Tribunal de Segunda Instância
- Votação : Com declaração de voto vencido
- Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
- Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
- Dra. Tam Hio Wa
- Votação : Unanimidade
- Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
- Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
- Dra. Tam Hio Wa
- Votação : Com declaração de voto vencido
- Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
- Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
- Dra. Tam Hio Wa
- Votação : Unanimidade
- Relator : Dr. Chan Kuong Seng
- Juizes adjuntos : Dra. Tam Hio Wa
- Dr. José Maria Dias Azedo
- Votação : Unanimidade
- Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
- Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
- Dra. Tam Hio Wa
Acidente de viação.
Crime de “ofensa à integridade física por negligência”.
Pedido civil.
Erro notório na apreciação da prova.
Responsabilidade pelo risco.
1. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. Artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. Artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.
Há pois que ter em conta que não basta uma mera dúvida ou probabilidade para se afirmar que incorreu o Tribunal em “erro notório na apreciação da prova”
2. No domínio da responsabilidade civil extracontratual, a formação da obrigação de indemnizar pressupõe, em princípio, a existência de um facto voluntário ilícito - isto é, controlável pela vontade do agente e que infrinja algum preceito legal, um direito ou interesse de outrem legalmente protegido - censurável àquele do ponto de vista ético-jurídico - ou seja, que lhe seja imputável a título de dolo ou culpa - de um dano ou prejuízo reparável, e, ainda, de um nexo de causalidade adequada entre este dano e aquele facto.
E embora predomine a “responsabilidade subjectiva”, baseada na culpa, sancionam-se também situações excepcionais de “responsabilidade objectiva ou pelo risco”, isto é, situações independentes de qualquer dolo ou culpa da pessoa obrigada à reparação, entre as quais se situa a responsabilidade pelos danos causados por veículos de circulação terrestre (cfr., art°477°, n°2, 496° a 501° do C.C.M.).
A responsabilidade objectiva ou pelo risco pressupõe todos os requisitos da responsabilidade por factos ilícitos, com excepção da culpa e da ilicitude, ou seja, pressupõe o facto danoso e o nexo causal entre o facto e o dano.
Exige-se (também) assim uma conexão ou nexo causal entre o dano e os riscos específicos do veículo.
No domínio da responsabilidade objectiva, a causalidade resulta de a origem dos danos se localizar na zona de risco normativamente definida.
O círculo dos danos indemnizatórios é definido pelos perigos específicos inerentes ao veículo enquanto máquina usada com determinadas finalidades, mas que compreende, ainda, contingências relacionadas com o seu condutor.
Em síntese, para que os danos possam ser atribuídos ao lesante, (em termos de responsabilidade objectiva), é necessário que aqueles ocorram intercedendo com determinadas relações funcionais com o condutor ou que provenham dos riscos próprios do veículo.
3. Provado não estando o“nexo de causalidade” entre a circulação do veículo conduzido pelo arguido e a queda do motociclo de onde advieram as lesões para os demandantes, que nele circulavam, afastada está (também) qualquer “responsabilidade pelo risco”.
Crime de “falsificação de documentos”.
Separação de processos.
Contradição insanável da fundamentação.
Reenvio.
1. Não merece censura a decisão de separação de processos em relação a um co-arguido dos autos, se, os motivos de tal decisão for o atraso processual, já que os autos levaram vários anos a chegar à fase de julgamento, com sucessivos adiamentos da data designada para tal, em consequência da repetida falta à audiência por parte da recorrente.
Impõe-se impedir que em virtude de sucessivos adiamentos provocados por um arguido, se atrase, de forma pouco razoável e excessivamente, o julgamento de um outro.
2. O vício de contradição insanável de fundamentação só ocorre “quando constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”.
3. Existe contradição se em decisão da matéria de facto se der como provado que o ora recorrente e uma outra co-arguida “fabricaram” uma procuração, na qual, esta e o ofendido, que não teve intervenção em tal acto, lhe atribuíam poderes para administrar e vender imóveis, e como “não provado” que o (mesmo) recorrente “fabricou uma procuração falsa, sabendo que a assinatura do ofendido não tinha sido feita pelo próprio.
Crime de “burla”.
Correcção de acta de julgamento.
Legitimidade do Ministério Público.
Prazo para a queixa.
Crime continuado.
1. O Tribunal pode rectificar a acta em caso de desconformidade entre o teor do ditado e o ocorrido.
2. O prazo para a queixa apenas começa a contar da data em que o titular “tiver tido conhecimento do facto” (e dos seus autores), isto é, a partir do momento em que os ofendidos tomem conhecimento que foram enganados e que eram, ou tinham sido, “vítimas” do crime de burla, (e não, a partir da sua prática).
3. A construção do crime de “burla” supõe a concorrência de vários elementos típicos: (1) o uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado; (2) a fim de determinar outrem à prática de actos que lhe causam, ou a terceiro, prejuízo patrimonial – (elementos objectivos) – e, por fim, (3) a intenção do agente de obter para si ou terceiro um enriquecimento ilegítimo (elemento subjectivo).
Impõe-se, assim, num primeiro momento, a verificação de uma conduta (intencional) astuciosa que induza directamente em erro ou engano o lesado, e, num segundo momento, a verificação de um enriquecimento ilegítimo de que resulte prejuízo patrimonial do sujeito passivo ou de terceiro.
O crime de burla é um crime de dano, que se consuma quando existe um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo, mas também de resultado, pois apenas se consuma com a saída do valor da esfera patrimonial do sujeito passivo, consubstanciada num prejuízo efectivo.
4. A realização plúrima do mesmo tipo de crime pode constituir: a) um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial; b) um só crime, na forma continuada, se toda a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas este estiver interligado por factores externos que arrastam o agente para a reiteração das condutas; c) um concurso de infracções, se não se verificar qualquer dos casos anteriores.
5. O conceito de crime continuado é definido como a realização plúrima do mesmo tipo ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”, e que, a não verificação de um dos pressupostos da figura do crime continuado impõe o seu afastamento, fazendo reverter a figura da acumulação real ou material.
6. A diminuição sensível da culpa só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete sem que o agente tenha contribuído para essa repetição. Isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele activamente a provoca. No caso de o agente provocar a repetição da ocasião criminosa não há diminuição sensível da culpa. Ao invés, a culpa pode até ser mais grave por revelar firmeza e persistência do propósito criminoso.
A experiência e as leis da psicologia ensinam-nos que, em regra, se entre diversos actos medeia um largo espaço de tempo, a resolução que porventura inicialmente os abrangia a todos se esgota no intervalo da execução, de tal sorte que os últimos não são já a sua mera descarga, mas supõem um novo processo deliberativo. Daqui resulta então que se deve considerar existente uma pluralidade de resoluções sempre que se não verifique, entre as actividades do agente, uma conexão no tempo tal que, de harmonia com a experiência normal de vida e as leis psicológicas conhecidas, se possa e deva aceitar que ele as executou a todas sem ter de renovar o respectivo processo de motivação.
7. Ainda que tenha a ora recorrente engendrado um plano para conseguir apropriar-se de quantias monetárias, há que ter em conta que a ulterior acção concreta da mesma sobre as vítimas, convencendo-as da sua capacidade de lhes arranjar emprego, torna evidente a autonomia de cada uma das específicas actuações da arguida face a cada uma das suas vítimas, traduzindo-se, em autónomas resoluções criminosas.
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 114.o do Código de Processo Penal
– tráfico de droga
– medida da pena
1. Não há erro notório na apreciação da prova, quando após considerados em global e de modo crítico todos os elementos dos autos e referidos na fundamentação probatória do acórdão recorrido, não se afigura patente ao tribunal ad quem que o tribunal colectivo a quo, ao ter julgado como provada a factualidade descrita nesse aresto, tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou qualquer norma legal sobre o valor da prova, ou quaisquer legis artis vigentes em matéria de julgamento da matéria de facto.
2. Não pode, pois, a arguida vir aproveitar o mecanismo de recurso para sindicar gratuitamente a livre convicção a que chegou criteriosamente aquele tribunal nos termos do art.o 114.o do Código de Processo Penal.
3. São elevadas as exigências de prevenção geral do crime de tráfico de droga, especialmente quando cometido por pessoa vinda do exterior de Macau, pelo que sob os padrões vertidos nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o do Código Penal, já não há mais margem para a redução da pena pretendida pela arguida, a despeito de ela não ter antecedentes criminais em Macau e de o valor pecuniário por ela visado como recompensa da prática do crime não ser elevado.
Crime de “ofensa à integridade física”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Pena.
1. O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo.
2. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.
