Tribunal de Segunda Instância
- Votação : Com declaração de voto
- Relator : Dra. Tam Hio Wa
- Juizes adjuntos : Dr. Choi Mou Pan
- Dr. José Maria Dias Azedo
- Votação : Com declaração de voto
- Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
- Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
- Dra. Tam Hio Wa
- Votação : Unanimidade
- Relator : Dr. Tong Hio Fong
- Juizes adjuntos : Dr. Lai Kin Hong
- Dr. Fong Man Chong
- Votação : Unanimidade
- Relator : Dr. Chan Kuong Seng
- Juizes adjuntos : Dra. Tam Hio Wa
- Dr. Choi Mou Pan
- Votação : Vencido o relator
- Relator : Dr. Tong Hio Fong
- Juizes adjuntos : Dr. Lai Kin Hong
- Dr. Fong Man Chong
- Observações :Por força do resultado da votação, este acórdão é relatado pelo 1º juiz adjunto Dr. Lai Kin Hong
Crime de “homicídio por negligência”.
Crime de “condução perigosa de veículo rodoviário”.
Concurso de crimes.
Pena.
1. Os crimes de “homicídio por negligência” cometido no exercício da condução e o de “condução perigosa de veículo rodoviário” estão numa relação de “concurso aparente”.
2. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art. 65°, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.
3. A “sinistralidade rodoviária”, ainda que devida à (mera) negligência dos utentes da via pública, tem vindo a adquirir proporções (extremamente) preocupantes, e em face das suas consequências, muitas vezes, duradouras, permanentes, trágicas e até mortais, (como é o caso dos autos), muito fortes são as necessidades de prevenção (geral) deste tipo de ilícito, o que, (e, especialmente, em casos de “culpa grosseira” de um dos intervenientes), reclama (alguma) “dureza na reacção penal”.
4. Com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, devendo esta ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis.
– insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
– art.o 400.o, n.o 2, alínea a), do Código de Processo Penal
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
– acidente de viação
– queda da passageira dentro do autocarro por desequilíbrio corporal
– fractura óssea por causa da queda
– comprovação do momento da fractura óssea
– art.o 58.o, n.o 3, da Lei do Trânsito Rodoviário
– retomar a marcha do autocarro
– tomar precauções necessárias para evitar qualquer acidente
– acto de fazer fechar bem a porta do autocarro
– passageira com idade avançada
– bom pai de família
– advertência verbal da manobra de condução
– culpa do condutor
– art.o 477.o, n.o 1, do Código Civil
– indemnização autónoma da invalidez parcial corporal
– incapacidade permanente parcial
1. Como do teor da fundamentação fáctica do acórdão recorrido resulta nítido que o tribunal sentenciador já investigou sobre todo o tema probando dos autos sem qualquer lacuna ou omissão, nunca pode ter ocorrido o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada referido no art.o 400.o, n.o 2, alínea a), do Código de Processo Penal.
2. Há erro notório na apreciação da prova como vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis.
3. No caso, no tocante à comprovação da fractura óssea sofrida pela ofendida já no próprio dia do acidente de viação por causa desse acidente, é de atender, desde já, a que a livre convicção do tribunal recorrido nessa parte se fundou na análise global e crítica de todos os elementos probatórios dos autos.
4. Assim, tudo conjugado e apreciado criticamente, não se pode censurar ao tribunal recorrido a decisão, aliás razoável, de dar por provado que a ofendida sofreu fractura óssea no próprio dia do acidente, dentro do autocarro dos autos, por causa da queda dela no chão desse autocarro. O facto de não ter havido qualquer documento médico ou policial a referir que a ofendida já tinha fractura óssea no dia do acidente por causa da queda dela dentro do autocarro não obsta à formação da livre convicção por parte do tribunal recorrido na indagação do momento de ocorrência da fractura óssea no corpo da ofendida.
5. Segundo o disposto no art.o 58.o, n.o 3, da Lei do Trânsito Rodoviário, ao retomar a marcha, o condutor de veículos de transporte colectivo de passageiros deve assinalar devidamente a manobra e tomar as precauções necessárias para evitar qualquer acidente.
6. O acto do condutor de fazer fechar bem a porta do veículo de transporte colectivo por ele conduzido após a tomada de passageiros não equivale ao acto de assinalar devidamente a manobra de retomar a marcha do veículo. Retomar a marcha do autocarro sem fazer fechar bem toda a porta do autocarro é indubitavelmente um acto de condução perigosa, e mesmo que a porta do autocarro estivesse bem fechada, a manobra de retomar a marcha do autocarro também poderia ser realizada de forma não prudente. Por isso, o facto de a porta do autocarro estar bem fechada não é decisivo para aferir o cumprimento, ou não, pelo condutor do autocarro, daquela norma da Lei do Trânsito Rodoviário.
7. No caso dos autos, perante uma passageira com idade avançada a dirigir-se a um assento dentro do autocarro, deveria o condutor demandado, aos ditames do bom pai de família, tomar precaução em relação a ela antes de retomar a marcha do autocarro, para evitar qualquer acidente, precaução que poderia ser feita, por exemplo, através da advertência verbal, da preparação da iniciação da manobra de retomar a marcha do veículo, para a passageira em causa poder estar prevenida dessa manobra.
8. O facto de não estar provado que o condutor demandado tenha retomado de modo súbito a marcha do autocarro não releva para afastar a conclusão acima tirada, pois as regras da experiência da vida ensinam que mesmo que a marcha do autocarro não fosse retomada de forma súbita, as passageiras idosas, por efeito da manobra de novo arranque do autocarro, também perderiam facilmente o equilíbrio corporal se não estivessem sentadas.
9. Como da matéria de facto provada, não resulta revelado que a ofendida tenha procedido com descuido ao dirigir-se ao assento oferecido por outrem a ela, o condutor demandado foi, pois, o único culpado pela produção do acidente dos autos: caiu a ofendida no chão do autocarro por desequilíbrio corporal dela, desequilíbrio esse que se deu porque o condutor demandado não observou cabalmente a regra do n.o 3 do art.o 58.o da Lei do Trânsito Rodoviário, e daí, por essa causalidade adequada, a culpa exclusiva do condutor demandado pela produção do acidente – cfr. Mormente o art.o 477.o, n.o 1, do Código Civil.
10. A invalidez parcial corporal da ofendida demandante, decorrente da sua taxa de incapacidade permanente parcial (IPP) fixada médico-pericialmente, é susceptível de indemnização autónoma, enquanto as dores e incómodos sofridos por ela por causa da IPP já devem ser objecto de indemnização através de um montante atribuído a título de indemnização por danos não patrimoniais.
