Acórdãos

Tribunal de Segunda Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 27/06/2002 22/2002 Recurso contencioso (Processo administrativo de que o TSI conhece em 1ª Instância)
    • Assunto

      Erro sobre os pressupostos de facto.
      Classificação de serviço.
      Justiça administrativa.
      Princípio da justiça.
      Princípio da imparcialidade.

      Sumário

      A) A classificação de serviço de um funcionário integra a discricionaridade imprópria, na modalidade de justiça administrativa.
      B) Só pode ser sindicada judicialmente nos aspectos vinculados (competência, forma ﹝como preterição de formalidade ou falta de fundamentação﹞e violação de lei ﹝por erro nos pressupostos de facto eleitos pelo órgão decisor ou por adopção de critérios manifestamente, desacertados, inadequados, discriminatórios ou por erro grosseiro ou manifesto﹞.
      C) Ao classificar um funcionário, o órgão dispõe de ampla liberdade de valoração dos elementos de que dispõe, embora com vinculação aos princípios da justiça e da proporcionalidade.
      D) O Tribunal pode averiguar se esses limites foram ultrapassados ou violados mas não substituir-se à Administração, valorando ou reponderando juizos que competem àquela.
      E) No Direito Público, onde o erro no acto administrativo não é sempre um vício de vontade mas na sua origem está uma falsa determinação psicológica do autor do acto, que é valorada juridicamente como causa de imperfeição de qualquer dos elementos do acto.
      F) O erro sobre os pressupostos de facto traduz uma situação de não coincidência entre a previsão legal e a situação de facto em que o acto se fundou.
      Ocorre quando o órgão dá como verificados factos que, na realidade, não ocorreram.
      G) É uma modalidade de violação de lei, sem embargo da sua autonomia no âmbito da actividade discricionária.
      H) O respectivo “onus probandi” é do arguente salvo se beneficiar de presunção que obrigue a entidade autora do acto à contraprova.
      Trata-se de um erro-vício, por se situar no momento de formação do vontade, classificação que se adopta para o contrapor ao erro-obstáculo, situado na formulação da mesma vontade.
      I) Se é certo que o erro sobre os pressupostos de facto é autonomizável da violação de lei nos actos praticados no exercício de um poder discricionário, só o é como “nomen juris” pois que esse vício só pode ocorrer nos momentos vinculados não deixando, por isso, de o considerar como tal, se se tratar de acto totalmente vinculado.
      J) O princípio da justiça é também o reflexo de uma postura ética na actuação administrativa.
      Há um imperativo moral a respeitar o que pressupõe a justiça, a imparcialidade, a isenção e a transparência.
      K) O princípio da justiça obriga a Administração a pautar a sua actividade por critérios de valor, com prevalência os direitos fundamentais.
      L) O princípio da imparcialidade significa que a Administração deve agir sempre por forma isenta na determinação da prevalência do interesse público, sendo equidistante perante todos os cidadãos, não privilegiando nem discriminando ninguém.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Sebastião José Coutinho Póvoas
      • Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 20/06/2002 242/2001 Recurso em processo penal
    • Assunto

      – Âmbito da decisão da causa
      – Não conhecimento oficioso dos vícios do art.º 400.º, n.º 2, do CPP
      – Inaplicabilidade do art.º 650.º do CPC ao processo penal
      – Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
      – Falta de realização de diligências de investigação quanto à acusação
      – Crime de tráfico de droga
      – Crime de perigo abstracto ou presumido
      – Tráfico de comprimidos com MDMA no interior
      – Art.º 9.º do DL n.º 5/91/M
      – Livre convicção do julgador quanto à “quantidade diminuta”
      – Nullum crimen nulla poena sine lege
      – Reserva da lei na delimitação dos comportamentos puníveis
      – Art.º 355.º, n.º 2, do CPP
      – Homem de confiança
      – Método proibido de prova
      – Alteração não substancial dos factos descritos na acusação
      – Medida da pena
      – Princípio da proibição de dupla valoração
      – Art.º 65.º, n.º 2, do CP
      – Princípio da proibição de reformatio in pejus
      – Guarda da PSP para efeitos da al. d) do art.º 10.º do DL n.º 5/91/M
      – Dever geral de disponibilidade do militarizado

      Sumário

      1. O tribunal ad quem só vai resolver as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso, transitando em julgado as questões nelas não contidas.
      2. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.
      3. Os três vícios previstos no n.º 2 do art.º 400.º do CPP, possibilitadores da reapreciação pelo tribunal ad quem da matéria de facto julgada pelo tribunal a quo, não são de conhecimento oficioso mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.
      4. Pois, a clara redacção do n.º 2 do art.º 400.º, conjugada com o disposto nos art.ºs 402.º, n.ºs 1 e 3, e 415.º, n.º 1, e o seu confronto com o art.º 393.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPP, apontam no sentido de os vícios em causa só poderem justificar o reenvio do processo (art.º 418.º, n.º 1, do CPP) quando sejam invocados “como fundamentos do recurso”; e isso estará em sintonia com a mens legislatoris, enquanto se atribui aos sujeitos processuais, como recorrentes, uma inequívoca co-responsabilidade no bom e rápido êxito final da causa, nomeadamente consentindo-se-lhes a limitação do recurso nos amplos termos do art.º 393.º do CPP e impondo-se-lhes apertadas regras na motivação, que, além do mais, terá de enunciar especificamente os fundamentos do recurso e formular conclusões de acordo com o art.º 402.º, n.ºs 1 e 2, do CPP.
      5. Assim, não é de invocar o disposto no n.º 3 do art.º 393.º do CPP em favor da tese de conhecimento oficioso dos vícios do n.º 2 do art.º 400.º do CPP, porque a restrição ali cominada aos limites do recurso pressupõe a “procedência” dele, enquanto o eventual conhecimento oficioso dos vícios previstos no art.º 400.º, n.º 2, com a subsequente determinação do reenvio do processo, implicará, necessariamente, que se não conheça do objecto do recurso. Como nem é decisiva a invocação do art.º 418.º, n.º 1, do CPP, uma vez que ele apenas visa esclarecer os efeitos dos vícios do n.º 2 do art.º 400.º do CPP, naturalmente quando destes se conheça por servirem de fundamento ao recurso nos termos do art.º 400.º, n.º 2, do CPP.
      6. É inaplicável, a título subsidiário, o art.º 650.º do Código de Processo Civil de Macau aos eventuais casos de verificação dos vícios previstos no n.º 2 do art.º 400.º do CPP, dada a auto-suficiência do processo penal nesta matéria relativa aos mesmos três vícios.
      7. Só há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando se verifica uma lacuna no apuramento desta matéria que impede a decisão de direito ou quando se puder concluir que sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada. Não tem, pois, a ver com a mera insuficiência de prova.
      8. O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, tal como os restantes dois vícios de contradição insanável da fundamentação e de erro notório na apreciação da prova, tem que decorrer da própria decisão recorrida, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, e há-de ser tão notoriamente evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores, isto é, que o homem médio facilmente dê conta dele.
      9. Não se verifica o vício de insuficiência da matéria de facto quando os invocados factos a provar não constam da acusação ou de pronúncia, se a tiver havido, nem foram alegados pela defesa nem decorreram da discussão da causa.
      10. Na verdade, a falta de realização de diligências de investigação quanto a acusação, a defesa ou a discussão da causa pelo tribunal a quo não pode conduzir à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, visto que essa insuficiência de realização de diligências resulta, não do texto da decisão recorrida, mas deveria ter sido detectada durante o julgamento, com requerimento ao tribunal para que tais diligências fossem realizadas.
      11. O bem jurídico que se procura proteger no tipo de crime de tráfico previsto nos seus termos fundamentais no art.º 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 5/91/M é, consabidamente, a saúde pública, na dupla vertente física e moral, isto independentemente da análise e interpretação a fazer à Lei n.º 6/96/M, de 15 de Julho, e ao art.º 269.º do Código Penal de Macau.
      12. Assim, o crime de tráfico de droga é um crime de perigo abstracto ou presumido, para cuja consumação não se exige a existência de um dano real e efectivo, mas sim basta a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem protegido.
      13. Por isso, no crime de tráfico de droga, atendendo ao fim que a lei penal quer dar protecção, está em causa não só a droga concretamente apreendida num determinado processo, mas também a quantidade de droga que durante uma determinada época foi traficada pelo agente.
      14. A moldura penal correspondente ao crime de tráfico do n.º 1 do art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro, é modificada no sentido de atenuação, se os actos aí referidos tiverem por objecto quantidades diminutas de substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a III, conforme a norma do n.º 1 do art.º 9.º do mesmo Decreto-Lei.
      15. O preceito do art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M não exige peremptoriamente, para a aplicação do seu n.º 3, a determinação da quantidade da substância ou preparado em causa em termos do peso líquido da substância pura ou da substância pura contida no preparado, para qualquer situação concreta que seja, dado que para os efeitos eventualmente a resultar do seu n.º 1, há que atender necessariamente às circunstâncias em que é consumida a droga considerada, daí, aliás, precisamente o espírito do disposto no seu n.º 5, ao abrigo do qual a concretização da quantidade diminuta para cada uma das substâncias e produtos mais correntes no tráfico para efeitos do disposto no mesmo art.º 9.º será apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
      16. Assim, como critério da aplicação do n.º 3 do art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M com relevância para a aplicabilidade do tipo privilegiado do crime de tráfico de quantidades diminutas, se a substância em causa for contida em comprimido, pílula ou até cápsula, ou for misturada aí com outras substâncias ou impurezas, só é de considerar o número dos comprimidos, pílulas ou cápsulas que contêm a substância em questão, sem necessidade do apuramento da quantidade líquida dela contida em cada um desses comprimidos, pílulas ou cápsulas.
      17. E a adopção deste critério para casos de substância contida ou misturada no interior de comprimido, pílula ou cápsula não conduz à violação do princípio da legalidade em matéria criminal na sua vertente de nullum crimen nulla poena sine lege, visto que é o espírito ínsito no próprio preceito do n.º 5 do art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M que permite formar um juízo de valor acerca da verificação ou não de quantidade diminuta, com base na livre convicção da entidade competente e segundo as regras da experiência, por um lado, e, por outro, é também a própria norma do n.º 3.º do mesmo art.º 9.º que remeta para a consideração da “quantidade total das substâncias ou preparados encontrados na disponibilidade do agente”, preceito este que sob a égide de uma interpretação necessariamente declarativa, compreende também a hipótese da consideração da “quantidade total dos preparados da substância em causa”, e já não a hipótese de consideração da “quantidade total apenas da substância em causa”, a resultar eventualmente de uma interpretação restritiva se não mesmo algo correctiva, não legitimada, da mesma norma.
      18. O conceito de preparado do n.º 3 do art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M pode abranger o produto resultante da preparação da substância através da sintetização ou de mistura da mesma com outras substâncias ou impurezas, quer este produto ou preparação seja de fabricação autorizada, quer seja de laboração clandestina.
      19. Ao aplicar, em especial, a norma do n.º 3 do art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, o foco não deve incidir sobre o termo “substâncias”, mas sim também sobre o termo “preparados” das substâncias em causa.
      20. Ao definir a “quantidade diminuta” para cada tipo de substância ou preparado em consideração, não se pode olhar demasiadamente à sua quantidade letal, mas sim mais propriamente à “quantidade que não excede o necessário para consumo individual durante três dias”, como diz expressamente a lei.
      21. Não se tendo provado quais as quantidades de droga consumidas pelo agente e se o fazia todos os dias, haverá que aferir as suas necessidades de consumo pelas da generalidade dos consumidores nas suas condições.
      22. Assim sendo, pode um arguido ser condenado, desde já, como autor material, na forma consumada, de um crime de tráfico do art.º 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 5/91/M, com base no facto comprovado de ter ele “traficado” durante uma dada época em causa 1,088 gramas líquidos de Canabis e pelo menos 29 comprimidos comprovadamente com MDMA no seu interior, mesmo sem ter apurado previamente e ao certo qual a quantidade líquida da substância pura de MDMA contida no interior de cada um desses comprimidos, posto que não é pensável, à luz da livre convicção formada e segundo as regras da experiência, que uma pessoa do tipo de homem médio colocada na situação concreta da generalidade dos consumidores dos comprimidos de MDMA (I.e., participantes de “rave party” ou frequentadores de “night-club” e “bar” ou mesmo de festas ou convívios em privado), precise de consumir, durante três dias, 29 comprimidos com MDMA no seu interior.
      23. Por maioria da razão, mesmo somente para efeitos de uma correcta medida da pena a impor ao agente de um crime de tráfico do art.º 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 5/91/M, por ter comprovadamente traficado, por exemplo, uma quantidade já apurada de marijuana superior à considerada como de “quantidade diminuta”, e também um certo número de comprimidos comprovadamente com substância de MDMA no seu interior mas sem saber da quantidade exacta da mesma MDMA, não é de reenviar o processo para novo julgamento, com fundamento na verificação do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada respeitante à quantidade líquida da substância pura de MDMA.
      24. O juiz não precisa de fazer a prova da verdade das razões de ciência em que se fundou nomeadamente a formação da sua livre convicção na apreciação da prova nos termos do art.º 114.º do CPP, convicção esta que só é sindicável no caso de erro manifesto por contrariar às regras de experiência na normalidade das situações da vida humana ou até legis artis vigentes nos trabalhos jurisdicionais.
      25. À luz do princípio da legalidade em matéria criminal, numa das suas vertentes nullum crimen nulla poena sine lege, tornam-se ilegítimas as normas penais em branco no seu sentido próprio ou técnico, em que a delimitação dos comportamentos puníveis apenas se completa através da remissão para uma disposição de grau ou nível inferior (v. g., um regulamento), com violação da proibição de intervenção normativa de regulamentos, não podendo a lei cometer-lhe tal competência, pois a reserva da lei impede normas penais em branco com as inerentes consequências da proibição da analogia incriminadora e da definição do ilícito criminal por simples regulamentos.
      26. No tocante à interpretação da primeira parte do n.º 2 do art.º 355.º do CPP por força da qual ao relatório da sentença se segue a fundamentação, que consta nomeadamente da enumeração dos factos provados e não provados, é de defender que se através de um exercício como que matemático, por exemplo, mediante o método de “exclusão das partes”, se conseguir saber quais os factos provados e quais o não são, então se deverá dar por satisfeita a exigência daquela norma, não sendo obrigatoriamente necessária, embora recomendável, uma enumeração, no sentido de indicar um por um especificadamente, os factos provados e os não provados.
      27. Entretanto, se nem sequer tiver havido na parte de fundamentação da sentença, enumeração genérica alguma de factos não provados, o desfecho já será inexoravelmente o da nulidade insanável da sentença, nos termos do art.º 360.º, al. a), do CPP.
      28. Não se pode, pois, defender unidireccional e aprioristicamente a enumeração especificada de factos não provados, sob pena de se mostrar excessivamente sacrificada a substância em prol da forma. Isto porque a declaração pelo tribunal ad quem de nulidade de uma sentença com fundamento único na falta de enumeração especificada de factos não provados, apesar da existência de uma indicação genérica dos mesmos, irá, por força do art.º 109.º do CPP, acarretar efeitos algo nefastos para a celeridade da justiça material: tornada inválida a sentença, há que repetir pelo tribunal a quo a prolação da mesma, com eventual realização de nova audiência de julgamento, com re-produção de toda a prova (inclusivemente da prova testemunhal, havendo-a), se desde a data da sentença declarada nula pelo tribunal ad quem até à prolação de nova sentença pelo tribunal a quo se tiver medeado mais do que trinta dias, por aplicação analógica da norma vertida no n.º 6 do art.º 309.º do CPP.
      29. O art.º 355.º, n.º 2, do CPP não exige obrigatoriamente a exposição do iter percorrido pelo julgador para a formação da sua convicção quanto à matéria de facto, mas sim tão-só a “indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”, à luz necessariamente do princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP.
      30. E se bem que a inobservância do n.º 1 do art.º 356.º do CPP, isoladamente considerado, constitua quiçá uma mera irregularidade processual, sanável se não arguida tempestivamente, tudo em conformidade com o estatuído nos art.ºs 105.º, n.ºs 1 e 2, 106.º, 107.º (estes dois, a contrario sensu) e 110.º, todos do mesmo diploma, há que reconhecer que a especificação dos “fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada” a que alude a parte inicial desse n.º 1 do art.º 356.º, se reconduz, ao fim e ao cabo, à categoria de “motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão” a que se refere na norma do n.º 2 do seu precedente art.º 355.º, pelo que a não especificação daqueles “fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada” configura uma causa de nulidade da sentença, atento o previsto no art.º 360.º, al. a), do mesmo diploma.
      31. A figura de “homem de confiança”, no seu contexto extensivo, abrange todas as testemunhas que colaboram com as instâncias formais da perseguição penal, tendo como contrapartida a promessa da confidencialidade da sua identidade e actividade. Cabem aqui tanto os particulares (pertencentes ou não ao submundo da criminalidade) como os agentes das instâncias formais, nomeadamente da polícia (Untergrundfahnder, under cover agente, agentes encobertos ou infiltrados), que disfarçadamente se introduzem naquele submundo ou com ele entram em contacto; e quer se limitem à recolha de informações (Polizeispitzel, detection), quer vão ao ponto de provocar eles próprios a prática do crime (polizeiliche Lockspitzel, agent provocateur, entrapment).
      32. Como ponto de partida, o recurso ao homem de confiança configurará normalmente um meio enganoso. Entretanto, isto não significa que o recurso ao homem de confiança esteja, sempre e sem mais, a coberto de proibição de prova, nos termos do art.º 113.º, n.º 1, al. a), do CPP, por um lado, e, por outro, e em todo o caso, e por princípio, apenas deverão ter-se como proibidos os meios enganosos susceptíveis de colocar o arguido numa situação de coacção idêntica à dos demais métodos proibidos de prova.
      33. É, assim, de sustentar a inadmissibilidade da intervenção do homem de confiança com propósitos e para fins unicamente repressivos, isto é, exclusivamente preordenada à repressão de crimes já consumados, em homenagem nomeadamente à ideia duma administração eficaz da justiça penal. Mas, já é admissível a intervenção do homem de confiança sempre que se pretende através dela prosseguir finalidades exclusiva ou prevalentemente preventivas, pelo menos em relação a perigos concretos e imediatos de atentado contra a vida ou a perigo correspondente de sacrifício grave da integridade física de terceiros. Será, concretamente, assim sempre que a perseguição de eventuais agentes, lograda através do homem de confiança, se integre em programas de repressão e desmantelamento do terrorismo, da criminalidade violenta ou altamente organizada, por exemplo.
      34. Tradicionalmente, verifica-se “excesso de pronúncia” como uma das causas de nulidade da sentença, quando o tribunal decidiu questão de que não deveria ou não poderia conhecer.
      35. O CPP prevê, no seu art.º 360.º, al. b), que é nula a sentença que condenar por factos não descritos na pronúncia ou, se a não tiver havido, na acusação ou acusações, for a dos casos e das condições previstos nos artigos 339.º e 340.º.
      36. Se um determinado facto dado por assente pelo tribunal a quo mas não descrito inicialmente na acusação, não for com relevo para a decisão condenatória do arguido na vertente da sua culpabilidade, não se poder falar da existência de uma “alteração não substancial dos factos descritos na acusação” nos termos do art.º 339.º, n.º 1, do CPP.
      37. A medida da pena resulta de uma valoração global e crítica, a ser feita pelo julgador no uso do seu prudente e sensato critério, nomeadamente, de todo um conjunto de circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime verificado, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente os factores exemplificados no n.º 2 do art.º 65.º do CP, preceito este que traduz nomeadamente a ideia do princípio da proibição de dupla valoração na medida da pena.
      38. O arguido então recorrente na lide recursória donde resultou a decisão invalidadora da decisão anterior, não pode invocar o princípio da proibição de reformatio in pejus do art.º 399.º do CPP na instância a quo renovada na sequência dessa invalidação.
      39. A um arguido que era guarda da Polícia de Segurança Pública à data da prática dos factos ilícitos pelos quais vinha condenado como autor material, na forma consumada, de um crime de tráfico do art.º 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 5/91/M, é, indubitavelmente, aplicável a circunstância da al. d) do art.º 10.º do mesmo diploma, por causa do dever geral de disponibilidade inerente a qualquer guarda daquela Corporação como um militarizado, por estar efectiva e permanentemente incumbido, mesmo for a das horas de serviço ou do exercício formal das suas funções, de tomar imediatamente todas as providências para evitar a preparação ou consumação de algum crime mesmo for a da sua área de responsabilidade ou para descobrir os seus autores, até que o serviço seja assegurado pela autoridade ou agentes competentes.
      40. A própria lei não distingue se o agente referido na al. d) do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M deve ser incumbido especialmente da prevenção ou repressão das infracções em causa, ou tão só em geral, pelo que ao proceder à interpretação e aplicação desta norma, há que observar o cânone de interpretação da lei de que quando a lei não distingue, também o intérprete-aplicador não deve distinguir.
      41. A agravação nos termos do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M só se aplica às molduras penais correspondentes aos crimes previstos nos art.ºs 8.º e 9.º do mesmo diploma, e já não a outros tipos legais previstos em outros preceitos incriminadores do mesmo Decreto-Lei, sob pena da violação do rigoroso princípio de que nulla poena sine lege, logicamente aplicável também ao caso da agravação da moldura penal de um dado tipo legal de crime sem autorização pela lei.

       
      • Votação : Vencido o relator
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. Choi Mou Pan
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 20/06/2002 51/2002 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      Embargos de executado.
      Resposta negativa a quesito.
      Omissão de pronúncia.
      Nulidade processual.

      Sumário

      1. A resposta negativa a um quesito, com a afirmação “não provado”, não equivale à afirmação, (mesmo que implícita), de que se provou facto contrário ou inverso ao quesitado.
      Assim, não se tendo provado os factos quesitados, tudo se passa como se tais factos não tivessem sido articulados.

      2. A nulidade por “omissão de pronúncia” prevista no artº 668º, nº 1, al. d) do C.P.C., está directamente relacionada com o preceituado no artº 660º, nº 2 do mesmo código, por força do qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. (...)”.
      Porém, importa distinguir “questões” (colocadas ao Tribunal) das “razões” ou “fundamentos” invocados (para concluir sobre as questões), já que a não apreciação destes não gera nulidade.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
      • Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 13/06/2002 60/2002 Recurso em processo penal
    • Assunto

      - Vício de insuficiência da matéria de facto
      - Tráfico de droga
      - Facto constitutivo de crime
      - Medida da pena
      - "Drogas leves"
      - Confisco do instrumento do crime
      - Perigosidade do instrumento do crime

      Sumário

      I - Só existe o tal vício de insuficiência da matéria de facto quando o Tribunal não deu como provados todos os factos pertinentes à aplicação da lei e à subsunção no preceito penal incriminador por falta de apuramento de matéria, ou seja quando se verifica uma lacuna no apuramento dessa matéria que impede a decisão de direito; no decurso do julgamento, o Tribunal tem de averiguar estes factos, no âmbito delimitado no objecto do caso processual penal, incluindo a acusação ou o depoimento de defesa.
      II - Para determinar se a conduta do arguido constituiu ou não o crime de tráfico de droga previsto no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, o Tribunal não tem necessariamente de comprovar os factos susceptíveis da derrogação de artigos for a do 8.º, mas apenas comprovar os factos necessários para a aplicação do artigo 8.º.
      III - As características leve, pesada e extremamente pesada da droga, por si só, não podem ter um efeito determinante na escolha do tipo de pena e na sua determinação. Também não se pode haver uma atenuação especial da pena por causa da leveza, mas pode tê-la em conta na medida da pena dentro da moldura penal que o Tribunal tem de considerar.
      IV - Na apreensão e confisco de objectos relacionados com o tráfico de droga, não é preciso considerar os factores de que estes objectos, por sua natureza ou nas circunstâncias concretas, poderiam ser perigosos para serem reutilizados na prática de crime ou ser prejudiciais à sociedade.
      V - Se os factos provados manifestam que, pelo facto de ter recolhida a droga guardada no carro do arguido, pode reconhecer o carro como um instrumento do crime, o Tribunal tem de determinar o seu confisco.

       
      • Votação : Com declaração de voto
      • Relator : Dr. Choi Mou Pan
      • Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 13/06/2002 91/2002 Recurso em processo penal
    • Assunto

      Liberdade Condicional.
      Pressupostos.

      Sumário

      1. No domínio do C.P.M., constituem pressupostos “objectivos“ ou “formais” para a concessão de liberdade condicional a um recluso, a sua condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses.
      2. Todavia, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do artº 56º, do referido C.P.M..
      É, pois, de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

       
      • Votação : Outros
      • Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
      • Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
      •   Dr. Lai Kin Hong