Acórdãos

Tribunal de Última Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 20/09/2000 12/2000 Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
    • Assunto

      Autorização excepcional da fixação de residência
      Direito à iniciativa do procedimento administrativo
      Indeferimento liminar
      Decisão final
      Princípio da legalidade da competência
      Delegação de poderes
      Incompetência

      Sumário

      A autorização excepcional da fixação de residência prevista no art.° 40.° do Decreto-Lei n.° 55/95/M relaciona com os interesses privados do requerente. O requerer deste tipo de autorização não tem ligação com os interesses públicos e a oportunidade e conveniência das actividades da Administração Pública. Por isso, não se deve considerar que os particulares não têm o direito à iniciativa do respectivo procedimento administrativo.

      Está expressamente prescrito no art.° 40.°, n.° 3 do Decreto-Lei n.° 55/95/M que a competência do Governador de conceder autorização excepcional da fixação de residência é indelegável. Assim, está incluída nas competências delegadas pelo Governador por meio da Portaria n.° 236/96/M no Secretário-Adjunto para a Segurança a direcção da instrução, mas este não pode proferir a decisão final.

      O órgão que tem a seu cargo a direcção da instrução pode apresentar parecer à entidade competente para a decisão após a apreciação liminar do pedido de autorização excepcional da fixação de residência. Mas não pode, desde já, indeferir liminarmente os requerimentos com falta de condições e não os submeter à apreciação do Governador, uma vez que o acto do indeferimento liminar se trata de uma decisão final proferida no exercício da competência decisória.

      Os poderes dos órgãos da Administração Pública têm a sua fonte na lei, as respectivas competências são fixadas expressamente pela lei que não podem ser alteradas discricionariamente, não se presume nem ampliadas ou reduzidas livremente.

      Quando o acto praticado pela Administração Pública não está situado no âmbito das suas competências, o acto está viciado da incompetência.

      Resultado

      O Tribunal julga o recurso improcedente e mantém o acórdão recorrido.
      Não é tributado o recorrente por estar legalmente isento.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chu Kin
      • Juizes adjuntos : Dr. Viriato Lima
      •   Dr. Sam Hou Fai
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 26/07/2000 10/2000 Recurso de decisão jurisdicional em matéria fiscal
    • Assunto

      Omissão de pronúncia
      Legitimidade para invocar a nulidade
      O imposto sobre veículos motorizados
      Liquidação oficiosa
      Poder de discricionariedade técnica
      Provas indiciárias
      Determinação do valor tributável
      Controlo judicial

      Sumário

      O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

      A nulildade processual só pode ser invocada, em princípio, pelos respectivos interessados. Só os interessados na declaração de nulidade de um acto ou omissão ilegal têm legitimidade a suscitá-la, pedindo a sua apreciação pelo tribunal.

      Quando o Chefe da Repartição de Finanças de Macau considera que o preço de venda de veículos declarados pelo sujeito passivo seja manifestamente inferior ao preço de venda ao público efectivamente praticado no mercado, pode, nos termos do art.° 15.°, n.° 1 do Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados, fixar um preço de venda ao público que serve de base ao cálculo do imposto sobre veículos motorizados de acordo com os elementos disponíveis.

      A norma “… sempre que disponha de elementos que indiciem …” exige prova indiciária. A aplicação desta norma trata-se da concretização de um conceito indeterminado que consiste num acto vinculado. Isso não implica a valoração volitiva inerente ao exercício do poder discricionário.

      As provas indiciárias não servem para provar plenamente um facto, mas antes presumir um facto a partir de um outro já conhecido, com a probabilidade mais positiva do que negativa.

      Fixar o preço a ser tributado através da realização oficiosa de liquidação adicional significa que o Chefe da Repartição de Finanças de Macau não adopta como base de cálculo os preços declarados pelo sujeito passivo, mas antes procede à liquidação a partir de outros elementos previstos na lei.

      Normalmente, determinar a matéria colectável é um problema de estrita legalidade em que só há um valor conforme à lei. O respectivo acto das autoridades fiscais é vinculado, nele não comporta juízos de valores relativamente à oportunidade ou conveniência. Por isso, o acto é sindicável judicialmente no âmbito de contencioso administrativo com base na sua legalidade.

      Resultado

      O Tribunal julga o recurso procedente e revoga o acórdão do Tribunal de Segunda Instância, devendo este apreciar o outro fundamento do recurso contencioso, se nada obstar ao seu conhecimento.
      Custas pela recorrida com a taxa de justiça fixada em seis UC.
      Não é tributado o recorrente por estar isento legalmente.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chu Kin
      • Juizes adjuntos : Dr. Sam Hou Fai
      •   Dr. Viriato Lima
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 28/06/2000 11/2000 Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
    • Assunto

      - Convite ao aperfeiçoamento de petição, nos termos do art. 40.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 267/85.
      - Nova petição.
      - Princípio do favorecimento do processo, ou princípio pro actione.

      Sumário

      1. No recurso contencioso de anulação a falta de indicação, na petição, dos interessados a quem o provimento do recurso pudesse directamente prejudicar, pode ser corrigida em mero requerimento autónomo, não sendo necessária a apresentação de nova petição.

      2. A recorrente cumpriu o convite para aperfeiçoamento da petição, ao indicar como interessados a quem o provimento do recurso pudesse directamente prejudicar, todos os concorrentes ao concurso e não apenas o vencedor, restando neste caso ao Tribunal rejeitar a petição relativamente àqueles carecidos de legitimidade passiva, prosseguindo quanto ao(s) restante(s), em consonância com o princípio geral de redução dos actos jurídicos, de que constitui afloramento a norma do art. 292.º do Código Civil de 1966, atinente ao negócio jurídico e seguindo a máxima «utile per inutile non vitiatur», nos termos do disposto no art. 474.º, nos 1, alínea b) e 2 do Código de Processo Civil de 1961.

      3. A questão de saber se o convite ao aperfeiçoamento de petição, nos termos do art. 40.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 267/85, pode realizar-se mais do que uma vez, há-de passar pelo seguinte critério geral:
      - Quando o recorrente não pretenda corrigir a petição ou seja pertinaz na manutenção da irregularidade, então o juiz não deve fazer novo convite para regularização da petição e deve decidir de acordo com a lei;
      - Se o recorrente corrigiu a petição, mostrando vontade de aceder ao convite do juiz, mas este continua a entender que a petição ainda sofre de irregularidade, então nada obsta a que o juiz lavre novo despacho de aperfeiçoamento.

      4. No contencioso administrativo, de acordo com o princípio do favorecimento do processo, ou princípio pro actione, a interpretação e aplicação das normas processuais deve ser feita no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excessivo formalismo.

      Resultado

      - Acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o Acórdão recorrido e ordenando que o Tribunal recorrido mande citar os interessados a quem o provimento do recurso possa directamente prejudicar (depois de apurados quem sejam estes, de rejeitado o recurso apenas relativamente àqueles que não sejam partes legítimas, e de juntos os necessários duplicados).
      - Sem custas.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Viriato Lima
      • Juizes adjuntos : Dr. Sam Hou Fai
      •   Dr. Chu Kin
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 03/05/2000 9/2000 Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
    • Assunto

      - Poder de cognição do TUI no contencioso administrativo, em segundo grau de jurisdição.
      - Matéria de facto e matéria de direito.
      - Princípio da legalidade.
      - Poderes discricionários.
      - Conceitos indeterminados.
      - Margem de livre apreciação.
      - Proibição de entrada em Macau.
      - Fortes indícios de pertença ou ligação a associação criminosa.
      - Ameaça para a ordem pública ou para a segurança de Macau.

      Sumário

      1. No contencioso administrativo, em recurso juridsdicional correspondente a segundo grau de jurisdição, o Tribunal de Última Instância (TUI) apenas conhece de matéria de direito, tanto nos processo pendentes em 20.12.99, como nos processos instaurados a partir desta data.

      2. O exercício de poders discricionários é enquadrado no âmbito da submissão ao princípio da legalidade da Administração.

      3. Limites internos da discricionariedade são os factores que condicionam a escolha do decisor entre as várias atitudes possíveis, fazendo com que algumas deixem de o ser nas circunstâncias concretas.

      4. Os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparciadade constituem limites internos da discricionariedade.

      5. O princípio da proporcionalidade só poderá aplicar-se na apreciação de comportamentos em que o utor goze de uma certa margem de escolha.

      6. O princípio da proporcionalidade pode ser dissecado em três subprincípios, da idoneidade, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito ou do equilíbrio.

      7. A intervenção do juiz na apreciação do respeito dos mencionados princípios jurídicos, por parte da Administração, sõ deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, os violem.

      8. Enquanto no exervício de poderes discricionários o órgão administrativo tem liberdade de actuação quanto a determinado aspecto, quando estão em causa conceitos indeterminados estamos perante uma actividade vinculade vinculada, de mera interpretação da lei.

      9. Ao lado dos conceitos indeterminados que se traduzem na mera interpretação da lei, há um outro grupo de situações, que alguma doutrina qualifica como verdadeiros conceitos indeterminados ou conceitos indeterminados puros, em que se mostra que a intenção da lei é a de pretender deixar ao órgão administrativo uma margem de livre apreciação.

      10. Nestes casos, a aplicação do conceito indeterminado ao caso concreto envolve a emissão de juízos que contêm elementos subjectivos integrados numa prognose, consistindo esta num raciocínio através do qual de avalia a capacidade para uma actividade futura, se imagina a evolução futura de um processo social ou se sopesa a perigosidade de uma situação futura.

      11. O juízo de prognose respeita à subsunção da situação concreta no concreta no conceito encerrado na previsão da norma e não à interpretação em abstracto de tal conceito.

      12. Embora estruturalmente diversos, discricionariedade e conceitos indeterminados puros estão submetidos ao mesmo regime, designadamente no que respeita aos limites e fiscalização judicial dos poderes discricionários.

      13. A apreciação do conceito indeterminado contido na alínea b), do n.º 1, do art. 33. º da Lei n.º 6/97/M ( «fortes indícios de pertença ou ligação a associação criminosa ») consiste em mera interpretação normativa, pelo que os tribunais podem sindicar a aplicação efectuada pela Administração à situação concreta.

      14. Viola esta alínea b), do n.º1, do art.33. º da Lei n.º 6/97/M o acto administrativo que considera qe por o interessado ser bate-fichas em casino e ter sido condenado judicialmente por contravenções ao Código da Estrada constitui fortes indícios de pertença ou ligação a associação criminosa.

      15. Relativamente ao conceito indeterminado contido na alínea d), do n.º 1, do art. 33.º da Lei n.º 6/97/M («fortes indícios de que constituem ameaça para a ordem pública ou para a segurança » de Macau) está-se perante conceito indeterminado puro, sendo que os segumentos «ordem pública » e «segurança » carecem apenas de interpretação, mas o juízo sobre se o interessado constitui ameaça para a ordem pública ou para a segurança de Macau é um juízo de prognose, cuja apreciação não cabe aos tribunais.

      16. Contudo, os tribunais podem fiscalizar o respeito pelo princípio da proporcionalidade por parte da Administração, na formulação do referido juízo de prognose.

      17. Viola manifestamente este princípio, o acto administrativo que considera que por o interessado ser bate-fichas em casino e ter sido condenado judicialmente por contravenções ao Código da Estrada, constitui ameaça para a ordem pública ou para a segruança de Macau, integrando, portanto, vício de violação de lei.

      Resultado

      - Acordam em julgar improcedente o presente recurso jurisdicional.
      - Sem custas.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Viriato Lima
      • Juizes adjuntos : Dr. Sam Hou Fai
      •   Dr. Chu Kin
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 27/04/2000 6/2000 Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
    • Assunto

      Objecto de recurso
      Poderes de cognição do TUI
      Conceitos indeterminados
      Poderes discricionários
      Margem de livre decisão
      Poder de fiscalização jurisdicional
      Princípio da proporcionalidade
      Fortes indícios
      Ameaça para a ordem pública ou segurança de Macau

      Sumário

      “Fortes indícios” é um conceito impreciso de natureza jurídica. A sua natureza vaga ou imprecisa pode ser ultrapassada através das técnicas interpretativas, não carecendo de um juízo valorativo por parte do intérprete-aplicador. O processo de interpretação deste tipo de conceitos indeterminados é legalmente vinculado cuja legalidade é susceptível da fiscalização jurisdicional.

      Entende-se por fortes indícios os sinais de ocorrência de um determinado facto, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que o facto foi praticado pelo arguido. Esta possibilidade razoável é uma probabilidade mais positiva do que negativa, ou seja, a partir das provas recolhidas se forma a convicção de que é mais provável que o arguido tenha praticado o facto do que não o tenha praticado. Aqui não se exige uma certeza ou verdade como no julgamento criminal.

      “A ameaça para a ordem pública ou segurança” é um conceito indeterminado puro ou em sentido próprio. A sua indeterminação não está limitada apenas ao âmbito puramente jurídico, antes tem um espaço de aplicação bastante mais alargado, com o significado influenciável pela conjuntura social e dependente mais da avaliação de situações concretas feita pela Administração. A margem de livre decisão consentida por este tipo de conceitos é muito semelhante à discricionariedade mas que se não confundem.

      A concretização de conceitos indeterminados puros é feita mediante uma avaliação subjectiva e volitiva das situações concretas, movida na ampla margem de livre decisão consentida pela lei, entrando já no campo de mérito do acto, isto é, no domínio da liberdade da acção da Administração, que em princípio não deve ser controlada pelos tribunais.

      Qunado o acto resultado do uso da margem de livre decisão está manifestamente contrário aos princípios jurídicos fundamentais a que as actividades administrativas devem respeito, o tribunal pode anulá-lo por este fundamento no uso da competência da fiscalização da legalidade.

      As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos indispensáveis e na menor medida relativamente aos objectivos a realizar. É este o princípio da proporcionalidade enunciado nas disposições do Direito Administrativo.

      Só com os factos de exercer as actividades de “bate-fichas” nos casinos de Macau e de ter sido condenado duas vezes em Hong Kong por posse de drogas perigosas nas multas reduzidas não são suficientes para concluir a existência de fortes indícios de pertença ou ligação a associação criminosa ou sociedade secreta ou de que constituem ameaça para a ordem pública ou para a segurança de Macau.

      É evidente que os direitos legalmente protegidos de um cidadão de Hong Kong foram limitados inadequadamente em comparação com o fim de proteger a segurança pública de Macau quando foi interditada a sua entrada em Macau com base nos mesmos factos.

      Resultado

      o Tribunal julga improcedente o recurso, mantendo a decisão do acórdão recorrido.
      Sem custas por o recorrente estar legalmente isento destas.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chu Kin
      • Juizes adjuntos : Dr. Viriato Lima
      •   Dr. Sam Hou Fai