Acórdãos

Tribunal de Segunda Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 11/02/2010 1050/2009 Recurso em processo penal
    •  
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Lai Kin Hong
      • Juizes adjuntos : Dr. Choi Mou Pan
      •   Dr. José Maria Dias Azedo
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 11/02/2010 1015/2009 Recurso em processo penal
    •  
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Lai Kin Hong
      • Juizes adjuntos : Dr. Choi Mou Pan
      •   Dr. José Maria Dias Azedo
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 11/02/2010 886/2009 Recurso de decisões jurisdicionais em matéria administrativa, fiscal e aduaneira
    • Assunto

      – art.o 969.o do Código Civil
      – arrendamento urbano
      – prazo mínimo de arrendamento
      – fim do arrendamento
      – arrendamento para fins especiais transitórios
      – arrendamento para habitação
      – renda mensal
      – subarrendamento
      – contrato intuitu personae
      – número máximo de três hóspedes
      – art.o 1041.o, n.o 1, alínea b), do Código Civil
      – art.o 101.o, n.o 1, alínea b), do Regime do Arrendamento Urbano
      – art.o 1.o, n.o 2, alínea b), do Decreto-Lei n.o 30/85/M
      – art.o 798.o do Código Comercial
      – hospedagem
      – alojamento em 24 horas
      – regime sancionatório dos estabelecimentos hoteleiros
      – definição legal de estabelecimento hoteleiro
      – art.o 3.o do Decreto-Lei n.o 16/96/M
      – art.o 14.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 16/96/M
      – art.os 67.o, n.o 1, n.o 2, alínea b), e n.o 3, do Decreto-Lei n.o 16/96/M
      – Portaria n.o 83/96/M
      – Regulamento da Actividade Hoteleira e Similar
      – pensão residencial
      – hospedagem em casa particular
      – fracção autónoma
      – exploração de pensão ilegal
      – punição administrativa
      – crime de desobediência
      – responsabilidade civil
      – danos morai

      Sumário

      1. O Código Civil de Macau disciplina especificadamente a locação nos seus art.os 969.o e seguintes, com emissão de correspondentes normas supletivas e algumas normas imperativas.
      2. Trata-se, de acordo com o conceito definido no art.o 969.o, de um contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.
      3. O contrato de locação, quando versa sobre coisa móvel, é celebrado por escrito particular (art.o 1032.o, n.o 1).
      4. Na falta de estipulação no contrato, o prazo de duração de arrendamento é de um ano (art.o 974.o, n.o 1), o que significa que o prazo da duração de arrendamento pode ser fixado, por estipulação das partes, em período inferior a um ano, ou em período mais longo, mas obrigatoriamente reduzido a 30 anos se o contrato tiver sido celebrado por tempo superior ou como perpétuo (art.o 973.o).
      5. Findo o prazo do arrendamento, o contrato renova-se por períodos sucessivos, se nenhuma das partes o tiver denunciado no tempo e pela forma convencionados ou designados na lei (art.o 1038.o, n.o 1), não gozando, porém, o senhorio do direito de denunciar o contrato para o seu termo ou para o termo das renovações antes do decurso de dois anos sobre o início do arrendamento (art.o 1038.o, n.o 2).
      6. No caso de sublocação, o locatário não pode cobrar do sublocatário renda superior ou proporcionalmente superior ao que é devido pelo contrato de locação, aumentado de vinte por cento, salvo se outra coisa tiver sido convencionada com o locador (art.o 1010.o).
      7. Quanto ao fim do contrato, o arrendamento pode ter como fim a habitação, o exercício de empresa comercial, o exercício de profissão liberal, a actividade rural, ou outra aplicação lícita do prédio (art.o 1031.o, n.o 1).
      8. E à aí permitida “outra aplicação lícita do prédio” são materialmente reconduzíveis os “arrendamentos para fins especiais transitórios” referidos na alínea a) do n.o 2 do art.o 1029.o (que podem ser, por exemplo, casos de se arrendar uma casa para a realização dum congresso, ou para assistir à passagem de um cortejo lá fora, etc.).
      9. Mas, para existir este tipo de arrendamentos para fins especiais transitórios, forçoso é sempre que o fim transitório conste do respectivo contrato escrito. Isto porque na falta de estipulação, o arrendamento do prédio se destina para o fim a que o mesmo se destina (art.o 1031.o, n.o 2), sendo certo que se o prédio for urbano e houver licença de utilização, o fim é o que resultar da mesma (art.o 1031.o, n.o 3).
      10. Não existindo qualquer estipulação no contrato escrito sobre algum fim especial transitório do arrendamento urbano, é aplicável, por imposição do n.o 1 do art.o 1029.o, a norma do n.o 1 do art.o 1033.o, segundo a qual a renda é mensal no arrendamento urbano.
      11. Portanto, não pode haver renda diária ou renda fixada por dia no arrendamento urbano designadamente para habitação.
      12. Daí que o prazo mais curto possível do arrendamento urbano para habitação, como tal previamente fixado pelas partes, não pode ser inferior a um mês, exactamente porque a renda é retribuição do locador pela cessão, ao locatário, do gozo temporário da coisa (art.o 969.o).
      13. O Código Comercial de Macau regula o contrato de hospedagem nos seus art.os 798.o e seguintes.
      14. Segundo o art.o 798.o: Hospedagem é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra alojamento e demais serviços inerentes, com ou sem fornecimento de refeições, em condições de comodidade e conforto adequadas, mediante retribuição.
      15. O hospedeiro é obrigado a aceitar as reservas de alojamento que lhe sejam apresentadas, salvo se nas datas propostas não tiver alojamento disponível (art.o 801.o, n.o 1).
      16. E conforme o art.o 802.o (sobre a duração do contrato): 1. Na falta de estipulação, considera-se que o contrato de hospedagem é celebrado por períodos de 24 horas, que terminarão sempre às 12 horas de cada dia, à excepção do dia de entrada. 2. Se o hóspede não desocupar os aposentos até às 12 horas do dia da saída, ou até à hora convencionada, o contrato considera-se renovado por mais um dia. 3. O hospedeiro pode, contudo, recusar a renovação do contrato com fundamento em reservas anteriores.
      17. Assim, a hospedagem é um contrato que se celebra sem se levar em conta quem seja o hóspede, pelo que só é lícito ao hospedeiro não aceitar as reservas de alojamento que lhe sejam apresentadas quando não tiver alojamento disponível (art.o 801.o, n.o 1), ou recusar a renovação do contrato quando já houver reservas anteriores por outrem (art.o 802.o, n.o 3), ao passo que aquando da decisão pela celebração do contrato de arrendamento para habitação, considerar-se-á sempre e naturalmente a pessoa do arrendatário.
      18. É precisamente por aí que se compreende o alcance e sentido da definição legal de estabelecimento hoteleiro, feita no art.o 3.o do Decreto-Lei n.o 16/96/M, do Primeiro de Abril (diploma este que tem por objecto estabelecer as normas administrativas para o licenciamento e inspecção dos estabelecimentos hoteleiros e similares de Macau).
      19. Segundo essa definição legal, “consideram-se estabelecimentos hoteleiros os que se destinam a proporcionar ao público alojamento, mediante pagamento, com ou sem fornecimento de refeições e outros serviços complementares”.
      20. Na verdade, diferentemente do contrato de arrendamento para habitação, o contrato de hospedagem não é intuitu personae e como tal é celebrado com o público em geral.
      21. Os prédios arrendados para habitação destinam-se, em princípio, à habitação do arrendatário. Sendo, consequentemente, utilizados por terceiro, ou há um subarrendamento ou o exercício, por parte do arrendatário, da indústria hoteleira. Em qualquer destes casos, há fundamento para a resolução do arrendamento (vejam as situações previstas no art.o 1034.o, alíneas b), e) e f), do Código Civil, em que é lícito ao senhorio resolver o contrato de arrendamento).
      22. Entretanto, a lei admite excepções à rigidez dos princípios. Por um lado, não são consideradas como infringindo a afectação do arrendamento as pessoas que vivam com o arrendatário em economia comum; por outro lado, permite-se que este tenha, sem quaisquer consequências legais, até três hóspedes (vejam a disposição do n.o 1 do art.o 1041.o do Código Civil, que determina que nos arrendamentos para habitação podem residir no prédio, além do arrendatário: a) todos os que vivam com ele em economia comum; b) um máximo de três hóspedes, salvo estipulação em contrário), sendo certo que não é hóspede a pessoa que se recebe por caridade e que não paga qualquer retribuição.
      23. Por outras palavras, se no contrato de arrendamento para habitação não se tiver estipulado que não pudesse haver hóspedes no prédio, o arrendatário poderá alojar um máximo de três hóspedes, em troca de retribuição.
      24. Eis a razão por que é que o art.o 1.o, n.o 2, alínea b), do anterior Regulamento da Actividade Hoteleira e Similar, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 30/85/M, de 13 de Abril, não considerava como estabelecimentos de hotelaria, para efeitos do disposto no próprio Regulamento, “As casas particulares em que, com carácter estável, residam hóspedes num máximo de três pessoas”.
      25. Apesar de não exister realmente qualquer disposição análoga no actual Decreto-Lei n.o 16/96/M, ulteriormente revogatório daquele Decreto-Lei n.o 30/85/M, isto não pode implicar que o alojamento oferecido pelo arrendatário de uma casa particular a mais de três hóspedes em troca de retribuição, já esteja fora do âmbito do regime sancionatório do próprio Decreto-Lei n.o 16/96/M.
      26. É que desde logo, continua a vigorar, em pleno, no vigente direito positivo de Macau (inclusivamente a partir da entrada em vigor deste Decreto-Lei n.o 16/96/M), tal número máximo imperativo de três hóspedes possíveis em casa arrendada para habitação (cfr., e designadamente, a acima já referida disposição da alínea b) do n.o 1 do art.o 1041.o do Código Civil, em si homóloga à então norma da alínea b) do n.o 1 do art.o 101.o do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.o 12/95/M, de 14 de Agosto).
      27. Assim, o alojamento oferecido pelo arrendatário a mais de três hóspedes em troca de retribuição, mesmo que no contrato de arrendamento urbano para habitação não se tenha estipulado a proibição desta conduta, é reconduzível à situação de exploração de estabelecimento hoteleiro, sob alçada do regime sancionatório do Decreto-Lei n.o 16/96/M.
      28. Ademais, no preâmbulo do Decreto-Lei n.o 16/96/M e em todo o articulado deste, não se consegue vislumbrar aí minimamente qualquer intenção do seu legislador em deixar de sancionar condutas de exploração de pensão sem prévio licenciamento administrativo, mas, ao invés, resulta daí completamente muito clara a intenção do legislador em reajustar “o sistema sancionatório agravando-se nomeadamente as sanções em matérias de higiene e segurança”.
      29. De facto, se bem que as pensões não possam ser classificadas como hotéis, a exploração delas, como um dos tipos de estabelecimentos hoteleiros previstos no vigente Decreto-Lei n.o 16/96/M, fica sujeita obrigatoriamente ao licenciamento e à inspecção da Direcção dos Serviços de Turismo (cfr. as disposições conjugadas dos art.o 1.o, art.o 2.o, n.o 1, art.o 3.o, e art.o 5.o, n.os 1 e 6, todos do Decreto-Lei n.o 16/96/M, e do art.o 74.o do seu Regulamento, plasmado na Portaria n.o 83/96/M, do Primeiro de Abril).
      30. E nota-se que esta Portaria nem exige que as pensões devam estar habilitadas a prestar serviço de lavandaria e engomadoria (art.o 82.o da Portaria), embora já exija que devam estar preparadas para prestar serviço de pequeno-almoço (art.o 80.o da Portaria), pelo que as pensões que ofereçam apenas alojamento e estejam preparadas para prestar serviço de pequeno-almoço são classificáveis como residenciais (art.o 74.o da Portaria).
      31. Entretanto, mesmo que não ofereçam em concreto o serviço de pequeno-almoço, as pensões que se limitam a oferecer alojamento nem por isso deixam de estar abrangidas pelo regime sancionatório traçado no Decreto-Lei n.o 16/96/M, porquanto por força do seu art.o 3.o, “consideram-se estabelecimentos hoteleiros os que se destinam a proporcionar ao público alojamento, mediante pagamento, com ou sem fornecimento de refeições e outros serviços complementares”.
      32. É ante precisamente a dita definição legal de estabelecimento hoteleiro que qualquer pensão que se limite a fornecer alojamento sem quaisquer serviços complementares nem de pequeno-almoço estará, indubitavelmente, também sob a alçada sancionatória deste Decreto-Lei e do seu Regulamento definido na correspondente Portaria.
      33. Outrossim, todos os estabelecimentos hoteleiros (que podem ser hotéis, hotéis-apartamentos, complexos turísticos ou pensões), para serem legais e susceptíveis de efectivo licenciamento administrativo, “devem ocupar a totalidade de um edifício ou uma parte dele completamente independente, constituindo as suas instalações um todo homogéneo, e dispor de acesso directo aos andares para uso exclusivo dos clientes” (art.o 1.o da Portaria), com observância, designadamente, de todas as medidas de segurança aplicáveis, designadamente contra incêndios (art.o 3.o, n.o 1, da Portaria).
      34. Por aí se vê que mesmo que respeite apenas a uma fracção autónoma, a situação é ainda susceptível de sancionamento pelo Decreto-Lei n.o 16/96/M.
      35. Por isso, toda a pessoa singular ou colectiva que pretenda explorar em Macau uma pensão deverá requerer o respectivo licenciamento à Direcção dos Serviços de Turismo (art.o 14.o, n.o 1, do Decreto-Lei), sob pena de vir a ser punida com 60 000 patacas de multa e encerramento imediato da pensão (art.o 67.o, n.os 1, 2, alínea b), e 3, do Decreto-Lei).
      36. E quem for notificado para encerramento imediato da sua pensão e não a encerrar nas 24 horas seguintes à notificação, incorrerá em responsabilidade criminal por crime de desobediência, punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias (cfr. as disposições conjugadas do art.o 68.o, n.o 1, do Decreto-Lei, e do art.o 312.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal de Macau).
      37. Além disso, quem explorar pensão ilegal ficará também civilmente responsável por danos advenientes dessa conduta, causados a outrem (art.o 63.o do Decreto-Lei), danos esses que poderão abranger, por exemplo, danos morais causados aos condóminos do edifício onde se instala a pensão ilegal, pela grande inquietação sofrida com a enorme perturbação da segurança e sossego do edifício acarretada pela exploração de pensão ilegal (art.o 489.o, n.o 1, do Código Civil).
      38. E de acordo com as disposições conjugadas dos art.os 14.o e 88.o do Decreto-Lei n.o 16/96/M, quem deverá ser punido é o titular do estabelecimento hoteleiro em questão, titular esse que pode não ser, ao mesmo tempo, o proprietário do edifício ou da fracção do edifício.
      39. Não há, em suma, qualquer vazio legal na regulamentação sancionatória da actividade de exploração de pensão em casas particulares.
      40. Por isso, à exploração de pensão em casa particular sem pedido prévio de licenciamento administrativo, é aplicável a punição correspondentemente prevista nos termos expressos do art.o 67.o, n.os 1, 2, alínea b), e 3, do Decreto-Lei n.o 16/96/M, pelo que o acto punitivo do Senhor Director dos Serviços de Turismo em questão nos autos não padece do vício de erro nos pressupostos de direito.
      41. O Mm.o Juiz a quo, ao ter decidido em emitir o seu entendimento jurídico no sentido de a “hospedagem em casa particular” não ser objecto de regulamentação sancionatória legal vigente, fez, de facto, errada interpretação das disposições dos art.os 3.o e 5.o do Decreto-Lei n.o 16/96/M, ao arrepio dos cânones de hermenêutica jurídica plasmados no art.o 8.o do Código Civil

       
      • Votação : Com declaração de voto
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      •   Dra. Tam Hio Wa
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 11/02/2010 332/2009 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      - Efeito do recurso do despacho de suspensão de deliberações sociais
      - Curador ad litem; incapacidade judiciária; falta de poderes de representação

      Sumário

      1. O efeito do recurso do despacho de suspensão de deliberações sociais deve ser o efeito meramente devolutivo, sob pena de se subverter o efeito que por via da providência se logrou alcançar.
      2. Se por efeito dessa suspensão, os representantes da sociedade em juízo deixaram de a representar, a sua intervenção processual tem de ser ratificada pelos leagis representantes em exercício.
      3. Se estes representarem uma facção contrária àquela que visa prosseguir uma dada actuação judicial, sendo os representantes destituídos e repostos em funções por força da suspensão de deliberações sociais os destinatários dessa actuação, pode ocorrer um real conflito de interesses e, então, deve ser nomeado um curador ad litem a fim de ratificar a actuação de que está em juízo.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      • Juizes adjuntos : Dr. Lai Kin Hong
      •   Dr. Choi Mou Pan
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 11/02/2010 920/2009 Recurso em processo penal
    • Assunto

      - Tráfico de estupefacientes; regime mais favorável
      - sucessão de leis no tempo no caso de concurso de crimes

      Sumário

      No caso de concurso de crimes, face à sucessão de leis penais no tempo, no apuramento do regime mais favorável, importa ponderar qual a pena concreta mais favorável aplicável a cada um das infracções, perante os dois regimes em presença, operando, depois, o cúmulo, que pode ser feito com punições concretas e parcelares estabelecidas com base nos dois regimes.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      • Juizes adjuntos : Dr. Lai Kin Hong
      •   Dr. Choi Mou Pan