seguintes: em primeiro lugar não existe qualquer hierarquia ou prioridade entre os seguintes dois elementos da interpretação da lei : “as circunstâncias em que a lei foi elaborada” e as “condições específicas do tempo que é aplicada”; em segundo, o factor de as “condições específicas do tempo que é aplicada” tem uma conotação actualista; por fim, “a unidade do sistema jurídico” é o factor interpretativo mais importante, pois que esta representa a axiológica da ordem jurídica.
      V. Sem margem para dúvidas, o preceituado no artigo 203.º, n.º 4, al. b) do ETAPM não determina qualquer exigência ou limite prefixado relativamente ao motivo de fundo de “amortização”. Por outras palavras, na letra da lei, eles podiam continuar a beneficiar do subsídio de residência, desde que a casa dos recorrentes, na altura, estivesse sujeita a encargos de amortização, quer resultantes da 1.ª hipoteca, quer da 2.ª ou a chamada “dupla hipoteca” realizada posteriormente.
      VI. Mesmo assim, o pensamento legislativo de fundo deve ser procurado à luz da regra da interpretação da lei consagrada no artigo 8.º, n.º 1 do Código Civil.
      VII. Não obstante diferentes as condições económicas desses funcionários públicos, não nos é difícil concluir que há um ponto comum encontrado na vida quotidiana, I.e., toda a gente tem que resolver a sua necessidade indispensável de habitação.
      VIII. Assim sendo, tendo em conta o princípio de imparcialidade, toda a gente, independentemente da sua capacidade económica concreta, deve ter o direito à percepção do subsídio de residência, de modo que pode aliviar o seu encargo no que diz respeito a essa necessidade básica. Trata-se, exactamente, do sentido real do subsídio de residência. Estamos convictos de que sendo isto a circunstância que o legislador não negligenciou ao elaborar o ETAPM.
      IX. Tal como o caso de que os trabalhadores da Administração que tenham a seu cargo os filhos menores ainda não começarem a trabalhar na sociedade, independentemente da sua capacidade económica para alimentá-los, têm o direito ao subsídio de família estipulado pelo actual artigo 205.º, n.º 1, al. a) e artigo 206.º, n.º 6, al. a) do ETAPM.
      X. Ou como o caso de que, os trabalhadores da Administração que contraíram matrimónio há pouco ou têm filhos recém-nascidos, independentemente do 1.º casamento ou da 1.ª vez que se torna pai ou mãe e da sua capacidade económica para suportar tais encargos, têm o direito a requerer o subsídio de casamento e o subsídio de nascimento estipulados pelo artigo 213.º e artigo 214.º do ETAPM, respectivamente.
      XI. Nestes termos, ao aplicar-se o artigo 203.º, n.º 4, al. b) do ETAPM, devendo prestar-se especial atenção ao devido significado do subsídio de residência.
      XII. Assim sendo, no intuito de defender a imparcialidade geral e uniformizada do regime jurídico da atribuição dos diferentes subsídios aos funcionários públicos estabelecido no ETAPM, tendo em consideração a então situação da elaboração do ETAPM e as circunstâncias actuais da sua aplicação, na realidade não se deve proceder a qualquer interpretação restritiva, inútil para resolver a permanente situação da injustiça relativa e que contraria a acepção devida do subsídio de residência ou a axiológica sobre os actuais termos do artigo 203.º, n.º 4, al. b) do ETAPM., I.e., “a amortização” referida no artigo 203.º, n.º 4, al. b) do ETAPM não abrange a realização da segunda ou mais hipoteca da casa própria sujeita a encargos de amortização ou o aumento do montante do empréstimo hipotecário efectuados posteriormente por parte do trabalhador da Administração Pública que antes já beneficiou do direito ao subsídio de residência de acordo com esta al. b).
      XIII. Na realidade, já que a habitação é uma necessidade básica do ser humano, porque é que o trabalhador da Administração Pública que tem capacidade económica suficiente para adquirir individual e integralmente casa própria mas optando por arrendar casa particular, ou o trabalhador da Administração Pública que possui imóvel comercial e optando por arrendar casa particular poderá usufruir do direito ao subsídio de residência? E porque é que o trabalhador da Administração Pública que por motivo económico decidiu hipotecar mais uma vez a sua única casa própria ou prolongar o prazo de amortização dos empréstimos “não deve” continuar a usufruir do direito ao subsídio de residência?
      XIV. Na medida em que no presente caso concreto do subsídio de residência dos recorrentes, a entidade administrativa não segue o disposto no artigo 8.º, n.º 1 do Código Civil de Macau para interpretar a letra da lei consagrada no artigo 203.º, n.º 4, al. b) do ETAPM e correspondente ao princípio da imparcialidade (nomeadamente o pensamento legislativo do artigo 5.º do Código do Procedimento Administrativo vigente), pondo em causa o direito de que os recorrentes usufruem segundo a lei, o acto administrativo recorrido que ordenou os mesmos a restituição do subsídio de residência acabou por violar o disposto no artigo 203.º, n.º 4, al. b) do ETAPM, podendo o presente Tribunal anular este acto administrativo especialmente nos termos do artigo 20.º e da 1.ª parte do artigo 21.º, n.º 1, al. d) do Código do Processo Administrativo Contencioso.

       
      • Votação : Vencido o relator
      • Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
      • Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
      •   Dr. Lai Kin Hong
      • Observações :Nos termos do disposto no artº 19º do R.F.T.S.I., este acórdão é relatado pelo 1º Juiz Adjunto Dr. Chan Kuong Seng