Acórdãos

Tribunal de Segunda Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 09/03/2006 322/2005 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      – âmbito de decisão do recurso
      – Direito do Trabalho
      – princípio do favor laboratoris
      – trabalho subordinado por conta alheia
      – prestação do trabalhador
      – retribuição
      – subordinação jurídica
      – teoria do risco
      – teoria do beneficiário dos resultados obtidos
      – casino
      – Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L.
      – salário mensal
      – gorjetas
      – sentença absolutória contravencional por insuficiência da prova
      – art.º 579.º, n.º 1, do Código de Processo Civil de Macau
      – Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril
      – art.º 26.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril
      – indemnização pelo trabalho em dias de descanso semanal
      – indemnização pelo trabalho em dias de descanso annual
      – indemnização pelo trabalho em feriados obrigatórios
      – período experimental
      – paz social
      – obediência à lei
      – art.º 7.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil de Macau
      – licença de maternidade
      – falta da prova exigida do estado de gravidez e do parto
      – art.° 37.°, n.ºs 6 e 7, do Decreto-Lei n.° 24/89/M, de 3 de Abril
      – danos não patrimoniais
      – indemnização rescisória
      – despedimento sem justa causa
      – juros legais
      – art.º 794.º, n.º 4, do Código Civil de Macau

      Sumário

      1. O tribunal ad quem só resolve as questões concretamente postas pela parte recorrente e delimitadas pelas conclusões das suas alegações de recurso, transitando em julgado as questões nelas não contidas, mesmo que alguma vez tenham aí sido invocadas.
      2. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista, pelo que o que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo, pois, apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.
      3. O Direito do Trabalho aparece com a generalização de um tipo específico de trabalho humano – o trabalho produtivo, voluntário, dependente e por conta alheia – que substitui definitivamente o trabalho forçoso característico das economias do mundo antigo, tipo de trabalho específico esse que com a Revolução Industrial alcançou importância suficiente de modo a determinar a necessidade de se criar um corpo normativo dirigido à sua regulamentação.
      4. Sendo reconhecido em geral que o trabalhador se encontra numa posição de inferioridade em relação ao empregador no estabelecimento e desenvolvimento da relação do trabalho, o Direito do Trabalho assume-se como um direito de protecção e justifica-se pela necessidade de corrigir, por via legal, certas situações de desigualdade, através da imposição de restrições ao normal desenvolvimento do princípio da autonomia da vontade, por um lado, e, por outro, pela constatação de que, sem a intervenção do legislador juslaboralístico, o trabalhador fica sujeito a todo um conjunto de pressões de que não pode facilmente escapar, em virtude da necessidade que tem do emprego e do salário para dar satisfação a necessidades vitais suas e dos seus familiares.
      5. Portanto, ao interpretar e aplicar qualquer legislação juslaboralística, há que atender necessariamente ao princípio do favor laboratoris elaborado pela doutrina atentas essas especificidades do Direito do Trabalho, a fim de ir ao encontro da exigência do cânone de hermenêutica jurídica do n.º 1 do art.º 8.º do Código Civil de Macau.
      6. Na verdade, este princípio do favor laboratoris, como um dos derivados do princípio da protecção do trabalhador informador do Direito do Trabalho, para além de orientar o legislador na feitura das normas juslaborais (sendo exemplo paradigmático disto o próprio disposto no art.º 5.º, n.º 1, e no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril), deve ser tido pelo menos também como farol de interpretação da lei laboral, sob o qual o intérprete-aplicador do direito deve escolher, na dúvida, o sentido ou a solução que mais favorável se mostre aos trabalhadores no caso considerado, em virtude do objectivo de protecção do trabalhador que o Direito do Trabalho visa prosseguir.
      7. O contrato de trabalho subordinado caracteriza-se por três elementos essenciais: a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.
      8. No tocante ao primeiro elemento, o que está in obligatio é a própria actividade a que o trabalhador se obrigou e que a outra parte, o empregador, organiza e dirige no sentido de um resultado que está for a do contrato. Por isso, o trabalhador que tenha cumprido diligentemente essa sua prestação de trabalho não pode ser responsabilizado, se o resultado pretendido pelo empregador não for atingido. E basta, por outro lado, que o trabalhador se encontre à disposição do empregador no tempo e no local de trabalho para cumprir a sua obrigação.
      9. Quanto ao elemento retribuição, este já é a obrigação principal do empregador no contrato de trabalho, como troca da disponibilidade da força de trabalho do trabalhador.
      10. E no que tange ao elemento subordinação jurídica, este traduz-se numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato, face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem. Assim, é ao credor (empregador) que compete dizer onde, quando, como e com que meios deve o trabalhador executar a actividade a que se obrigou por contrato. E esta subordinação jurídica não se limita aos momentos que antecedem o início da prestação laboral, antes se mantém durante a execução desta. E como é um poder jurídico, não é necessário que o empregador o exerça de modo efectivo, mas basta que o possa exercer.
      11. O objecto do Direito do Trabalho é apenas o trabalho por conta alheia, no sentido de que a utilidade patrimonial do trabalho é atribuída a pessoa distinta do trabalhador, ou seja, ao empregador, que a adquire a título originário. Os bens ou serviços produzidos pelo trabalhador ao abrigo do contrato de trabalho por conta alheia não são do trabalhador, mas sim do empregador, que, por sua vez, compensa o trabalhador com uma parte da utilidade patrimonial que obteve com o trabalho deste – o salário.
      12. Por isso, o trabalho por conta alheia é explicado quer pela teoria do risco, quer pela teoria do beneficiário dos resultados obtidos.
      13. Segundo a teoria do risco, o trabalho por conta alheia é aquele em que o trabalhador exerce a sua actividade sem assumir os riscos da exploração do empregador.
      14. Enquanto de acordo com a teoria do beneficiário dos resultados obtidos, o trabalho por conta alheia é aquele em que o trabalhador não se apropria dos frutos do trabalho.
      15. E apesar de o trabalhador poder ter sido chamado pelo seu empregador a trabalhar, ou até ter trabalhado voluntariamente, em dias destinados a descansos semanal e/ou annual e/ou até em feriados obrigatórios, tal não implica que o trabalho assim prestado não precise de ser compensado nos termos legalmente devidos.
      16. Aliás, é para proteger o trabalhador contra eventual necessidade, ditada pelo seu empregador, de prestação de trabalho em dias de descansos semanal e/ou annual e/ou de feriados obrigatórios que a lei laboral de Macau tem procurado estipular regras de compensação ou pagamento desse tipo de trabalho, mesmo que prestado de modo voluntário (cfr. Os art.ºs 17.º, n.º 4, 18.º e 21.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, e os art.ºs 17.º, n.ºs 4 e 6, 18.º, 20.º e 24.º, do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, sucessor daquele).
      17. Com isso, fica realmente destituído de sentido prático fazer discutir a admissibilidade de limitação voluntária ou de renúncia dos ditos direitos do trabalhador: é que mesmo que o trabalhador se disponibilize a não gozar os dias de descanso semanal e/ou annual e/ou feriados obrigatórios a fim de trabalhar voluntariamente para o seu empregador, a lei laboral sempre o protegerá da situação de prestação de trabalho nesses dias, desde que o trabalhador o reclame.
      18. Uma vez reclamada essa protecção mínima legal, o empregador tem que compensar in natura (através, por exemplo, de concessão de descanso compensatório) ou pagar o trabalho prestado nesses dias, embora não o queira fazer.
      19. Daí se pode retirar a asserção de que qualquer eventual limitação voluntária ou renúncia voluntária desses direitos por parte do trabalhador é retractável, sob a égide das mencionadas normas cogentes consagradas nesta matéria na lei laboral, o que se justifica pela necessidade de proteger o trabalhador contra a sua compreensível inibição psicológica em discutir frontalmente com o seu empregador aquando da plena vigência da relação contratual de trabalho, sobre o exercício desses seus direitos laborais, caso este não seja cumpridor voluntário nem rigoroso da lei laboral em prol dos interesses daquele.
      20. O salário da Autora como trabalhadora da Ré Sociedade de Turismo de Diversões de Macau, S.A.R.L., sendo composto por uma parte quantitativa fixa de valor reduzido, e por um outra remanescente, de quantia variável consoante o montante de gorjetas dadas pelos clientes dos casinos da mesma sociedade exploradora de jogos a seus trabalhadores, mas diariamente reunidas e contabilizadas por esta e depois também por ela distribuídas de dez em dez dias para os seus trabalhadores de acordo com as regras fixadas pela própria empresa, está em quantum materialmente variável, devido exclusivamente a essa forma do seu cálculo, e já não também em função do resultado de trabalho efectivamente produzido, nem, tão-pouco, do período de trabalho efectivamente prestado.
      21. Por isso, a quota-parte de gorjetas a ser distribuída à Autora pela Sociedade de Turismo de Diversões de Macau, S.A.R.L., em montante por esta definido unilateralmente, integra precisamente o salário daquela, pois caso contrário, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta dessa sociedade por anos seguidos como trabalhador dos seus casinos, sabendo, entretanto, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido.
      22. Deste modo, o salário da Autora não é fixado em função do período de trabalho efectivamente prestado, nem é um salário diário, mas sim um salário mensal.
      23. Na verdade, se fosse um salário diário ou salário fixado em função do período de trabalho efectivamente prestado, a necessária laboração contínua e permanente daquela sociedade comercial como exploradora de jogos em Macau por decorrência da legislação especial aplicável a essa sua actividade sairia deveras comprometida, visto que para se verificar este efeito nefasto, bastaria que a Autora e/ou outros seus colegas de trabalho na mesma situação dela não viessem a comparecer nos casinos daquela em cumprimento dos rigorosos horários de trabalho por esta fixados em relação a cada um dos seus trabalhadores para garantir tal funcionamento contínuo, ou viessem a trabalhar dia sim dia não a seu bel-prazer, ou só em dias em que os horários lhes fossem mais favoráveis, já que a retribuição do trabalho seria, de qualquer maneira, igualmente calculada em função dos dias de trabalho efectivamente prestado.
      24. Daí que não foi por acaso que as gorjetas eram distribuídas pela Ré aos seus trabalhadores incluindo a própria Autora de dez a dez dias, pois tudo isto aponta claramente, mesmo sob a égide de presunções judiciais com recurso às regras da experiência da vida humana, para a situação normal de trabalho remunerado com salário mensal, ainda que em quantia variável.
      25. A decisão judicial já transitada em julgado, proferida num processo de transgressão laboral na parte que absolveu a mesma Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L., das inicialmente imputadas transgressões ao art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, contra vários trabalhadores ofendidos aí em questão, incluindo a ora Autora, apenas com fundamento na insuficiência da prova, nem constitui sequer, na presente acção de natureza civil, simples presunção legal ilidível de inexistência de factos constitutivos dessas infracções acusadas, pela simples razão de que a ora Ré não foi aí absolvida por provada inocência dela com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, daí a inaplicabilidade da estatuição do n.º 1 do art.º 579.º do Código de Processo Civil de Macau, não obstante o disposto no art.º 380.º do Código de Processo Penal de Macau, pelo que o Tribunal de Segunda Instância deve decidir da presente causa cível de modo autónomo ante a factualidade já julgada como assente pelo Tribunal Judicial de Base.
      26. A partir do dia 3 de Abril de 1989 inclusive até à presente data, tem vigorado o regime consagrado no Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, com a nuance de que os seus art.ºs 17.º (apenas no seu n.º 6) e 26.º (excepto o seu n.º 1) passaram a ter a redacção dada pelo artigo único do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, vocacionado a afastar as dúvidas até então surgidas quanto ao regime de descanso semanal no caso de trabalhadores que auferem salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado.
      27. O n.º 1 do art.º 26.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, atentos os termos empregues na redacção da sua parte final, visa tão-só proteger o trabalhador contra eventual redução do seu salário mensal por parte do seu empregador sob pretexto de não prestação de trabalho nos períodos de descanso semanal e annual e dos feriados obrigatórios, e, por isso, já não se destina a determinar o desconto do valor da remuneração normal na compensação/indemnização pecuniária a pagar ao trabalhador no caso de prestação de trabalho em algum desses dias.
      28. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dia de descanso semanal no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, que entrou imediatamente em vigor, por força do seu art.º 57.º, no próprio dia da sua publicação (3 de Abril de 1989), com intuito legislativo nítido de favorecer quanto antes a classe trabalhadora, pois este novo diploma lhe confere mais direitos laborais do que os já garantidos no anterior Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, a fórmula é o “dobro da retribuição normal”. Isto é, e matematicamente falando, 2 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho em consideração x número de dias de descanso semanal por ano, não gozados.
      29. O primeiro dia de descanso semanal a que o trabalhador tinha direito deveria ser depois do primeiro período de seis dias de trabalho sob a vigência imediata do Decreto-Lei n.° 24/89/M em 3 de Abril de 1989, pois o descanso só se justifica depois de cada período de trabalho de seis dias, tal como o que se pode retirar da letra do n.º 1 do art.º 17.º deste diploma, sendo de defender que a entidade patronal não pode fazer variar o dia de repouso semanal, tornando incerto o dia destinado a esse fim.
      30. De facto, o descanso semanal pressupõe a prestação de trabalho efectivo durante um determinado período, por forma a que seja imprescindível à recuperação das energias físicas e psíquicas do trabalhador, daí que não possa acontecer antes da prestação de trabalho que o justifica, sob pena de inversão lógica.
      31. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso annual correspondente ao trabalho prestado a partir da vigência daquele Decreto-Lei n.º 24/89/M, e entretanto vencidos mas não gozados (sendo claro que o direito a descanso annual em cada ano civil só se vence naturalmente depois de decorrido o ano civil a que esse direito annual se reporta), a fórmula é o “triplo da retribuição normal”, se houver prova do impedimento pelo empregador do gozo desses dias, como pressupõe expressamente a letra do seu art.° 24.°. Isto é, 3 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho em consideração x número de dias de descanso annual vencidos mas não gozados. Pois, caso contrário, já há que aplicar analogicamente a fórmula do “dobro da retribuição normal” à situação objectiva de prestação de trabalho nos dias de descanso annual, I.e., sem qualquer impedimento por acção da entidade patronal do exercício do direito do gozo desse descanso, sob pena de flagrante injustiça relativa em confronto com a compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.
      32. Sob a égide do Decreto-Lei n.º 24/89/M, são seis dias de feriados obrigatórios “remunerados” por ano, sendo certo que a Lei n.º 8/2000, de 8 de Maio, que mantém igualmente em dez dias os feriados obrigatórios, deixa intocados esses mesmos seis dias de feriados obrigatórios “remunerados”, quais sejam, o Primeiro de Janeiro, os Três Dias do Ano Novo Chinês, o Primeiro de Maio e o Primeiro de Outubro.
      33. E para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado pela Autora à Ré em feriados obrigatórios “remumerados” (ocorridos depois do período experimental dos primeiros três meses da sua relação de trabalho) sob a vigência do Decreto-Lei n.º 24/89/M, a fórmula é o “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal”, para além naturalmente da retribuição a que tem direito, caso tenha que trabalhar nesses feriados, a despeito da regra da dispensa obrigatória de prestação de trabalho (art.ºs 20.º, n.º 1, e 19.º, n.ºs 2 e 3), o que, à falta de outra fórmula remuneratória convencionada mais favorável à parte trabalhadora, equivale, materialmente, ao “triplo da retribuição normal”, que se justifica, aliás, pelo especial significado desses dias que os tornou eleitos pelo próprio legislador como sendo feriados obrigatórios “remunerados”.
      34. Entretanto, no âmbito do mesmo Decreto-Lei n.º 24/89/M, a Autora não pode reclamar a indemnização pelo trabalho prestado nos quatro dias de feriados obrigatórios “não remunerados”, uma vez que o n.º 2 do art.º 20.º deste diploma só prevê a indemnização do trabalho em feriados obrigatórios “não remunerados” prestado ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo, e já não também na situação da alínea c) do mesmo n.º 1.
      35. O valor da paz social não está minimamente posto em causa, quando o tribunal se limita a decidir de acordo com a lei nos termos plasmados no art.º 7.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil de Macau, com natural abstracção das preocupações exclusivamente pessoais das partes em pleito.
      36. Atenta a redacção dos n.°s 1 e 6 do art.° 37.° do Decreto-Lei n.° 24/89/M, de 3 de Abril, é manifesto que para efeitos de gozo da licença de maternidade, naturalmente com limitação posta pelo n.° 5 do mesmo preceito, basta à trabalhadora em causa pedi-la mesmo que verbalmente, e ainda que sem apresentação logo da prova do seu estado de gravidez (que aliás se ressalta logo como facto notório, atento o estado necessariamente já muitíssimo avançado, se não mesmo derradeiro, de gravidez postulado pelo legislador juslaboral na legiferação do n.° 2 do mesmo art.° 37.°) e do parto.
      37. Prova essa que só se tornará obrigatória se a sua entidade patronal vier a exigir expressamente a sua apresentação à luz do n.° 6 do dito art.° 37.°, sendo certo que só na falta da prova assim exigida pela entidade patronal é que poderá acontecer a consequência cominada no subsequente n.° 7.
      38. Daí que configurando a “falta da prova exigida” pelo empregador do estado de gravidez e do parto das trabalhadoras ao seu serviço nitidamente um facto impeditivo nomeadamente da concessão da remuneração correspondente ao período da licença de maternidade, nos termos expressa e conjugadamente ditados naqueles n.ºs 6 e 7 do art.° 37.°, é exclusivamente à Ré que, nos termos do art.º 335.º, n.º 2, do Código Civil de Macau, cabe provar que tenha chegado a exercer o direito de exigir da Autora a prova do estado de gravidez e do parto e que, não obstante o assim exigido, a Autora não lhe tenha apresentado essa prova.
      39. O sacrifício da Autora como trabalhadora da Ré, traduzido no facto de ela, por causa do seu trabalho, ter estado com pouco tempo para dar acompanhamento educativo às suas crianças e assistência aos seus pais, já ficou compensado pecuniariamente pelo nível remuneratório que possuiu enquanto trabalhadora daquela sociedade exploradora de jogos, pelo que não pode servir de fundamento para reclamar a reparação dos danos não patrimoniais alegadamente sofridos por causa desse sofrimento.
      40. Não há indemnização rescisória pelo alegado despedimento sem justa causa, se não se provar nenhum despedimento sem justa causa.
      41. Sendo considerados ilíquidos os créditos indemnizatórios em questão na acção cível laboral, os juros legais da respectiva soma indemnizatória só serão calculados a partir do trânsito em julgado da decisão judicial que a fixa definitivamente (por força maxime do n.º 4 do art.º 794.º do Código Civil de Macau).

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 09/03/2006 212/2005 Recurso contencioso (Processo administrativo de que o TSI conhece em 1ª Instância)
    • Assunto

      – notário privado
      – Decreto-Lei n.º 66/99/M, de 1 de Novembro
      – infracção disciplinar
      – pena disciplinar
      – Decreto-Lei n.° 54/97/M, de 28 de Novembro
      – arquivo
      – verificação da identidade por declaração de abonadores
      – art.º 18.º, n.º 1, proémio, do Estatuto dos Notários Privados
      – art.º 283.º, n.º 1, alínea j), do ETAPM
      – erro nos pressupostos de direito

      Sumário

      1. Por força da remissão operada pelo art.° 27.° do Decreto-Lei n.° 66/99/M, de 1 de Novembro (Estatuto dos Notários Privados), é subsidiariamente aplicável também a todos os Notários Privados em Macau, o disposto no n.° 1 do art.° 13.° do Decreto-Lei n.° 54/97/M, de 28 de Novembro (regulamentador da Orgânica dos Serviços dos Registos e do Notariado e do Estatuto dos Respectivos Funcionários), que incumbe aos mesmos a guarda e conservação do arquivo, podendo até, nos termos do n.° 5 do mesmo preceito, ser organizados arquivos de segurança em locais adequados para depósito de duplicações dos actos de registo e notariais, extraídas por reprodução micrográfica, fotocópia ou suportes informáticos, sendo o arquivo essencialmente constituído pelos livros e outros suportes documentais dos actos de registo e notariais, bem como pelos documentos depositados para os instruir ou integrar nos termos da lei, por comando do n.° 1 do art.° 14.° do mesmo Decreto-Lei n.° 54/97/M.

      2. O mecanismo de verificação da identidade através da “declaração de dois abonadores” a que se refere a alínea c) do n.º 2 do art.º 68.º do Código do Notariado, não deve ser utilizado em detrimento de outras formas, mais directas e seguras, de verificação, previstas nas alíneas a) e b) do mesmo n.º 2.

      3. Ao ponderar sobre a pena disciplinar concreta a aplicar a uma notária privada infractora, o órgão administrativo competente não deve, sob pena de incorrer em erro nos pressupostos de direito subjacentes à sua decisão punitiva, invocar, como circunstância agravante da responsabilidade disciplinar prevista na alínea j) do n.º 1 do art.º 283.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), o grau de instrução da infractora e a responsabilidade do seu cargo.

      4. Na verdade, sendo essas duas circunstâncias fácticas congénitas da própria figura de notário privado (cfr. O que se pode alcançar nomeadamente do disposto no art.º 1.º do Estatuto dos Notários Privados), a responsabilidade disciplinar daquela infractora não deve ser agravada por isso, até porque essas circunstâncias já foram devidamente pesadas pelo legislador na feitura da norma especial (em confronto com a norma geral do art.° 300.° do ETAPM) do próemio do n.º 1 do art.º 18.º do Estatuto dos Notários Privados, através da previsão de duas únicas espécies de penas disciplinares (i.e., a pena de suspensão administrativa até 2 anos e a pena de cassação de licença) para todo o notário privado que infrinja os seus deveres.

       
      • Votação : Vencido o relator
      • Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
      • Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
      •   Dr. Lai Kin Hong
      • Observações :Acórdão relatado pelo Exmº 1º Adjunto Dr. Chan Kuong Seng, nos termos do nº.1 do artº 19º do R.F.T.S.I.
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 09/03/2006 29/2006 Recurso em processo penal
    • Assunto

      - Arma proibida
      - Atenuação especial da pena

      Sumário

      1. Uma faca com lâmina superior a 10 cm de comprimento é uma arma proibida quando seja susceptível de ser usada como instrumento de agressão física e o portador não justifique a respectiva posse.

      2. A sua posse estará justificada quando ela é afecta a uma daquelas finalidades normais e necessidades legítimas e compreensíveis da actividade do ser humano no seu dia a dia. Já o não será quando ela deixa de ter aquelas finalidades; já o não será quando a justificação para a sua detenção deixa de ser razoável; já o não será, seguramente, quando passa a ser utilizada para cometer crimes.

      3. A acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção (“necessidade da pena”), constitui o pressuposto material da aplicação da atenuação especial da pena.

      4. E tal só acontece quando a imagem global de facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os elementos normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      • Juizes adjuntos : Dr. Choi Mou Pan
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 09/03/2006 61/2006 Recurso em processo penal
    • Assunto

      - Primeiro interrogatório judicial
      - Presença do Ministério Público
      - Nulidade insanável

      Sumário

      A presença do Ministério Público é exigida no primeiro interrogatório judicial, a sua falta conduz à nulidade insanável.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Choi Mou Pan
      • Juizes adjuntos : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 09/03/2006 261/2005 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      - Erra indicação da norma legal
      - Despedimento
      - Insubsistência da justa causa
      - Indemnização

      Sumário

      1. O Tribunal, para julgar a acção, não fica vinculado pela norma indicada pelo autor na sua petição inicial, tendo toda a liberdade de aplicação da lei que entende por ser adequada, qualificando os factos juridicamente subsumíveis, não podendo julgar improcedente o pedido simplesmente pela errada indicação da norma legal aplicável na petição inicial.

      2. O empregador que despedir o trabalhador alegando justa causa que depois venha a ser julgada insubsistente deve indemnizar o trabalhador despedido no montante igual ao dobro da prevista no nº 4 do artigo 47º do D.L. Nº 24/89/M.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Choi Mou Pan
      • Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
      •   Dr. Lai Kin Hong