Tribunal de Segunda Instância
- Relator : Dr. Chan Kuong Seng
- Relator : Dr. Chan Kuong Seng
- Relator : Dr. Chan Kuong Seng
- Relator : Dr. Chan Kuong Seng
- Votação : Com declaração de voto vencido
- Relator : Dr. Fong Man Chong
- Juizes adjuntos : Dr. Ho Wai Neng
- Dr. José Cândido de Pinho
- Responsabilidade civil extracontratual por actos médicos
- Pressupostos legalmente exigidos e critérios de avaliação
- Dano moral sofrido pelos Autores pelo falecimento da filha e quantum indemnizatório
I - A responsabilidade civil, em geral, colhe os seus fundamentos na verificação de determinados pressupostos que são como é consabido: o facto e nexo de imputação, o dano ou prejuízo e o nexo de causalidade, o facto é entendido na sua objectiva consideração e que consubstancia a violação do direito de outrem (ou de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios) - V. Prof. A. Varela "Das Obrigações em Geral" I, pág. 403-404 Prof. Manuel de Andrade, "Teoria Geral da Relação Jurídica", I pág. 337).
II - O nexo de imputação ou ligação do facto ilícito (por acção ou omissão) ao agente há-de conter uma imputação culposa, subjectiva e compreende o juízo que o agente fez não só objectivamente injusto, mas cuja injustiça ele conheceu ou pode conhecer e que tal lhe seja pessoalmente reprovável (cfr. Kart. Larenz "Derecho de Obligaciones", 11, 1959, pág. 570). O mecanismo da responsabilidade civil funciona, em geral, sempre da mesma forma, o facto (seja ilícito ou proveniente de uma actividade lícita) há-de ligar-se ao agente por um nexo de imputação (de natureza subjectiva ou objectiva respectivamente) e o dano ou prejuízo, por seu turno, há-de ligar-se a facto por um nexo de causalidade (V. Dário Martins de Almeida " Manual de Acidentes de Viação", 3a. Edição, pág. 50).
III - Quanto à culpa, ela é a expressão de um juízo de responsabilidade pessoal da conduta do agente que, face ás circunstâncias especiais do caso, deveria ter agido doutro modo, ou por este ter actuado ou deixado de actuar contra o dever que se lhe impunha quer em actuação diferente, quer em actuação que não levou a cabo, tudo de acordo com as normas jurídicas tomadas na sua função imperativa estatuídoras de deveres ainda que gerais (v. Prof. A\. Varela, cfr. Cit., I; pág. 442; Prof. Pessoa Jorge "Ensaio" sobre os pressupostos da responsabilidade civil, pág. 315 e Prof. Figueiredo Dias "o Problema de Consciência da Ilicitude). Por culpa deverá entender-se - diz Larenz (Derecho de Obligaciones II Vol. Pag.570) o juízo que o agente fez, não apenas objectivamente injusto, mas de cuja injustiça estava ciente ou podia estar.
IV - Actualmente é comum o entendimento que, nas relações entre o médico e o doente, o primeiro se obriga a prestar ao segundo, assistência médica, na decorrência da sua prestação de serviços e para satisfazer o interesse do doente, o médico tem de detectar o problema que o afecta, escolher e aplicar uma terapia que o debele ou atenue, segundo as melhores regras disponíveis no momento da prestação. A efectivação da responsabilidade de um médico depende da verificação cumulativa de um conjunto de pressupostos, que têm que ser demonstrados em juízo.
V - Assim, um médico incorre numa situação de incumprimento de “leges artis” quando se desvie do padrão de comportamento diligente e competente, a que, como profissional da área, deve obedecer. O seu comportamento será ilícito se se desviou desse comportamento, tomado o seu agente como um elemento de um grupo caracterizado e diferenciado dentro da categoria geral dos profissionais médicos e da especificidade da situação.
VI – No caso são os seguintes factos que evidenciam a ilicitude:
- Foi cometido erro na entubação – vidé os factos provados descritos sob os nº 24º a 44º já acima transcritos (2ª intervenção cirúrgica), facto irrefutável;
- Se a entubação visava manter o fornecimento normal de oxigénio ao corpo da vítima, mas foi cometido erro neste aspecto (facto provado) por um médico da Ré, com isso se causaram “complicações” ao corpo da vítima, o que é uma situação quase “intolerável” face às circunstâncias concretas do caso e aos conhecimentos especializados que um médico tem e devia ter.
- Depois, demorava muito tempo para a detecção da falha cometida – vidé os factos assentes descritos sob os números 24º, 42º (todas as complicações começaram a surgir depois das 13H36, e até 15H00, com a intervenção de uma outra médica, é que veio a saber-se a verdadeira causa das “complicações” observadas). Aqui demorava-se cerca de 1 hora e meia.
VII - Será culposo, se se tomando em conta a especificidade do circunstancialismo em que o concreto agente actuou, se puder concluir que ao agente era exigível outro comportamento.
Considerando a obrigação que um médico assume de prestar assistência a um determinado paciente, pode-se concluir que o resultado imediato é, então, constituído pelo aproveitamento das reais possibilidades (chances) que o doente apresenta de alcançar a satisfação do resultado imediato – a cura, a sobrevivência, a não consumação de uma deficiência ou incapacidade.
Tal aproveitamento verifica-se mediante a adopção de um comportamento atento, cuidadoso e conforme às “leges artis” – que constitui, em suma, a tradicional obrigação principal (de meios) assumida pelo profissional de saúde.
VIII - Demonstrado o incumprimento desta “outra” obrigação, caberá ao médico, para afastar a responsabilização pelo “dano de destruição das possibilidades (ou chances)” provar que aplicou a diligência ou aptidão que lhe era exigível – por outras palavras, que satisfez o interesse mediato – mas que por razões que não podia prever ou não podia controlar, a finalidade pretendida se gorou e as chances existentes se perderam.
A culpa de um médico, na falta de qualquer norma especifica sobre o assunto, é avaliada pela regra geral contida no nº2 do artigo 480º do Código Civil de Macau, ou seja, pela “diligência do bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”. Importante para o direito não é erro cientifico em si, mas a causa humana do mesmo, ou seja, para o surgimento de uma obrigação de indemnizar não basta a verificação de um erro, antes se exige que ele assuma uma configuração tal, que torne o agente merecedor de um juízo de reprovação. E sê-lo-á, quando o percurso seguido pelo médico deva ser censurado – seja culposo.
IX – São os seguintes factos que provam a culpa médica imputada à Ré:
1) – No caso, perante o erro médico cometido, pergunta-se, porque é que só quando foi chamada a médica pediatra e esta sugeriu que fosse feito exame Raio-X é que se soube que o tubo foi mal colocado, em vez de estar na traqueia, estava no esófago??
2) – Pergunta-se, um médico de bom pai da família adopta este tipo de comportamento?
3) – No momento foi a médica pediatra é que explicou o fenómeno de “fornecimento normal” (falso, ou aparente) de oxigénio à vítima:
- Nesse momento, Dra. L deu uma explicação para o bom nível de oxigenação no sangue da vítima (resposta ao quesito 43° da base instrutória).
- Dra. L sugeriu que, quando o tubo se encontra nesse local, como o tubo não tem balão uma parte do gás com alta concentração oxigénio poderá entrar na via aérea e nos pulmões, o que poderá fornecer a indicação aparente de que a paciente possa ter um bom nível de oxigenação no sangue (resposta ao quesito 44° da base instrutória).
- Apesar das dúvidas face aos valores SPO2 da vítima que estavam normais, após uma breve conferência sobre o assunto, os médicos intervenientes concordaram realizar um Raio-X toráxico lateral para se confirmar se o tubo estava realmente introduzido no local correcto (resposta ao quesito 45° da base instrutória).
Os outros médicos desconheciam? Faltava-lhes experiência? Nenhum médico interveniente tinha conhecimento suficiente para controlar IMEDIATAMENTE esta situação?
4) – Mais, nesta fase, cerca de depois de quase 1 hora e meia é que se veio a detectar o erro cometido! É um tempo razoável para o saber? Em situações normais, se fossem outros médicos, também precisavam de tanto tempo de detectar o problema?
5) - De acordo com o que acima ficou exposto, era a Ré que tinha de alegar e provar que aplicava a aptidão e diligência possível, mas que por razões que não podia prever ou não podia controlar, a finalidade pretendida.
6) - Não conseguiu no entanto, provar tal facto. Subsiste a culpa médica.
X - A consequência mortal do caso agora em apreciação vai contra o normal evoluir das coisas, contra a sucessão vulgar dos acontecimentos, pelo que, pensamos que caberia aos médicos demonstrar que aforam adoptadas todas as diligências necessárias e correctas, tudo de acordo com as legis artis.
XI - No caso, a morte de causa tem a ver com as “complicações cirúrgicas” durante as quais foram cometidos erros, que afectavam a circulação de oxigénio no corpo certo da doente, e os órgãos directamente afectados pela falta ou má circulação de oxigénio são cérebro e ainda pulmões! Consignou-se no relatório de autópsia: 1) Global Anoxic - Ischemic Encephalopathy (tradução portuguesa: Axónica global, encefalopatia isquémica (em chinês: 腦部缺氧) ; with mid brain, pons infarct and focal areas of subcortical infarct/necrosis, and presence of inflammatory processing of meninges with clumps of bacteria and occasional yeast/fungal spores. (…) Tudo isto são co-causas da morte, face à evolução cronológica dos factos e aos elementos provados nos autos.
XII - Tendo em conta que a morte da vítima causou aos AA. Profunda dor, angústia, desgosto, sofrimento e revolta (alínea Q) dos factos assentes)., é justo fixar nestes termos o quantum indemnizatório no valor de MOP$500,000.00 (meio milhão) para cada um dos progenitores (pai e mãe), totalizando MOP$1,000,000.00 (um milhão de patacas), julgando-se deste modo procedente o pedido dos Autores, revogando-se a sentença do TA ora recorrida.
