Tribunal de Segunda Instância
- Votação : Com declaração de voto
- Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
- Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
- Dra. Tam Hio Wa
- Votação : Com declaração de voto
- Relator : Dr. Ho Wai Neng
- Juizes adjuntos : Dr. José Cândido de Pinho
- Dr. Tong Hio Fong
- Votação : Unanimidade
- Relator : Dra. Tam Hio Wa
- Juizes adjuntos : Dr. Choi Mou Pan
- Dr. José Maria Dias Azedo
- Votação : Unanimidade
- Relator : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
- Juizes adjuntos : Dr. Ho Wai Neng
- Dr. José Cândido de Pinho
- Relator : Dr. Choi Mou Pan
- Declaração unilateral de nulidade de acto administrativo na sequência de prática de crime de corrupção por ex-Secretário do Governo
- Usurpação de poder
- Ofensa de conteúdo essencial de direito fundamental; Da ofensa do direito de propriedade da 1.ª Recorrente
- Denegação do direito de defesa
- Erro nos pressupostos de direito por desrespeito dos limites do caso julgado
- Erro de direito na aplicação do artigo 122.°, n.º 2, alínea c) do CPA
- Erro nos pressupostos de facto
- Erro nos pressupostos de facto e de direito ao afirmar-se que o ex--Secretário agiu no exercício de funções públicas
- Erro nos pressupostos de facto e de direito quanto à alegada postergação do interesse público
- Ofensa dos princípios da protecção da confiança, da proporcio¬nalidade e da adequação, por défice de ponderação no quadro do disposto pelo n.º 3 do artigo 123.° do CPA
-Violação dos princípios da Justiça, boa-fé, proporcionalidade e adequação
- Ponderação do interesse público
- Vício de forma, por insuficiência de fundamentação
- Falta de audiência prévia
- Nexo de causalidade entre os factos da condenação e a declaração do acto nulo
1. Consideram-se abrangidos na parte final da alínea c) do art. 122º, n.º 2, do CPA - mesmo se parece estranho o facto do legislador se referir apenas ao «objecto» do acto administrativo - também aqueles que, não sendo crime por esse lado, o são pela sua motivação ou finalidade, quando esta seja relevante para a respectiva prática, ou seja, serão nulos não apenas os actos cujo objecto (cujo conteúdo) constitua um crime, mas também aqueles cuja prática envolva a prática de um crime, estando nessas circunstâncias, por exemplo, os actos que sejam praticados mediante suborno ou por corrupção.
2. Se é verdade que a declaração de nulidade do contrato só judicialmente pode ser declarada, já não assim quando se declara a nulidade de um acto que autorizou a transmissão de um contrato de concessão, estando apenas em causa a titularidade do contratante particular. Nesta perspectiva, no fundo, o que se põe em causa com a declaração da nulidade apontada é o acto que autoriza a substituição do concessionário e já não o conteúdo das concessões, perdendo assim sentido a invalidação unilateral e subjectiva da Administração a impor-se à outra parte contratual.
3. Não se pode considerar que um contrato de concessão administrativa seja reconduzível a um contrato com uma proximidade ao dos contratos com objecto passível de um contrato privado, em contraponto com os contratos com objecto passível de acto administrativo, na medida em que se definem os termos da colaboração dos particulares na prossecução de tarefas que caberá à Administração prosseguir, no caso, relativamente ao desenvolvimento e empreendimento de um projecto de construção em terreno da RAEM.
4. Falece razão à recorrente ao pretender ter havido usurpação de poder, por a Administração não poder unilateralmente ter proferido declaração de nulidade do acto praticado, nem sequer alegando-se a existência de uma nulidade sequencial contratual. Tendo em conta a razão de ser da figura da invalidade derivada, percebe-se que não pode aceitar-se o princípio segundo o qual a invalidação de qualquer acto prévio a um contrato gera sempre e em qualquer caso a invalidade do próprio contrato.
5. Mesmo os direitos reais não deixam de sofrer limitações legais e se se concluir que a concessão assume tal natureza, de acordo com o seu regime, não deixa de poder ser limitada, não se podendo confundir institutos como a reversão, ou a invalidade de um pressuposto da atribuição de uma concessão com o fenómeno do confisco.
6. Do regime das concessões dos terrenos se retira, não obstante os traços que apontam para a sua natureza real, não obstante o direito do concessionário poder ser um direito real disciplinado em lei especial, ou seja, na Lei de Terras e diplomas complementares, daí não resulta qualquer perpetuidade do direito, podendo a transitoriedade do direito ser apanágio de certos direitos reais.
7. É verdade que só pode ser punido quem foi julgado no respectivo processo-crime, o que resulta dos princípios estruturantes do Processo Penal, do princípio da legalidade e do acusatório. Mas já nada impede que se retirem efeitos colaterais de uma dada decisão condenatória num outro processo ou procedimento de natureza administrativa, na certeza de que aí não pode ser negada a possibilidade de defesa da parte interessada em contraditar aquela decisão.
8. Nos termos do art. 578º do CPC “A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção.” Pelo que, perante uma condenação transitada em julgado e que serviu de pressuposto à declaração de nulidade de um acto por parte da Administração, cabia ao particular interessado ilidir essa presunção a fim de fazer reverter em sede de recurso contencioso tal declaração.
9. Essa presunção é invocável em relação a terceiros, isto é, em relação aos sujeitos de acção de natureza civil ou administrativa em que se discutam relações jurídicas dependentes ou relacionadas com a prática da infracção que não tenham intervindo no processo penal.
10. Não obstante a prova parecer apontar no sentido de que os membros do júri não foram pressionados e que a proposta da recorrente até era a melhor, isso não esgota todas as possibilidades e não exclui que não houvesse um benefício através de uma qualquer outra via no sentido de se criarem as condições para que a recorrente se viesse a posicionar em condições de indicar a melhor proposta, em termos de preço e em termos de plano urbanístico.
11. Não se pode dizer que foi postergado o interesse público ou que este não foi devidamente ponderado, na medida em que o interesse público que releva na actividade administrativa é aquele que é determinado, em função de sãos critérios, no respeito pela legalidade, considerados fundamentais para a existência, conservação e desenvolvimento da sociedade, traduzindo o interesse público a ideia dominante de todas normas jurídico-administrativas, assentando aquele interesse numa ordem social pacífica, na conservação da dignidade e da honra do ser humano, na possibilidade de manutenção da posse, da propriedade e do trato jurídico, na possibilidade da educação e da cultura, em suma, na criação ou manutenção daquelas relações que respeitam a situações jurídicas materiais fundamentais.
12. É legítimo que a Administração não se queira basear em condutas julgadas já como criminosas, bem ou mal, mas transitadas, restando aos particulares prejudicados os meios postos ao seu dispor no sentido de lhes garantir a tutela efectiva dos seus direitos, mas que não passam necessariamente pela reposição de um acto sentenciado como viciado e criminoso, para mais, quando aqui não se comprova que ele não tenha sido cometido.
13. Os eventuais efeitos putativos do acto nulo situam-se ainda ao nível de alguma juricidade remanescente do acto e não se devem confundir com as consequências e transformações operadas no mundo dos factos que, por via da invalidade fatal do acto, não podem desaparecer, por um passo de mágica. Dizer que os actos nulos não produzem efeitos é um corolário da noção de nulidade, mas, como pura abstracção que é, não atende às realidades.
14. Não há violação do princípio da proporcionalidade, da adequação e da justiça, quando prevalece a prossecução do interesse público, quando perante os diferentes interesses em jogo prevalece o de maior monta, o que assenta no primado da lei, na transparência das decisões administrativas expurgadas de actuações criminosas, perpassadas por actos de corrupção, não havendo interesse, ainda que de carácter público, derivado do desenvolvimento dos negócios, que se sobreponha àquelas preocupações.
15. O acto recorrido não violou os princípios gerais da actuação da Administração, tal como estabelecidos nos artigos 3.° a 9.° do CPA, percebendo-se perfeitamente qual a motivação subjacente à actuação da entidade recorrida, sobrelevando uma transparência governativa, um estrito rigor pela legalidade, isenção de actuação, valores supremos que devem pautar uma sociedade politicamente organizada estruturada e pautada por regras de Direito. Valores que não deixam de se divisar como fundamentais e como estruturantes, o que se impõe ao Governo, desde logo, no art. 65º da Lei Básica, se impõe aos agentes económicos, art. 103º da mesma LB. Mas mesmo que porventura pudesse ser discutível qual o interesse público prevalecente, se o da transparência e o da legalidade, se o da confiança e segurança no investimento, qualquer eventual diferença ou desproporção não se assume com uma evidência clara que impusesse a intervenção dos Tribunais nesse domínio.
16. Perante a vinculação do acto praticado, no sentido de se projectarem os efeitos da condenação criminal noutros actos e com efeitos na esfera de terceiros, não se vê que, no processo administrativo, a interessada pudesse operar uma revisão ou reversão da decisão condenatória proferida. E mesmo na configuração da relevância da comprovação de ausência de uma causalidade adequada entre o crime e o acto, não o logrando fazer, o seu desiderato não deixará de soçobrar.
