Acórdãos

Tribunal de Segunda Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 11/01/2007 623/2006 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      – Direito do Trabalho
      – trabalho subordinado por conta alheia
      – casino
      – Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L.
      – salário mensal
      – gorjetas
      – Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto
      – Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril
      – indemnização pelo trabalho em dias de descanso semanal
      – indemnização pelo trabalho em dias de descanso annual
      – indemnização pelo trabalho em feriados obrigatórios
      – fórmulas de cálculo

      Sumário

      1. O objecto do Direito do Trabalho é apenas o trabalho por conta alheia, no sentido de que a utilidade patrimonial do trabalho é atribuída a pessoa distinta do trabalhador, ou seja, ao empregador, que a adquire a título originário. Os bens ou serviços produzidos pelo trabalhador ao abrigo do contrato de trabalho por conta alheia não são do trabalhador, mas sim do empregador, que, por sua vez, compensa o trabalhador com uma parte da utilidade patrimonial que obteve com o trabalho deste – o salário.
      2. Apesar de o trabalhador poder ter sido chamado pelo seu empregador a trabalhar, ou até ter trabalhado voluntariamente, em dias destinados a descansos semanal e/ou annual e/ou até em feriados obrigatórios, tal não implica que o trabalho assim prestado não precise de ser compensado nos termos legalmente devidos.
      3. Aliás, é para proteger o trabalhador contra eventual necessidade, ditada pelo seu empregador, de prestação de trabalho em dias de descansos semanal e/ou annual e/ou de feriados obrigatórios que a lei laboral de Macau tem procurado estipular regras de compensação ou pagamento desse tipo de trabalho, mesmo que prestado de modo voluntário (cfr. Os art.ºs 17.º, n.º 4, 18.º e 21.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, e os art.ºs 17.º, n.ºs 4 e 6, 18.º, 20.º e 24.º, do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, sucessor daquele).
      4. Com isso, fica realmente destituído de sentido prático fazer discutir a admissibilidade de limitação voluntária ou de renúncia dos ditos direitos do trabalhador: é que mesmo que o trabalhador se disponibilize a não gozar os dias de descanso semanal e/ou annual e/ou feriados obrigatórios a fim de trabalhar voluntariamente para o seu empregador, a lei laboral sempre o protegerá da situação de prestação de trabalho nesses dias, desde que o trabalhador o reclame.
      5. Daí se pode retirar a asserção de que qualquer eventual limitação voluntária ou renúncia voluntária desses direitos por parte do trabalhador é retractável, sob a égide das mencionadas normas cogentes consagradas nesta matéria na lei laboral, o que se justifica pela necessidade de proteger o trabalhador contra a sua compreensível inibição psicológica em discutir frontalmente com o seu empregador aquando da plena vigência da relação contratual de trabalho, sobre o exercício desses seus direitos laborais, caso este não seja cumpridor voluntário nem rigoroso da lei laboral em prol dos interesses daquele.
      6. O salário da Autora como trabalhadora da Ré Sociedade de Turismo de Diversões de Macau, S.A.R.L., sendo composto por uma parte quantitativa fixa de valor reduzido, e por um outra remanescente, de quantia variável consoante o montante de gorjetas dadas pelos clientes dos casinos da mesma sociedade exploradora de jogos a seus trabalhadores, e depois distribuídas em cada período de dez dias por esta aos seus trabalhadores de acordo com a respectiva categoria profissional, está em quantum materialmente variável, devido exclusivamente a essa forma do seu cálculo, e já não também em função do resultado de trabalho efectivamente produzido, nem, tão-pouco, do período de trabalho efectivamente prestado.
      7. Por isso, a quota-parte de gorjetas a ser distribuída à Autora integra precisamente o seu salário, pois caso contrário, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta dessa sociedade por anos seguidos como trabalhador dos casinos da Ré, sabendo, entretanto, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido.
      8. Deste modo, o salário da Autora não é salário diário nem fixado em função do período de trabalho efectivamente prestado, mas sim salário mensal, por ser este a situação-regra, por normal, vista mesmo sob a égide de presunções judiciais com recurso a regras da experiência da vida humana.
      9. Antes da entrada em vigor, no dia 1 de Setembro de 1984, da primeira lei reguladora das Relações de Trabalho em Macau, ou seja, do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, toda a relação de trabalho em Macau tinha que ser regida pelo próprio convencionado entre as duas partes empregadora e trabalhadora.
      10. E desde o dia 1 de Setembro de 1984 até 2 de Abril de 1989 inclusive, já vigoravam, salvo o tratamento mais favorável para a parte trabalhadora resultante de outro regime, os condicionalismos mínimos legais garantísticos a observar em Macau nomeadamente nas relações de trabalho remunerado por conta alheia, pela primeira vez traçados sob a forma de lei nesse Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto.
      11. E a partir do dia 3 de Abril de 1989, tem vigorado o regime consagrado no Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, revogatório daquele primeiro diploma, com a nuance de que os seus art.ºs 17.º (apenas no seu n.º 6) e 26.º (excepto o seu n.º 1) passaram a ter a redacção dada pelo artigo único do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, vocacionado a afastar as dúvidas até então surgidas quanto ao regime de descanso semanal no caso de trabalhadores que auferem salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado.
      12. O n.º 1 do art.º 26.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M visa tão-só proteger o trabalhador contra eventual redução do seu salário mensal por parte do seu empregador sob pretexto de não prestação de trabalho nos períodos de descanso semanal e annual e dos feriados obrigatórios, e, por isso, já não se destina a determinar o desconto do valor da remuneração normal na compensação/indemnização pecuniária a pagar ao trabalhador no caso de prestação de trabalho em algum desses dias.
      13. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dia de descanso semanal no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, que entrou imediatamente em vigor, por força do seu art.º 57.º, no próprio dia da sua publicação (3 de Abril de 1989), com intuito legislativo nítido de favorecer quanto antes a classe trabalhadora, pois este novo diploma lhe confere mais direitos laborais do que os já garantidos no anterior Decreto-Lei n.º 101/84/M, a fórmula é o “dobro da retribuição normal”. Isto é, e matematicamente falando, 2 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho em consideração x número de dias de descanso semanal por ano, não gozados.
      14. O primeiro dia de descanso semanal a que o trabalhador tinha direito deveria ser depois do primeiro período de seis dias de trabalho sob a vigência imediata do Decreto-Lei n.° 24/89/M em 3 de Abril de 1989, pois o descanso só se justifica depois de cada período de trabalho de seis dias, tal como o que se pode retirar da letra do n.º 1 do art.º 17.º deste diploma, sendo de defender que a entidade patronal não pode fazer variar o dia de repouso semanal, tornando incerto o dia destinado a esse fim.
      15. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso annual sob a vigência do Decreto-Lei n.º 101/84/M a partir do dia 1 de Setembro de 1984 (sendo claro que o direito a descanso annual em cada ano civil só se vence naturalmente depois de decorrido o ano civil a que esse direito annual se reporta), a fórmula é (art.ºs 24.º, n.º 2, e 23.º – eram seis dias, logicamente úteis, de descanso annual) o “salário correspondente a esse período”. Isto é, 1 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho em consideração x número de dias de descanso annual vencidos mas não gozados.
      16. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso annual no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, a fórmula é (art.ºs 24.º e 21.º) o “triplo da retribuição normal”, se houver prova do impedimento pelo empregador do gozo desses dias, como pressupõe expressamente a letra do art.° 24.°. Isto é, 3 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho em consideração x número de dias de descanso annual vencidos mas não gozados. Pois, caso contrário, já haverá que aplicar analogicamente a fórmula do “dobro da retribuição normal” à situação objectiva de prestação de trabalho nos dias de descanso annual, I.e., sem qualquer impedimento por acção da entidade patronal do exercício do direito do gozo desse descanso, sob pena de flagrante injustiça relativa em confronto com a compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.
      17. Sob a égide do Decreto-Lei n.º 24/89/M, são seis dias de feriados obrigatórios “remunerados” por ano, sendo certo que a Lei n.º 8/2000, de 8 de Maio, que mantém igualmente em dez dias os feriados obrigatórios, deixa intocados esses mesmos seis dias de feriados obrigatórios “remunerados”, quais sejam, o Primeiro de Janeiro, os Três Dias do Ano Novo Chinês, o Primeiro de Maio e o Primeiro de Outubro.
      18. E para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado pela Autora à Ré em feriados obrigatórios “remumerados” sob a vigência do Decreto-Lei n.º 24/89/M, a fórmula é o “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal”, para além naturalmente da retribuição a que tem direito, caso tenha que trabalhar nesses feriados, a despeito da regra da dispensa obrigatória de prestação de trabalho (art.ºs 20.º, n.º 1, e 19.º, n.ºs 2 e 3), o que, à falta de outra fórmula remuneratória convencionada mais favorável à parte trabalhadora, equivale, materialmente, ao “triplo da retribuição normal”, que se justifica, aliás, pelo especial significado desses dias que os tornou eleitos pelo próprio legislador como sendo feriados obrigatórios “remunerados”.
      19. Entretanto, no âmbito do mesmo Decreto-Lei n.º 24/89/M, a Autora não pode reclamar a indemnização pelo trabalho prestado nos quatro dias de feriados obrigatórios “não remunerados”, uma vez que o n.º 2 do art.º 20.º deste diploma só prevê a indemnização do trabalho em feriados obrigatórios “não remunerados” prestado ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo, e já não também na situação da alínea c) do mesmo n.º 1.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 11/01/2007 622/2006 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      – sentença absolutória contravencional por insuficiência da prova
      – art.º 579.º, n.º 1, do Código de Processo Civil de Macau
      – Direito do Trabalho
      – trabalho subordinado por conta alheia
      – casino
      – Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L.
      – salário mensal
      – gorjetas
      – Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto
      – Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril
      – indemnização pelo trabalho em dias de descanso semanal
      – indemnização pelo trabalho em dias de descanso annual
      – indemnização pelo trabalho em feriados obrigatórios
      – feriados obrigatórios “não remunerados”
      – danos não patrimoniais
      – termo inicial para contagem de juros legais
      – art.º 794.º, n.º 4, do Código Civil de Macau
      – critério de efectiva liquidez da obrigação indemnizatória
      – créditos ilíquidos
      – liquidação na decisão a quo

      Sumário

      1. A decisão judicial já transitada em julgado, proferida num processo contravencional na parte que absolveu a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L., das inicialmente imputadas transgressões ao art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, contra vários trabalhadores ofendidos aí em questão, incluindo a ora Autora, apenas com fundamento na insuficiência da prova, nem constitui sequer, na presente acção de natureza civil, simples presunção legal ilidível de inexistência de factos constitutivos dessas infracções acusadas, pela simples razão de que a ora Ré não foi aí absolvida por provada inocência dela com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, daí a inaplicabilidade da estatuição do n.º 1 do art.º 579.º do Código de Processo Civil de Macau, não obstante o disposto no art.º 380.º do Código de Processo Penal de Macau, pelo que a Primeira Instância pôde decidir da presente causa cível de modo autónomo.
      2. O objecto do Direito do Trabalho é apenas o trabalho por conta alheia, no sentido de que a utilidade patrimonial do trabalho é atribuída a pessoa distinta do trabalhador, ou seja, ao empregador, que a adquire a título originário. Os bens ou serviços produzidos pelo trabalhador ao abrigo do contrato de trabalho por conta alheia não são do trabalhador, mas sim do empregador, que, por sua vez, compensa o trabalhador com uma parte da utilidade patrimonial que obteve com o trabalho deste – o salário.
      3. Apesar de o trabalhador poder ter sido chamado pelo seu empregador a trabalhar, ou até ter trabalhado voluntariamente, em dias destinados a descansos semanal e/ou annual e/ou até em feriados obrigatórios, tal não implica que o trabalho assim prestado não precise de ser compensado nos termos legalmente devidos.
      4. Aliás, é para proteger o trabalhador contra eventual necessidade, ditada pelo seu empregador, de prestação de trabalho em dias de descansos semanal e/ou annual e/ou de feriados obrigatórios que a lei laboral de Macau tem procurado estipular regras de compensação ou pagamento desse tipo de trabalho, mesmo que prestado de modo voluntário (cfr. Os art.ºs 17.º, n.º 4, 18.º e 21.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, e os art.ºs 17.º, n.ºs 4 e 6, 18.º, 20.º e 24.º, do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, sucessor daquele).
      5. Com isso, fica realmente destituído de sentido prático fazer discutir a admissibilidade de limitação voluntária ou de renúncia dos ditos direitos do trabalhador: é que mesmo que o trabalhador se disponibilize a não gozar os dias de descanso semanal e/ou annual e/ou feriados obrigatórios a fim de trabalhar voluntariamente para o seu empregador, a lei laboral sempre o protegerá da situação de prestação de trabalho nesses dias, desde que o trabalhador o reclame.
      6. Daí se pode retirar a asserção de que qualquer eventual limitação voluntária ou renúncia voluntária desses direitos por parte do trabalhador é retractável, sob a égide das mencionadas normas cogentes consagradas nesta matéria na lei laboral, o que se justifica pela necessidade de proteger o trabalhador contra a sua compreensível inibição psicológica em discutir frontalmente com o seu empregador aquando da plena vigência da relação contratual de trabalho, sobre o exercício desses seus direitos laborais, caso este não seja cumpridor voluntário nem rigoroso da lei laboral em prol dos interesses daquele.
      7. O salário da Autora como trabalhadora da Ré Sociedade de Turismo de Diversões de Macau, S.A.R.L., sendo composto por uma parte quantitativa fixa de valor reduzido, e por um outra remanescente, de quantia variável consoante o montante de gorjetas dadas pelos clientes dos casinos da mesma sociedade exploradora de jogos a seus trabalhadores, e depois distribuídas em cada período de dez dias por esta aos seus trabalhadores de acordo com a respectiva categoria profissional, está em quantum materialmente variável, devido exclusivamente a essa forma do seu cálculo, e já não também em função do resultado de trabalho efectivamente produzido, nem, tão-pouco, do período de trabalho efectivamente prestado.
      8. Por isso, a quota-parte de gorjetas a ser distribuída à Autora integra precisamente o seu salário, pois caso contrário, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta dessa sociedade por anos seguidos como trabalhador dos casinos da Ré, sabendo, entretanto, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido.
      9. Deste modo, o salário da Autora não é salário diário nem fixado em função do período de trabalho efectivamente prestado, mas sim salário mensal, por ser este a situação-regra, por normal, vista mesmo sob a égide de presunções judiciais com recurso a regras da experiência da vida humana.
      10. Antes da entrada em vigor, no dia 1 de Setembro de 1984, da primeira lei reguladora das Relações de Trabalho em Macau, ou seja, do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, toda a relação de trabalho em Macau tinha que ser regida pelo próprio convencionado entre as duas partes empregadora e trabalhadora.
      11. E desde o dia 1 de Setembro de 1984 até 2 de Abril de 1989 inclusive, já vigoravam, salvo o tratamento mais favorável para a parte trabalhadora resultante de outro regime, os condicionalismos mínimos legais garantísticos a observar em Macau nomeadamente nas relações de trabalho remunerado por conta alheia, pela primeira vez traçados sob a forma de lei nesse Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto.
      12. E a partir do dia 3 de Abril de 1989, tem vigorado o regime consagrado no Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, revogatório daquele primeiro diploma, com a nuance de que os seus art.ºs 17.º (apenas no seu n.º 6) e 26.º (excepto o seu n.º 1) passaram a ter a redacção dada pelo artigo único do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, vocacionado a afastar as dúvidas até então surgidas quanto ao regime de descanso semanal no caso de trabalhadores que auferem salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado.
      13. O n.º 1 do art.º 26.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M visa tão-só proteger o trabalhador contra eventual redução do seu salário mensal por parte do seu empregador sob pretexto de não prestação de trabalho nos períodos de descanso semanal e annual e dos feriados obrigatórios, e, por isso, já não se destina a determinar o desconto do valor da remuneração normal na compensação/indemnização pecuniária a pagar ao trabalhador no caso de prestação de trabalho em algum desses dias.
      14. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dia de descanso semanal no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, que entrou imediatamente em vigor, por força do seu art.º 57.º, no próprio dia da sua publicação (3 de Abril de 1989), com intuito legislativo nítido de favorecer quanto antes a classe trabalhadora, pois este novo diploma lhe confere mais direitos laborais do que os já garantidos no anterior Decreto-Lei n.º 101/84/M, a fórmula é o “dobro da retribuição normal”. Isto é, e matematicamente falando, 2 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho em consideração x número de dias de descanso semanal por ano, não gozados.
      15. O primeiro dia de descanso semanal a que o trabalhador tinha direito deveria ser depois do primeiro período de seis dias de trabalho sob a vigência imediata do Decreto-Lei n.° 24/89/M em 3 de Abril de 1989, pois o descanso só se justifica depois de cada período de trabalho de seis dias, tal como o que se pode retirar da letra do n.º 1 do art.º 17.º deste diploma, sendo de defender que a entidade patronal não pode fazer variar o dia de repouso semanal, tornando incerto o dia destinado a esse fim.
      16. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso annual sob a vigência do Decreto-Lei n.º 101/84/M a partir do dia 1 de Setembro de 1984 (sendo claro que o direito a descanso annual em cada ano civil só se vence naturalmente depois de decorrido o ano civil a que esse direito annual se reporta), a fórmula é (art.ºs 24.º, n.º 2, e 23.º – eram seis dias, logicamente úteis, de descanso annual) o “salário correspondente a esse período”. Isto é, 1 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho em consideração x número de dias de descanso annual vencidos mas não gozados.
      17. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso annual no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, a fórmula é (art.ºs 24.º e 21.º) o “triplo da retribuição normal”, se houver prova do impedimento pelo empregador do gozo desses dias, como pressupõe expressamente a letra do art.° 24.°. Isto é, 3 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho em consideração x número de dias de descanso annual vencidos mas não gozados. Pois, caso contrário, já haverá que aplicar analogicamente a fórmula do “dobro da retribuição normal” à situação objectiva de prestação de trabalho nos dias de descanso annual, I.e., sem qualquer impedimento por acção da entidade patronal do exercício do direito do gozo desse descanso, sob pena de flagrante injustiça relativa em confronto com a compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.
      18. Sob a égide do Decreto-Lei n.º 24/89/M, são seis dias de feriados obrigatórios “remunerados” por ano, sendo certo que a Lei n.º 8/2000, de 8 de Maio, que mantém igualmente em dez dias os feriados obrigatórios, deixa intocados esses mesmos seis dias de feriados obrigatórios “remunerados”, quais sejam, o Primeiro de Janeiro, os Três Dias do Ano Novo Chinês, o Primeiro de Maio e o Primeiro de Outubro.
      19. E para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado pela Autora à Ré em feriados obrigatórios “remumerados” sob a vigência do Decreto-Lei n.º 24/89/M, a fórmula é o “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal”, para além naturalmente da retribuição a que tem direito, caso tenha que trabalhar nesses feriados, a despeito da regra da dispensa obrigatória de prestação de trabalho (art.ºs 20.º, n.º 1, e 19.º, n.ºs 2 e 3), o que, à falta de outra fórmula remuneratória convencionada mais favorável à parte trabalhadora, equivale, materialmente, ao “triplo da retribuição normal”, que se justifica, aliás, pelo especial significado desses dias que os tornou eleitos pelo próprio legislador como sendo feriados obrigatórios “remunerados”.
      20. Entretanto, no âmbito do mesmo Decreto-Lei n.º 24/89/M, a Autora não pode reclamar a indemnização pelo trabalho prestado nos quatro dias de feriados obrigatórios “não remunerados”, uma vez que o n.º 2 do art.º 20.º deste diploma só prevê a indemnização do trabalho em feriados obrigatórios “não remunerados” prestado ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo, e já não também na situação da alínea c) do mesmo n.º 1.
      21. O sacrifício da Autora como trabalhadora da Ré, traduzido no facto de ela, por causa da sua situação profissional, ter estado cansada e com pouco tempo para passar tempo de lazer com a sua família ou para ir passear, já ficou compensado pecuniariamente pelo alto nível remuneratório que possuiu enquanto trabalhadora daquela sociedade exploradora de jogos, pelo que não pode servir de fundamento para reclamar a reparação dos danos não patrimoniais alegadamente sofridos por causa desse sofrimento.
      22. Sendo considerados ilíquidos os créditos indemnizatórios pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e annual e feriados obrigatórios “remunerados” em questão na presente acção cível laboral, os juros legais da respectiva soma indemnizatória só serão calculados a partir do trânsito em julgado da decisão judicial que a fixa definitivamente em sede de recurso (por força maxime do n.º 4 do art.º 794.º do Código Civil de Macau), a não ser que a indemnização já liquidada pela primeira vez em termos rigorosos pelo tribunal a quo não venha a sofrer de nenhuma alteração, hipótese em que os correspondentes juros legais já se contarão desde a data da decisão a quo.
      23. Na verdade, no tangente à questão de apuramento do termo inicial da contagem de juros de mora, o art.º 794.º, n.° 4, do actual Código Civil de Macau determina que mesmo que a obrigação em causa provenha de facto ilícito, nunca há mora do devedor enquanto a mesma não se encontrar líquida, excepto quando a iliquidez for da culpa do devedor.
      24. Portanto, pode-se daí retirar que o direito civil substantivo presentemente positivado em Macau adopta, ao fim e ao cabo, e independentemente de qual o tipo de fonte da obrigação em causa (I.e., se é da fonte contratual, ou se da extracontratual), o critério geral e último de efectiva liquidez da obrigação prestanda para marcar o início legal da mora, a despeito de no plano do direito a constituir, se afigurar razoavelmente defensável, por se tratar de uma solução legal mais equilibrada para os interesses em jogo especialmente em caso de responsabilidade civil por facto ilícito ou pelo risco, a inclusão de uma ressalva no articulado daquele citado n.° 4 do art.° 794.° do Código Civil, no sentido de que “tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número”, a fim de precisamente fazer prevalecer a data de citação à data em que a obrigação se tornar líquida, se esta última for posterior à citação.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 11/01/2007 582/2006 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      – divórcio litigioso
      – separação de facto
      – art.° 1637.º, alínea a), do Código Civil de Macau
      – art.º 1638.º, n.º 1, do Código Civil de Macau
      – comunhão do leito
      – vida em comum do casal
      – separação afectiva

      Sumário

      1. O facto de ficar provado que a Autora e o Réu não mantêm quaisquer relações de intimidade há mais de quatro anos, não obstante os dois viverem no mesmo apartamento, equivale a dizer, aos olhos de todo o homem médio colocado na situação concreta do casal dos autos, que os dois deixaram de ter, há mais de quatro anos, “comunhão do leito” como uma das três facetas essenciais e caracterizadoras da vida do casal em comum, ao lado da “comunhão da mesa” e da “comunhão do tecto”.
      2. De facto, a ausência da “comunhão do leito” por parte de ambos os cônjuges por mais de dois anos consecutivos e a postura de qualquer um deles acabar por pedir o divórcio por via litigiosa (da qual se deduz necessária e congruentemente o seu propósito de não restabelecer a comunhão de vida), dão para preencher cabalmente o conceito de “separação de facto”, definido no n.º 1 do art.º 1638.º do Código Civil de Macau, para efeitos do divórcio litigioso com base no fundamento previsto na alínea a) do precedente art.º 1637.º.
      3. Por outras palavras, a “separação de facto por 2 anos consecutivos” de que o legislador fala na alínea a) do art.° 1637.°, tem naturalmente por subjacente a separação afectiva por 2 anos consecutivos, que faz com que o vínculo jurídico decorrente do casamento deixe de ter qualquer sentido prático, e, como tal, é suficiente para conduzir ao divórcio como “separação de direito”, caso alguma das partes conjugais peça divórcio litigioso como manifestação do seu propósito de não restabelecer a vida em comum hoc sensu, mormente a comunhão do leito.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 11/01/2007 530/2006 Recurso em processo penal
    •  
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Choi Mou Pan
      • Juizes adjuntos : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 11/01/2007 89/2006 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      - Acidente de viação
      - Julgamento de matéria de facto
      - Prova superveniente
      - Fixação de montante dos danos
      - Lucros cessantes
      - Danos não patrimoniais

      Sumário

      1. Só quando constar dos autos documento novo superveniente e, por si só, for suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou, o Tribunal de Segunda Instância pode alterar a decisão da matéria de facto do Tribunal de primeira instância, nos termos do artigo 629º nº 1 do Código de Processo Civil.
      2. Quando o Colectivo ponderou efectivamente o documento (mera fotocópia) constante dos autos, e assim deu como não provados os factos constantes destes quesitos, a junção do mesmo documento (mesmo com original) por si só não destruir a prova com base da qual foi formada a convicção do Colectivo.
      3. O Tribunal quando é chamado a responder aos quesitos, deve alhear-se completamente da questão que pela sentença terá de ser resolvida.
      4. Ao abrigo do princípio de “livre apreciação da prova”, consagrado no artigo 558º do Código de Processo Civil, o Tribunal só tem que responder os quesitos formulados em conformidade com as provas produzidas e examinadas em audiência.
      5. A aplicação da faculdade conferida pelo artigo 560º nº 6 do Código de Processo Civil não dispensa o lesado de alegar e provar os factos que revelem a existência de danos e permitam a sua avaliação segundo um juízo de equidade.
      6. Provado efectivamente a existência do dano pela perda dos salários a auferir se não fosse a ocorrência do acidente, cujo direito de indemnização é digno de protecção legal, mas não conseguiu apurar o exacto montante dos danos, para o Juiz Presidente, ao proferir a sentença, não deixa de ser legítimo fixar equitativamente o montante concreto dos danos, ao abrigo do disposto no artigo 560º nº 6 do Código Civil.
      7. O montante da indemnização pecuniária mede-se pela diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra e a situação (hipotética) em que se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano.
      8. A determinação do montante indemnizatório através da avaliação da situação real e da situação hipotética deverá reportar-se à data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal, a que a lei manda atender será, normalmente, a do encerramento da discussão na primeira instância, nos termos do artigo 566º nº 1 do Código de Processo Civil.
      9. Estando provado os danos no futuro, pode e deve fixar a indemnização pelos danos pela perda dos lucros cessantes até à obtenção da capacidade para trabalhar, e quando não for possível apurar o exacto montante, é de relegar para a execução da sentença, a liquidar o montante dos prejuízos, nos termos do artigo 558º do Código Civil.
      10. A indemnização pelos danos não patrimoniais visa compensar a dor sofrida proporcionando ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar na medida do possível, o sofrimento moral, a ser fixada não só a critério objectivo, como também a critério de equidade do Tribunal, sob a censura do Tribunal de recurso no limite do princípio de proporcialidade e de adequação.

       
      • Votação : Com declaração de voto
      • Relator : Dr. Choi Mou Pan
      • Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
      •   Dr. Lai Kin Hong