Acórdãos

Tribunal de Segunda Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 01/02/2001 1153-A Outros processos em matéria administrativa, fiscal e aduaneira
    • Assunto

      - Contencioso administrativo.
      - Sentença anulatória, sua natureza e seus efeitos.
      - Caso julgado.
      - Dever jurídico de executar a sentença.
      - Reintegração da ordem jurídica violada.
      - Reconstituição da situação actual hipotética.
      - Causa legítima de inexecução e sua indemnização.
      - Inexecução ilícita e sua indemnização.
      - Garantias contra a inexecução ilícita.
      - Declaração Conjunta.
      - Lei Básica.
      - Lei de Reunificação.
      - Princípio geral da continuidade de ordenamento jurídico.
      - Tratamento das leis previamente vigentes em Macau.
      - Conceito de “legislação anteriormente vigente em Macau”.
      - Princípio geral da continuidade da Administração Pública.
      - Pensões de aposentação e de sobrevivência, fixação do seu valor e responsabilidade do seu pagamento - Art.º 98.º da Lei Básica.
      - Art.º 66.º do EOM.
      - Princípio geral da proibição de aplicação retroactiva da lei.
      - Aplicação da lei no tempo.
      - Transferência de poderes.
      - Alteração do estatuto político de Macau.
      - Lei de valor reforçado ou qualificado.
      - Ilegalidade reforçada ou qualificada superveniente.

      Sumário

      1. A sentença anulatória de um acto administrativo é de natureza constitutiva. E o caso julgado formado dela tem como principais características a obrigatoriedade e a executoriedade.
      2. O que contitui caso julgado é a decisão e não os motivos ou fundamentos dela, porque a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga e a imutabilidade da decisão só abrange a causa de pedir invocada e conhecida pelo tribunal.
      3. Para além do seu efeito anulatório consistente na eliminação retroactiva do acto administrativo, a sentença anulatória produz efeito executório do qual resulta para a Administração activa o dever de extrair todas as consequências jurídicas da anulação, ou seja, o dever jurídico de executar a sentença.
      4. No contencioso administrativo de Macau que está organizado como um contencioso de anulação, é à Administração activa que cabe o dever de executar a decisão anulatória, consistente na obrigação de praticar todos os actos jurídicos e todas as operações materiais que sejam necessários à reintegração da ordem jurídica violada, traduzida, para actos negativos, não no dever legal de repor o particular na situação anterior à prática do acto ilegal como acontece para actos positivos, mas sim no dever de reconstituir a situação que actualmente existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado – a chamada reconstituição da situação actual hipotética (cf. Art.º 174.º, n.º 3, do CPAC).
      5. O dever de executar a sentença cessa quando se está perante uma causa legítima de inexecução que se reconduz a situações excepcionais que tornam lícita a inexecução de uma sentença, obrigando, porém, a Administração a pagar uma indemnização compensatória ao titular do direito à execução, por causa da sua responsabilidade por acto lícito (cf. Art.ºs 174.º, n.º 1, 175.º, 184.º, n.º 4 e 185.º do CPAC).
      6. Face à lei positiva, são dois os casos de inexecução lícita de sentença anulatória de acto ilegal: a impossibilidade absoluta de cumprimento da sentença e a verificação de grave prejuízo para o interesse público com o cumprimento da sentença (cf. Art.º 175.º, n.º 1, do CPAC).
      7. Para a verificação de inexecução ilícita de uma sentença anulatória, é necessário que a Administração Pública não cumpra a sentença e que não exista, em simultâneo, nenhuma causa legítima de inexecução (cf. Art.ºs 184.º, n.º 1, do CPAC).
      8. Na nossa lei positiva, consagram-se como garantias contra a inexecução ilícita: o poder jurisdicional de declaração dos actos devidos (art.º 184.º, n.º 2, segunda parte, do CPAC) e a responsabilidade disciplinar, civil e penal dos órgãos ou agentes da Administração sobre quem recai o dever de executar (cf. Art.º 187.º, n.º 1, als. b) e c), e n.º 2, do CPAC).
      9. Se a Administração Pública teimosamente se colocar na posição de não cumprir a sentença, mantendo a situação de inexecução ilícita, só resta o pagamento de uma indemnização por causa da responsabilidade por acto ilícito e culposo, resultante da inexecução ilícita da sentença (cf. Art.º 187.º, n.º 3, do CPAC), para além da “medida compulsória para obter a execução”, prevista nos termos do art.º 186.º do CPAC.
      10. O princípio geral da continuidade de ordenamento jurídico, hoje plasmado maxime no art.º 8.º da Lei Básica (cf. Também a parte inicial do seu art.º 145.º), segundo o qual as leis, os decretos-leis, os regulamentos administrativos e demais actos normativos previamente vigentes em Macau mantêm-se, salvo no que contrariar esta Lei ou no que for sujeito a emendas em conformidade com os procedimentos legais, pelo órgão legislativo ou por outros órgãos competentes da Região Administrativa Especial de Macau, foi precisamente enformado dos 2.º e 4.º (último) parágrafos do Esclarecimento III do Anexo I à Declaração Conjunta.
      11. E é neste quadro que a Lei de Reunificação (Lei n.º 1/1999, de 20/12/1999), no seu art.º 3.º, n.º 1, dispõe ab initio e em geral que as leis, os decretos-leis, os regulamentos administrativos e demais actos normativos previamente vigentes em Macau são adoptados como legislação da Região Administrativa Especial de Macau, salvo no que contrariarem a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, sendo certo e por conseguinte que segundo o n.º 5 desse mesmo art.º 3.º, a legislação previamente vigente em Macau que for adoptada como legislação da Região Administrativa Especial de Macau, quando aplicada depois de 20 de Dezembro de 1999, deve sofrer as necessárias alterações, adaptações, restrições ou excepções, a fim de se conformar com o estatuto de Macau após a reassunção do exercício da soberania pela República Popular da China e com as disposições relevantes da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau.
      12. Devendo entender-se por “legislação previamente vigente em Macau” os actos normativos emanados e apenas emanados da Assembleia Legislativa e do Governador do então Território de Macau, como seus “órgãos de governo próprio” com competência legislativa.
      13. A nível da Administração Pública, também se consagra um princípio geral congénere da sua continuidade, inclusivemente dos seus actos administrativos praticados antes de 20 de Dezembro de 1999 nos termos da legislação previamente vigente, salvo no que contrariar a Lei Básica, a Lei de Reunificação ou demais diplomas legais aplicáveis – cf. Os art.os 5.º e 6.º da Lei de Reunificação.
      14. O art.º 98.º da Lei Básica está a dever obediência ao disposto no primeiro parágrafo do Esclarecimento VI, constante do Anexo I à Declaração Conjunta.
      15. Subjacente ao artigo 98.º da Lei Básica, está a ideia clara de que em relação aos funcionários e agentes públicos que já tenham previamente exercido funções em Macau antes do estabelecimento da R.A.E.M. E que mantenham os seus vínculos funcionais continuando a trabalhar na R.A.E.M., a R.A.E.M. Paga-lhes ou aos familiares pensões de aposentação e de sobrevivência a que tenham direito de acordo com a lei anteriormente vigente em Macau, se e só se eles vierem a aposentar-se legalmente depois do estabelecimento da R.A.E.M., contando-se, entretanto, para efeitos da sua antiguidade, o serviço também por eles prestado antes do estabelecimento da R.A.E.M. Na qualidade e só na qualidade de pessoal pertencente aos serviços públicos de Macau.
      16. Para os que preencham os riquisitos exigidos pelo art.º 98.º da Lei Básica, o valor das suas pensões a pagar pela R.A.E.M. Deve ser fixado com base apenas no tempo de serviço prestado por eles em Macau, ou seja, quer no então Território de Macau exclusivamente na qualidade de pessoal pertencente aos seus serviços públicos, quer na R.A.E.M..
      17. Assim, ainda que o pessoal a que alude o art.º 66.º, n.º 1, do EOM, inicialmente pertencente aos quadros de Portugal, tenha vindo a transitar para os quadros próprios do Território de Macau, nos termos permitidos pelo n.º 2 do referido art.º 66.º do EOM, o tempo de serviço prestado ou considerado antes da sua transição para os quadros de Macau nunca poderia relevar para o e no regime de aposentação vigente na R.A.E.M.. Entretanto, quanto ao tempo de serviço prestado nos quadros de Macau por este tipo de pessoal, em relação ao qual tenham sido efectuados os correspondentes descontos para o Fundo de Pensões de Macau, já deve ser levado também em consideração na fixação do valor de pensões se esse mesmo pessoal ter mantido os seus vínculos funcionais na R.A.E.M. E vier a aposentar-se legalmente depois do estabelecimento da mesma.
      18. E obviamente a R.A.E.M. Pagará pensões de aposentação e de sobrevivência devidas segundo a lei aqui vigente a todo o seu pessoal que só começou ou começa a trabalhar nos seus serviços públicos depois do seu estabelecimento em 20 de Dezembro de 1999.
      19. Apesar do princípio da jurisdição de mera legalidade a observar no recurso contencioso de anulação, o certo é que atenta a eficácia objectiva do caso julgado já formado de um acórdão anulatório proferido pelo então Tribunal Superior de Justiça, a Administração não poderia efectivamente voltar a praticar, em nome do cumprimento da sentença em causa, um novo acto que incorresse outra vez no(s) mesmo(s) vício(s) pelo(s) qual(ais) foi anulado contenciosamente o acto anterior, sob pena de se cair num ciclo vicioso, daí que há que acautelar-se de situações de aparente execução da sentença anulatória.
      20. Assim, em princípio e por imperativo do princípio geral da proibição de aplicação retroactiva da lei (cf. Art.º 11.º do Código Civil de Macau), a Administração não pode incumprir a sentença alegando a já caducidade ou revogação, no momento actual, da lei à luz da qual foi proferida a sentença, sob pena de se fazer tábua rasa das segurança e certeza jurídicas. Em suma, é apenas uma questão de aplicação da lei no tempo.
      21. Contudo, se uma parte essencial e componente da lei entretanto vigente e reguladora da matéria em causa (mormente o Estatuto Orgânico de Macau, o Decreto-Lei n.º 357/93, de 14 de Outubro e o Decreto-Lei n.º 14/94/M, de 23 de Fevereiro) e com base na qual foi enquadrada e tomada a decisão do ex-Tribunal Superior de Justiça, se tem achado, logo após com a alteração do estatuto político de Macau com a tranferência de poderes aí ocorrida em 20 de Dezembro de 1999, em situação de incompatibilidade material com o novo estatuto político de Macau, assim, ela não pode ser aplicada tal e qual pela Administração da R.A.E.M. (que, aliás, responde ao fim ao cabo perante o Governo Popular Central da República Popular da China), mesmo a título da lei anteriormente vigente e segundo as regras de aplicação da lei no tempo, sob pena de se cair numa situação de ilegalidade reforçada ou qualificada superveniente, por violação do art.º 98.º da Lei Básica, considerada esta como uma lei de valor reforçado ou qualificado.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. Sebastião José Coutinho Póvoas
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 19/01/2001 180/2000 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      - Direitos de Autor.
      - Legitimidade.
      - “Titularidade dos direitos de autor” e “propriedade da matriz”.

      Sumário

      1. A legitimidade processual, como conceito de relação que é, traduz-se na posição das partes em relação ao objecto do processo, a relação jurídica controvertida, tal como o autor a configura.
      2. O direito de autor, como direito sobre a obra intelectual qualquer que seja o seu género ou forma de expressão, não se confunde com o direito de propriedade sobre as coisas materiais que lhe servem de suporte à sua utilização.
      Assim, não sendo a “propriedade da matriz” sinónimo de “titularidade do direito de autor”, óbvio é que aquela, não pode impedir o reconhecimento de direitos autorais de caracter patrimonial.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
      • Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 19/01/2001 147/2000 Revisão e confirmação de decisões proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau
    • Assunto

      - Revisão e confirmação de sentença proferida por Tribunal do exterior de Macau.

      Sumário

      Os requisitos para a revisão e confirmação de decisões proferidas por Tribunais do exterior de Macau são os constantes da enumeração taxativa do art.º 1200º nº 1 do C.P.C.M..
      Assim, preenchidos tais requisitos, procedente é o pedido de revisão e confirmação formulado.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
      • Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 11/01/2001 203/2000 Recurso em processo penal
    • Assunto

      - Crime de “emisão de cheque sem provisão”.
      - Suspensão da execução da pena.

      Sumário

      1. Sendo o agente do crime de “emissão de cheque sem provisão” delinquente primário e tendo posteriormente ao seu julgamento à revelia, depositado à ordem do Tribunal o montante em que foi condenado a pagar a título de indemnização, nada obsta a que, em sede de recurso, se decida pela suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado.
      2. No caso de ter sido condenado a pagar ao ofendido uma importância a título de “indemnização acrescida de juros à taxa legal até integral pagamento”, deve a suspensão da execução da pena ser condicionada ao pagamento dos ditos juros.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
      • Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 11/01/2001 86/2000 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      - Nulidade da Sentença
      - Falta da indicação das disposições legais
      - Resposta ao quesito
      - Resposta excessiva
      - Arrendamento do imóvel para comércio
      - Transmissão ex lege da posição do locador
      - Rendas antecipadas

      Sumário

      1. Só é nula a sentença nos termos nº 1 al. b) do artigo 668º, hoje o artigo 571º, do Código de Processo Civil quando se verificar uma falta absoluta de fundamentação de facto e de direito que justificam a sua decisão.
      2. Trata-se de falta absoluta, a falta de citação, na parte do fundamento, de qualquer das normas, regras e princípios em que a sentença se apoia, e a consequência desta é a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 668º, hoje o artigo 571º, do Código de Processo Civil.
      3. Declarada a nulidade da sentença proferida na primeira instância, pode o tribunal de recurso conhecer do objecto do recurso, nos termos do artigo 749º ex vi 715º do Código de Processo Civil.
      4. A resposta deficiente ao quesito só pode ter como consequência a anulação do julgamento quando nos autos não se oferece matéria de acto suficiente para a decisão de direito.
      5. As partes têm liberdade em convencionar as rendas antecipadas, como excepção da regra geral do artigo 32º do Regime do Arrendamento Urbano, do imóvel para o estabelecimento comercial, nos termos do artigo 115º do mesmo Diploma.
      6. O adquirente da propriedade sobre a qual foi celebrada o contrato de arrendamento sucede ex lege todos os direitos e obrigações do antecedente proprietário, nos termos do artigo 91º do Regime do Arrendamento Urbano.
      7. Não tendo havido falta de pagamento de rendas, não há fundamento para a resolução do contrato e o consequente despejo, ao abrigo e nos termos do artigo 67º nº 1 al. a) do R.A.U..

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Choi Mou Pan
      • Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
      •   Dr. Lai Kin Hong