Acórdãos

Tribunal de Segunda Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 26/07/2007 221/2006 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      - Contrato de trabalho
      - Salário justo
      - Gorjetas
      - Liberdade contratual
      - Compensação pela falta de gozo dos dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios
      - Danos morais pelo não pagamento das compensações devidas
      - Juros nas acções laborais

      Sumário

      1. Não há lugar a indemnização por danos morais pelo não gozo por parte do trabalhador dos períodos de descanso semanais, anuais e feriados obrigatórios.
      2. Os juros só podem ser contados depois de liquidada a quantia em dívida ao trabalhador.
      3. O contrato celebrado entre um particular e a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A., para aquele trabalhar primeiro como assistente dos clientes e depois como croupier nos seus casinos, sob direcção efectiva, fiscalização e retribuição por parte desta, deve ser qualificado juridicamente como sendo um genuíno contrato de trabalho remunerado por conta alheia.
      4. As gorjetas dos trabalhadores dos Casinos, na sua última ratio devem ainda ser vistas como "rendimentos do trabalho", sendo devidos em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não originariamente como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do momento em que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, sendo que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que na sua base é um salário insuficiente para prover às necessidades básicas resultantes do próprio trabalho.
      5. Na actualidade, salário justo não é um simples preço dependente do livre consenso das partes, sendo necessário que o salário seja suficiente não só para o sustento, como para o necessário decoro do trabalhador e da sua família, não se reconduzindo ao preço de uma qualquer mercadoria, mas uma retribuição devida por justiça ao trabalhador como cooperador da empresa, dependendo também da situação desta, embora o trabalhador não deva sofrer pela inaptidão dos seus dirigentes, subordinando-se ao bem comum.
      6. Se do RJRT (Regulamento Jurídico das Relações de Trabalho) decorre a convencionalidade em determinados institutos das relações do trabalho, já em muitos outros domínios as normas dele constantes não deixam de ser manifestamente injuntivas, proclamadas e recepcionadas, aliás, pelo Direito Internacional, como sejam as relativas aos descansos e férias dos trabalhadores.
      7. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dia de descanso semanal no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M a fórmula é o “dobro da retribuição normal”.
      8. O Decreto-Lei n.º 101/84/M não previa a compensação pecuniária do trabalho prestado em dias de descanso semanal.
      9. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual, adoptam-se as seguintes fórmulas:
      - No âmbito do Decreto-Lei n.º 101/84/M, 1 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho x número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados;
      - E no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, 3 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho x número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados; caso não seja feita prova do impedimento do gozo do descanso pela entidade patronal, há que aplicar analogicamente a fórmula do “dobro da retribuição normal”.

      10. No âmbito do revogado Decreto-Lei n.º 101/84/M, não havia qualquer indemnização pelo trabalho prestado em feriados obrigatórios. E no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado pelo trabalhador em feriados obrigatórios remunerados, a compensação deve equivaler ao triplo da retribuição norma”.

      11. Nas acções laborais em que seja pedida a compensação por salários e compensações devidas, em face da necessidade do apuramento da compensações a efectuar e determinação dos respectivos pressupostos, manifestamente controvertidos, impõe-se uma certeza e liquidação dos montantes devidos que só com o trânsito da sentença se consegue atingir.

      12. Para que o trabalhador possa ser ressarcido pelos danos morais em face do incumprimento das regras laborais há que comprovar os respectivos pressupostos da responsabilidade pelos danos, para além de que nos montantes compensatórios já está subjacente uma componente de satisfação do sacrifício suportado pelo trabalhador.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      • Juizes adjuntos : Dr. Choi Mou Pan
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 26/07/2007 201/2005-II Recurso contencioso (Processo administrativo de que o TSI conhece em 1ª Instância)
    • Assunto

      – contrato sinalagmático
      – transmissão onerosa de bem imóvel
      – conflito de interesses
      – negócio consigo mesmo
      – registo de negócio anulável
      – Conservador do Registo Predial
      – art.° 59.° do Código do Registo Predial de Macau
      – princípio da legalidade
      – registo provísório por dúvidas
      – gestão de negócios
      – Diploma Legislativo n.º 651, de 3 de Fevereiro de 1940
      – concessão por arrendamento do terreno
      – adjudicação provisória
      – aproveitamento do terreno
      – concessão definitiva
      – transmissão da concessão
      – registo da concessão
      – Notário Privado
      – Estatuto dos Notários Privados
      – Decreto-Lei n.° 66/99/M, de 1 de Novembro
      – terreno rústico
      – contribuição predial urbana
      – Regulamento da Contribuição Predial Urbana
      – prédio omisso na matriz predial
      – declaração da omissão na matriz
      – art.° 78.°, n.º 1, do Código do Notariado de Macau
      – art.º 79.º, n.º 1, do Regulamento da Contribuição Predial Urbana
      – art.º 67.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento da Contribuição Predial Urbana
      – adquirente de prédio omisso na matriz

      Sumário

      1. Em contrato sinalagmático de transmissão onerosa de bem imóvel, há patente e natural conflito de interesses entre a parte alienante e a parte adquirente, pelo que à falta do consentimento específico prestado pelo representado alienante para efeitos de celebração de negócio consigo mesmo a favor do seu procurador, este não pode celebrar tal contrato em nome daquele alienante e ao mesmo tempo em representação da sociedade adquirente, sob pena da anulabilidade desse negócio de transmissão nos termos cominados no art.° 254.°, n.° 1, do Código Civil de Macau.
      2. Sobre a pretensão de registo de um negócio anulável, o Conservador do Registo Predial deve, no estrito cumprimento do seu dever de ofício exigido no art.° 59.° do Código do Registo Predial de Macau, proceder ao registo provísório do mesmo por dúvidas, à luz da regra ditada no art.° 61.° deste Código, não se podendo opor à validade jurídica desta decisão registral o facto de a anulabilidade do negócio só poder ser arguida, sob a égide da norma do n.° 1 do art.° 280.° do Código Civil, por pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, sob pena da inutilização completa do sentido e alcance do princípio da legalidade plasmado no n.° 1 do art.° 59.° do Código do Registo Predial, segundo o qual compete ao Conservador apreciar também, em face das disposições legais aplicáveis, a validade dos actos dispositivos contidos nos títulos.
      3. Não se verifica qualquer gestão de negócios como instituto jurídico regulado expressamente nos art.°s 458.° e seguintes do Código Civil, se o pretenso “gestor” não está, aquando da outorga de uma das escrituras públicas de compra e venda em questão nos presentes autos, a assumir a direcção de negócio alheio (cfr. A noção legal de gestão de negócios, plasmada no art.° 458.° do Código Civil), mas sim apenas a outorgá-la como mero representante da sociedade compradora e como tal previamente por esta designada para este acto.
      4. Segundo o Diploma Legislativo n.º 651, de 3 de Fevereiro de 1940:
      – a concessão por arrendamento dos “terrenos do Estado” era precedida, em princípio, da hasta pública (cfr. O art.º 53.º deste diploma legal), pelo que haveria lugar a adjudicação provisória da concessão por arrendamento a quem maior oferta fizesse na praça aberta, se isto também fosse conveniente aos “interesses do Estado” (vide o art.º 59.º);
      – e com a confirmação ulterior da adjudicação provisória, o adjudicatário era notificado a prestar em oito dias a caução do contrato de arrendamento, sob pena de ficar sem efeito a adjudicação (vide os art.ºs 62.º e 61.º);
      – contudo, a concessão por arrendamento não podia ser considerada definitiva com o mero acto de assinatura do contrato de concessão, precedido ou não da praça, porquanto a concessão poderia vir a ser considerada nula e de nenhum efeito, se o terreno concedido não fosse aproveitado em concreto pelo arrendatário (cfr. O art.º 63.º, e, em especial, o regime sancionatório previsto no parágrafo 1.º do art.º 40.º, aplicável por força do art.º 64.º), ou seja, só com o cumprimento total das obrigações do concessionário referentes ao aproveitamento do terreno é que se daria a concessão definitiva;
      – em qualquer caso, a transmissão dos arrendamentos era sujeita à autorização da entidade administrativa competente, devendo lavrar-se novo contrato com as novas condições impostas administrativamente, e aceites pelo novo arrendatário (vide o art.º 68.º).
      5. Desta feita, à falta da prova do concreto aproveitamento de um dos terrenos em causa nos autos e então concedido por arrendamento ao abrigo do referido Diploma Legislativo, não se pode considerar definitivo o registo da sua concessão mesmo à luz do regime do próprio Diploma Legislativo, segundo o qual, aliás, a transmissão de situações decorrentes da concessão dependia sempre da autorização administrativa competente, não obstante o facto de o Conservador do Registo Predial ter chegado a opinar ao Notário Privado ora Recorrente, antes da outorga da escritura de transmissão do mesmo terreno, no sentido de estar em causa um registo definitivo da concessão.
      6. Isto porque o que vale é aquilo que está consagrado na lei, e não a opinião jurídica de outrem, a qual, por isso, nunca tem a pretendida virtude de afastar a responsabilidade do Recorrente então como Notário Privado por qualquer erro de ofício cometido em actos notariais – cfr. Maxime o disposto no n.° 1 do art.° 15.° do Decreto-Lei n.° 66/99/M, de 1 de Novembro, definidor do vigente Estatuto dos Notários Privados.
      7. Como um dos terrenos rústicos em causa nos presentes autos já foi anexado, a pedido do então concessionário arrendatário particular, a outros terrenos sobre os quais se encontrava construída uma fábrica de panchões e fogos de artifício, o mesmo deveria ser considerado também abrangido pela contribuição predial urbana sob a égide das normas do n.º 1 do art.º 3.º e do art.º 2.º do Regulamento da Contribuição Predial Urbana, aprovado pela Lei n.º 19/78/M, de 12 de Agosto, e como tal deveria haver a consignação da declaração a que se refere o n.º 1 do art.° 78.° do Código do Notariado de Macau, no texto de todo o instrumento em que se descrevesse o mesmo terreno, então ainda omisso na matriz predial.
      8. Aliás, a declaração da omissão desse terreno na matriz seria sempre obrigatória, independentemente da questão de natureza rústica do mesmo, em face do preceito do n.º 1 do art.º 79.º do referido Regulamento da Contribuição Predial Urbana, de acordo com o qual “Os adquirentes de prédios omissos na matriz [...] são obrigados a declarar a omissão na Repartição ou Delegação de Finanças, nos prazos de 30 ou de 60 dias, consoante se trate de aquisição a título oneroso ou gratuito, contados ambos da data da transmissão”, estipulação jurídica esta que está em íntima conexão com a alínea a) do n.º 1 do art.º 67.º do mesmo Regulamento, que reza que “Devem também ser levadas às matrizes prediais as alterações que resultem de: a) Avaliações [...] realizadas para efeitos de liquidação da [...] Sisa [...]” (devendo a expressão “Sisa” ser entendida actualmente como “imposto do selo” – cfr. As disposições conjugadas do art.° 51.°, n.° 1, alínea a), e n.° 3, alínea n), art.° 53.°, n.° 1, art.° 54.°, n.° 1, art.° 55.°, n.° 1, e art.° 62.°, n.° 2, todos do texto vigente do Regulamento do Imposto do Selo, sendo certo que por definição legal (feita no art.º 53.º do dito Regulamento), a matriz predial é o tombo de todos os prédios situados em Macau.

       
      • Votação : Com declaração de voto
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 26/07/2007 181/2006 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      - Contrato de trabalho
      - Salário justo
      - Gorjetas
      - Liberdade contratual
      - Compensação pela falta de gozo dos dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios

      Sumário

      1. O contrato celebrado entre um particular e a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A., para aquele trabalhar primeiro como assistente dos clientes e depois como croupier nos seus casinos, sob direcção efectiva, fiscalização e retribuição por parte desta, deve ser qualificado juridicamente como sendo um genuíno contrato de trabalho remunerado por conta alheia.
      2. As gorjetas dos trabalhadores dos Casinos, na sua última ratio devem ainda ser vistas como "rendimentos do trabalho", sendo devidos em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não originariamente como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do momento em que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, sendo que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que na sua base é um salário insuficiente para prover às necessidades básicas resultantes do próprio trabalho.
      3. Na actualidade, salário justo não é um simples preço dependente do livre consenso das partes, sendo necessário que o salário seja suficiente não só para o sustento, como para o necessário decoro do trabalhador e da sua família, não se reconduzindo ao preço de uma qualquer mercadoria, mas uma retribuição devida por justiça ao trabalhador como cooperador da empresa, dependendo também da situação desta, embora o trabalhador não deva sofrer pela inaptidão dos seus dirigentes, subordinando-se ao bem comum.
      4. Se do RJRT (Regulamento Jurídico das Relações de Trabalho) decorre a convencionalidade em determinados institutos das relações do trabalho, já em muitos outros domínios as normas dele constantes não deixam de ser manifestamente injuntivas, proclamadas e recepcionadas, aliás, pelo Direito Internacional, como sejam as relativas aos descansos e férias dos trabalhadores.
      5. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dia de descanso semanal no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M a fórmula é o “dobro da retribuição normal”.
      6. O Decreto-Lei n.º 101/84/M não previa a compensação pecuniária do trabalho prestado em dias de descanso semanal.
      7. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual, adoptam-se as seguintes fórmulas:
      - No âmbito do Decreto-Lei n.º 101/84/M, 1 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho x número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados;
      - E no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, 3 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho x número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados; caso não seja feita prova do impedimento do gozo do descanso pela entidade patronal, há que aplicar analogicamente a fórmula do “dobro da retribuição normal”.

      8. No âmbito do revogado Decreto-Lei n.º 101/84/M, não havia qualquer indemnização pelo trabalho prestado em feriados obrigatórios. E no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado pelo trabalhador em feriados obrigatórios remunerados, a compensação deve equivaler ao triplo da retribuição norma”.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      • Juizes adjuntos : Dr. Choi Mou Pan
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 26/07/2007 173/2007 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      – Direito do Trabalho
      – trabalho subordinado por conta alheia
      – casino
      – Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L.
      – salário mensal
      – gorjetas
      – Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto
      – Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril
      – indemnização pelo trabalho em dias de descanso semanal
      – indemnização pelo trabalho em dias de descanso anual
      – indemnização pelo trabalho em feriados obrigatórios
      – fórmulas de cálculo

      Sumário

      1. O objecto do Direito do Trabalho é apenas o trabalho por conta alheia, no sentido de que a utilidade patrimonial do trabalho é atribuída a pessoa distinta do trabalhador, ou seja, ao empregador, que a adquire a título originário. Os bens ou serviços produzidos pelo trabalhador ao abrigo do contrato de trabalho por conta alheia não são do trabalhador, mas sim do empregador, que, por sua vez, compensa o trabalhador com uma parte da utilidade patrimonial que obteve com o trabalho deste – o salário.
      2. Apesar de o trabalhador poder ter sido chamado pelo seu empregador a trabalhar, ou até ter trabalhado voluntariamente, em dias destinados a descansos semanal e/ou anual e/ou até em feriados obrigatórios, tal não implica que o trabalho assim prestado não precise de ser compensado nos termos legalmente devidos.
      3. Aliás, é para proteger o trabalhador contra eventual necessidade, ditada pelo seu empregador, de prestação de trabalho em dias de descansos semanal e/ou anual e/ou de feriados obrigatórios que a lei laboral de Macau tem procurado estipular regras de compensação ou pagamento desse tipo de trabalho, mesmo que prestado de modo voluntário (cfr. Os art.ºs 17.º, n.º 4, 18.º e 21.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, e os art.ºs 17.º, n.ºs 4 e 6, 18.º, 20.º e 24.º, do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, sucessor daquele).
      4. Com isso, fica realmente destituído de sentido prático fazer discutir a admissibilidade de limitação voluntária ou de renúncia dos ditos direitos do trabalhador: é que mesmo que o trabalhador se disponibilize a não gozar os dias de descanso semanal e/ou anual e/ou feriados obrigatórios a fim de trabalhar voluntariamente para o seu empregador, a lei laboral sempre o protegerá da situação de prestação de trabalho nesses dias, desde que o trabalhador o reclame.
      5. Daí se pode retirar a asserção de que qualquer eventual limitação voluntária ou renúncia voluntária desses direitos por parte do trabalhador é retractável, sob a égide das mencionadas normas cogentes consagradas nesta matéria na lei laboral, o que se justifica pela necessidade de proteger o trabalhador contra a sua compreensível inibição psicológica em discutir frontalmente com o seu empregador aquando da plena vigência da relação contratual de trabalho, sobre o exercício desses seus direitos laborais, caso este não seja cumpridor voluntário nem rigoroso da lei laboral em prol dos interesses daquele.
      6. O salário da Autora como trabalhadora da Ré Sociedade de Turismo de Diversões de Macau, S.A.R.L., sendo composto por uma parte quantitativa fixa de valor reduzido, e por um outra remanescente, de quantia variável consoante o montante de gorjetas dadas pelos clientes dos casinos da mesma sociedade exploradora de jogos a seus trabalhadores, e depois distribuídas periodicamente por esta aos seus trabalhadores segundo as regras pré-fixadas, está em quantum materialmente variável, devido exclusivamente a essa forma do seu cálculo, e já não também em função do resultado de trabalho efectivamente produzido, nem, tão-pouco, do período de trabalho efectivamente prestado.
      7. Por isso, a quota-parte de gorjetas a ser distribuída à Autora integra precisamente o seu salário, pois caso contrário, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta dessa sociedade por anos seguidos como trabalhador dos casinos da Ré, sabendo, entretanto, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido.
      8. Deste modo, o salário da Autora não é salário diário nem fixado em função do período de trabalho efectivamente prestado, mas sim salário mensal, por ser este a situação-regra, por normal.
      9. Antes da entrada em vigor, no dia 1 de Setembro de 1984, da primeira lei reguladora das Relações de Trabalho em Macau, ou seja, do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, toda a relação de trabalho em Macau tinha que ser regida pelo próprio convencionado entre as duas partes empregadora e trabalhadora.
      10. E desde o dia 1 de Setembro de 1984 até 2 de Abril de 1989 inclusive, já vigoravam, salvo o tratamento mais favorável para a parte trabalhadora resultante de outro regime, os condicionalismos mínimos legais garantísticos a observar em Macau nomeadamente nas relações de trabalho remunerado por conta alheia, pela primeira vez traçados sob a forma de lei nesse Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto.
      11. E a partir do dia 3 de Abril de 1989, tem vigorado o regime consagrado no Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, revogatório daquele primeiro diploma, com a nuance de que os seus art.ºs 17.º (apenas no seu n.º 6) e 26.º (excepto o seu n.º 1) passaram a ter a redacção dada pelo artigo único do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, vocacionado a afastar as dúvidas até então surgidas quanto ao regime de descanso semanal no caso de trabalhadores que auferem salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado.
      12. O n.º 1 do art.º 26.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M visa tão-só proteger o trabalhador contra eventual redução do seu salário mensal por parte do seu empregador sob pretexto de não prestação de trabalho nos períodos de descanso semanal e anual e dos feriados obrigatórios, e, por isso, já não se destina a determinar o desconto do valor da remuneração normal na compensação/indemnização pecuniária a pagar ao trabalhador no caso de prestação de trabalho em algum desses dias.
      13. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dia de descanso semanal no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, que entrou imediatamente em vigor, por força do seu art.º 57.º, no próprio dia da sua publicação (3 de Abril de 1989), com intuito legislativo nítido de favorecer quanto antes a classe trabalhadora, pois este novo diploma lhe confere mais direitos laborais do que os já garantidos no anterior Decreto-Lei n.º 101/84/M, a fórmula é o “dobro da retribuição normal”. Isto é, e matematicamente falando, 2 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho em consideração x número de dias de descanso semanal por ano, não gozados.
      14. O primeiro dia de descanso semanal a que o trabalhador tinha direito deveria ser o dia imediatamente seguinte ao primeiro período de seis dias de trabalho prestado logo após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 24/89/M em 3 de Abril de 1989, pois o descanso só se justifica depois de cada período de trabalho de seis dias, tal como o que se pode retirar da letra do n.º 1 do art.º 17.º deste diploma, sendo de defender que a entidade patronal não pode fazer variar o dia de repouso semanal, tornando incerto o dia destinado a esse fim.
      15. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual sob a vigência do Decreto-Lei n.º 101/84/M a partir do dia 1 de Setembro de 1984 (sendo claro que o direito a descanso anual em cada ano civil só se vence naturalmente depois de decorrido o ano civil a que esse direito anual se reporta), a fórmula é (art.ºs 24.º, n.º 2, e 23.º – eram seis dias, logicamente úteis, de descanso anual) o “salário correspondente a esse período”. Isto é, 1 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho em consideração x número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados.
      16. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, a fórmula é (art.ºs 24.º e 21.º) o “triplo da retribuição normal”, se houver prova do impedimento pelo empregador do gozo desses dias, como pressupõe expressamente a letra do art.° 24.°. Isto é, 3 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho em consideração x número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados. Pois, caso contrário, já haverá que aplicar analogicamente a fórmula do “dobro da retribuição normal” à situação objectiva de prestação de trabalho nos dias de descanso anual, i.e., sem qualquer impedimento por acção da entidade patronal do exercício do direito do gozo desse descanso, sob pena de flagrante injustiça relativa em confronto com a compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.
      17. Sob a égide do Decreto-Lei n.º 24/89/M, são seis dias de feriados obrigatórios “remunerados” por ano, sendo certo que a Lei n.º 8/2000, de 8 de Maio, que mantém igualmente em dez dias os feriados obrigatórios, deixa intocados esses mesmos seis dias de feriados obrigatórios “remunerados”, quais sejam, o Primeiro de Janeiro, os Três Dias do Ano Novo Chinês, o Primeiro de Maio e o Primeiro de Outubro.
      18. E para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado pela Autora à Ré em feriados obrigatórios “remumerados” sob a vigência do Decreto-Lei n.º 24/89/M, a fórmula é o “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal”, para além naturalmente da retribuição a que tem direito, caso tenha que trabalhar nesses feriados, a despeito da regra da dispensa obrigatória de prestação de trabalho (art.ºs 20.º, n.º 1, e 19.º, n.ºs 2 e 3), o que, à falta de outra fórmula remuneratória convencionada mais favorável à parte trabalhadora, equivale, materialmente, ao “triplo da retribuição normal”, que se justifica, aliás, pelo especial significado desses dias que os tornou eleitos pelo próprio legislador como sendo feriados obrigatórios “remunerados”.
      19. Entretanto, no âmbito do mesmo Decreto-Lei n.º 24/89/M, a Autora não pode reclamar a indemnização pelo trabalho prestado nos quatro dias de feriados obrigatórios “não remunerados”, uma vez que o n.º 2 do art.º 20.º deste diploma só prevê a indemnização do trabalho em feriados obrigatórios “não remunerados” prestado ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo, e já não também na situação da alínea c) do mesmo n.º 1.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 26/07/2007 169/2007 Recurso em processo penal
    • Assunto

      - Crime de “branqueamento de capitais”.
      - Crime de “burla”.
      - Constituição de assistente.
      - Legitimidade.

      Sumário

      1. O ofendido de um crime de burla que deposita montantes pecuniários numa conta de uma suposta cliente sua, e cujos montantes terão sido objecto de “branqueamento” através de posteriores transferências bancárias, não tem legitimidade para se constituir assistente quanto ao referido crime de “branqueamento de capitais”, já que não é o titular do objecto jurídico imediato do referido crime.
      2. O crime de “burla”, sendo um crime de resultado, consuma-se com a ocorrência do prejuízo no património do ofendido, ou seja, quando a coisa objecto da burla sai da esfera patrimonial do defraudado.
      3. Se dos elementos existentes nos autos, for de concluir que não são os Tribunais locais competentes para se conhecer de uma burla denunciada pelo respectivo ofendido, (por inexistência de qualquer “elemento de conexão” para o efeito), motivos não existem para se admitir a sua constituição como assistente em relação ao mesmo crime.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
      • Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
      •   Dr. Lai Kin Hong