Acórdãos

Tribunal de Segunda Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 16/03/2006 299/2005 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      - Réplica
      - Força probatória dos documentos particulares
      - Contrato de empreitada; preço
      - Trabalhos a mais

      Sumário

      1. Na réplica o autor pode completar e concretizar a matéria de facto alegada na petição.

      2. A discussão da força probatória dos documentos é permitida pelo disposto na última parte do n.º 2 do art. 438°, mas tal não se esgota com a posição manifestada no aludido requerimento, bem podendo o juízo crítico sobre essas provas ser produzido em sede de alegações no julgamento.

      3. No que à força probatória dos documentos particulares respeita, à excepção dos documentos assinados pelo seu autor, são esses documentos de prova livre para o julgador. Em relação aos restantes, não impugnada a assinatura, tem-se por genuíno o texto e demonstrada a genuidade, será ele confessório na medida em que contrário aos interesses do declarante.

      4. O preço é um dos elementos distintivos do contrato de empreitada, assumindo uma importância fundamental na vontade de contratar das partes.

      5. No despacho saneador devem-se conhecer das excepções dilatórias e nulidades processuais que tenham sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, se devam apreciar oficiosamente.
      6. A prova dos trabalhos a mais e alterações introduzidas na sequência de um contrato de empreitada não passa por uma prova tarifada, necessariamente reduzida a escrito.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      • Juizes adjuntos : Dr. Choi Mou Pan
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 16/03/2006 80/2006 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      Pedido reconvencional.
      Admissibilidade.

      Sumário

      1. O pedido reconvencional constitui uma espécie de “contra-acção” ou “acção cruzada”, em que existe um pedido autónomo formulado pelo R. contra o A. : à acção proposta pelo A. contra o R., responde este com outra “acção” proposta contra aquele.
      2. A admissão do pedido reconvencional depende da verificação dos requisitos “substanciais” e “processuais” previstos no artº 218º do C.P.C.M..
      3. A inadmissibilidade do pedido reconvencional constitui excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso e conducente à absolvição do reconvindo da instância reconvencional.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
      • Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 16/03/2006 5/2006 Recurso em processo penal
    • Assunto

      - Medida da pena

      Sumário

      1. O Juiz, ao emitir o seu juízo de culpa ou ao medir a pena, não pode furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal.
      2. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita e assim o critério essencial da medida da pena

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      • Juizes adjuntos : Dr. Choi Mou Pan
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 16/03/2006 18/2006 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      – âmbito de decisão do recurso
      – Direito do Trabalho
      – princípio do favor laboratoris
      – trabalho subordinado por conta alheia
      – prestação do trabalhador
      – retribuição
      – subordinação jurídica
      – teoria do risco
      – teoria do beneficiário dos resultados obtidos
      – casino
      – Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.
      – salário mensal
      – gorjetas
      – Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto
      – Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril
      – art.º 26.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril
      – indemnização pelo trabalho em dias de descanso semanal
      – indemnização pelo trabalho em dias de descanso anual
      – indemnização pelo trabalho em feriados obrigatórios
      – paz social
      – obediência à lei
      – art.º 7.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil de Macau
      – danos não patrimoniais
      – indemnização rescisória
      – despedimento sem justa causa
      – juros legais
      – art.º 794.º, n.º 4, do Código Civil de Macau

      Sumário

      1. O tribunal ad quem só resolve as questões concretamente postas pela parte recorrente e delimitadas pelas conclusões das suas alegações de recurso, transitando em julgado as questões nelas não contidas, mesmo que alguma vez tenham aí sido invocadas.
      2. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista, pelo que o que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo, pois, apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.
      3. O Direito do Trabalho aparece com a generalização de um tipo específico de trabalho humano – o trabalho produtivo, voluntário, dependente e por conta alheia – que substitui definitivamente o trabalho forçoso característico das economias do mundo antigo, tipo de trabalho específico esse que com a Revolução Industrial alcançou importância suficiente de modo a determinar a necessidade de se criar um corpo normativo dirigido à sua regulamentação.
      4. Sendo reconhecido em geral que o trabalhador se encontra numa posição de inferioridade em relação ao empregador no estabelecimento e desenvolvimento da relação do trabalho, o Direito do Trabalho assume-se como um direito de protecção e justifica-se pela necessidade de corrigir, por via legal, certas situações de desigualdade, através da imposição de restrições ao normal desenvolvimento do princípio da autonomia da vontade, por um lado, e, por outro, pela constatação de que, sem a intervenção do legislador juslaboralístico, o trabalhador fica sujeito a todo um conjunto de pressões de que não pode facilmente escapar, em virtude da necessidade que tem do emprego e do salário para dar satisfação a necessidades vitais suas e dos seus familiares.
      5. Portanto, ao interpretar e aplicar qualquer legislação juslaboralística, há que atender necessariamente ao princípio do favor laboratoris elaborado pela doutrina atentas essas especificidades do Direito do Trabalho, a fim de ir ao encontro da exigência do cânone de hermenêutica jurídica do n.º 1 do art.º 8.º do Código Civil de Macau.
      6. Na verdade, este princípio do favor laboratoris, como um dos derivados do princípio da protecção do trabalhador informador do Direito do Trabalho, para além de orientar o legislador na feitura das normas juslaborais (sendo exemplo paradigmático disto o próprio disposto no art.º 5.º, n.º 1, e no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril), deve ser tido pelo menos também como farol de interpretação da lei laboral, sob o qual o intérprete-aplicador do direito deve escolher, na dúvida, o sentido ou a solução que mais favorável se mostre aos trabalhadores no caso considerado, em virtude do objectivo de protecção do trabalhador que o Direito do Trabalho visa prosseguir.
      7. O contrato de trabalho subordinado caracteriza-se por três elementos essenciais: a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.
      8. No tocante ao primeiro elemento, o que está in obligatio é a própria actividade a que o trabalhador se obrigou e que a outra parte, o empregador, organiza e dirige no sentido de um resultado que está fora do contrato. Por isso, o trabalhador que tenha cumprido diligentemente essa sua prestação de trabalho não pode ser responsabilizado, se o resultado pretendido pelo empregador não for atingido. E basta, por outro lado, que o trabalhador se encontre à disposição do empregador no tempo e no local de trabalho para cumprir a sua obrigação.
      9. Quanto ao elemento retribuição, este já é a obrigação principal do empregador no contrato de trabalho, como troca da disponibilidade da força de trabalho do trabalhador.
      10. E no que tange ao elemento subordinação jurídica, este traduz-se numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato, face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem. Assim, é ao credor (empregador) que compete dizer onde, quando, como e com que meios deve o trabalhador executar a actividade a que se obrigou por contrato. E esta subordinação jurídica não se limita aos momentos que antecedem o início da prestação laboral, antes se mantém durante a execução desta. E como é um poder jurídico, não é necessário que o empregador o exerça de modo efectivo, mas basta que o possa exercer.
      11. O objecto do Direito do Trabalho é apenas o trabalho por conta alheia, no sentido de que a utilidade patrimonial do trabalho é atribuída a pessoa distinta do trabalhador, ou seja, ao empregador, que a adquire a título originário. Os bens ou serviços produzidos pelo trabalhador ao abrigo do contrato de trabalho por conta alheia não são do trabalhador, mas sim do empregador, que, por sua vez, compensa o trabalhador com uma parte da utilidade patrimonial que obteve com o trabalho deste – o salário.
      12. Por isso, o trabalho por conta alheia é explicado quer pela teoria do risco, quer pela teoria do beneficiário dos resultados obtidos.
      13. Segundo a teoria do risco, o trabalho por conta alheia é aquele em que o trabalhador exerce a sua actividade sem assumir os riscos da exploração do empregador.
      14. Enquanto de acordo com a teoria do beneficiário dos resultados obtidos, o trabalho por conta alheia é aquele em que o trabalhador não se apropria dos frutos do trabalho.
      15. E apesar de o trabalhador poder ter sido chamado pelo seu empregador a trabalhar, ou até ter trabalhado voluntariamente, em dias destinados a descansos semanal e/ou anual e/ou até em feriados obrigatórios, tal não implica que o trabalho assim prestado não precise de ser compensado nos termos legalmente devidos.
      16. Aliás, é para proteger o trabalhador contra eventual necessidade, ditada pelo seu empregador, de prestação de trabalho em dias de descansos semanal e/ou anual e/ou de feriados obrigatórios que a lei laboral de Macau tem procurado estipular regras de compensação ou pagamento desse tipo de trabalho, mesmo que prestado de modo voluntário (cfr. Os art.ºs 17.º, n.º 4, 18.º e 21.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, e os art.ºs 17.º, n.ºs 4 e 6, 18.º, 20.º e 24.º, do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, sucessor daquele).
      17. Com isso, fica realmente destituído de sentido prático fazer discutir a admissibilidade de limitação voluntária ou de renúncia dos ditos direitos do trabalhador: é que mesmo que o trabalhador se disponibilize a não gozar os dias de descanso semanal e/ou anual e/ou feriados obrigatórios a fim de trabalhar voluntariamente para o seu empregador, a lei laboral sempre o protegerá da situação de prestação de trabalho nesses dias, desde que o trabalhador o reclame.
      18. Uma vez reclamada essa protecção mínima legal, o empregador tem que compensar in natura (através, por exemplo, de concessão de descanso compensatório) ou pagar o trabalho prestado nesses dias, embora não o queira fazer.
      19. Daí se pode retirar a asserção de que qualquer eventual limitação voluntária ou renúncia voluntária desses direitos por parte do trabalhador é retractável, sob a égide das mencionadas normas cogentes consagradas nesta matéria na lei laboral, o que se justifica pela necessidade de proteger o trabalhador contra a sua compreensível inibição psicológica em discutir frontalmente com o seu empregador aquando da plena vigência da relação contratual de trabalho, sobre o exercício desses seus direitos laborais, caso este não seja cumpridor voluntário nem rigoroso da lei laboral em prol dos interesses daquele.
      20. O salário do Autor como trabalhador da Ré Sociedade de Turismo de Diversões de Macau, S.A., sendo composto por uma parte quantitativa fixa de valor reduzido, e por um outra remanescente, de quantia variável consoante o montante de gorjetas dadas pelos clientes dos casinos da mesma sociedade exploradora de jogos a seus trabalhadores, mas reunidas e contabilizadas por esta e depois também por ela distribuídas para os seus trabalhadores, está em quantum materialmente variável, devido exclusivamente a essa forma do seu cálculo, e já não também em função do resultado de trabalho efectivamente produzido, nem, tão-pouco, do período de trabalho efectivamente prestado.
      21. Por isso, a quota-parte de gorjetas a ser distribuída ao Autor pela Sociedade de Turismo de Diversões de Macau, S.A., integra precisamente o salário daquela, pois caso contrário, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta dessa sociedade por anos seguidos como trabalhador dos seus casinos, sabendo, entretanto, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido.
      22. Deste modo, o salário do Autor não é fixado em função do período de trabalho efectivamente prestado, nem é um salário diário, mas sim um salário mensal, por ser este a situação-regra, por normal, vista mesmo sob a égide de presunções judiciais com recurso a regras da experiência da vida humana.
      23. Na verdade, se fosse um salário diário ou salário fixado em função do período de trabalho efectivamente prestado, a necessária laboração contínua e permanente daquela sociedade comercial como exploradora de jogos em Macau por decorrência da legislação especial aplicável a essa sua actividade sairia deveras comprometida, visto que para se verificar este efeito nefasto, bastaria que o Autor e/ou outros seus colegas de trabalho na mesma situação dele não viessem a comparecer nos casinos daquela em cumprimento dos rigorosos horários de trabalho por esta fixados em relação a cada um dos seus trabalhadores para garantir tal funcionamento contínuo, ou viessem a trabalhar dia sim dia não a seu bel-prazer, ou só em dias em que os horários lhes fossem mais favoráveis, já que a retribuição do trabalho seria, de qualquer maneira, igualmente calculada em função dos dias de trabalho efectivamente prestado.
      24. Antes da entrada em vigor, no dia 1 de Setembro de 1984, da primeira lei reguladora das Relações de Trabalho em Macau, ou seja, do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, toda a relação de trabalho em Macau tinha que ser regida pelo próprio convencionado entre as duas partes empregadora e trabalhadora.
      25. E desde o dia 1 de Setembro de 1984 até 2 de Abril de 1989 inclusive, já vigoravam, salvo o tratamento mais favorável para a parte trabalhadora resultante de outro regime, os condicionalismos mínimos legais garantísticos a observar em Macau nomeadamente nas relações de trabalho remunerado por conta alheia, pela primeira vez traçados sob a forma de lei nesse Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto.
      26. A partir do dia 3 de Abril de 1989 inclusive até à presente data, tem vigorado o regime consagrado no Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, com a nuance de que os seus art.ºs 17.º (apenas no seu n.º 6) e 26.º (excepto o seu n.º 1) passaram a ter a redacção dada pelo artigo único do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, vocacionado a afastar as dúvidas até então surgidas quanto ao regime de descanso semanal no caso de trabalhadores que auferem salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado.
      27. O n.º 1 do art.º 26.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, atentos os termos empregues na redacção da sua parte final, visa tão-só proteger o trabalhador contra eventual redução do seu salário mensal por parte do seu empregador sob pretexto de não prestação de trabalho nos períodos de descanso semanal e anual e dos feriados obrigatórios, e, por isso, já não se destina a determinar o desconto do valor da remuneração normal na compensação/indemnização pecuniária a pagar ao trabalhador no caso de prestação de trabalho em algum desses dias.
      28. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dia de descanso semanal no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, que entrou imediatamente em vigor, por força do seu art.º 57.º, no próprio dia da sua publicação (3 de Abril de 1989), com intuito legislativo nítido de favorecer quanto antes a classe trabalhadora, pois este novo diploma lhe confere mais direitos laborais do que os já garantidos no anterior Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, a fórmula é o “dobro da retribuição normal”. Isto é, e matematicamente falando, 2 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho em consideração x número de dias de descanso semanal por ano, não gozados.
      29. O primeiro dia de descanso semanal a que o trabalhador tinha direito deveria ser depois do primeiro período de seis dias de trabalho sob a vigência imediata do Decreto-Lei n.° 24/89/M em 3 de Abril de 1989, pois o descanso só se justifica depois de cada período de trabalho de seis dias, tal como o que se pode retirar da letra do n.º 1 do art.º 17.º deste diploma, sendo de defender que a entidade patronal não pode fazer variar o dia de repouso semanal, tornando incerto o dia destinado a esse fim.
      30. De facto, o descanso semanal pressupõe a prestação de trabalho efectivo durante um determinado período, por forma a que seja imprescindível à recuperação das energias físicas e psíquicas do trabalhador, daí que não possa acontecer antes da prestação de trabalho que o justifica, sob pena de inversão lógica.
      31. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual sob a vigência do Decreto-Lei n.º 101/84/M a partir do dia 1 de Setembro de 1984 (sendo claro que o direito a descanso anual em cada ano civil só se vence naturalmente depois de decorrido o ano civil a que esse direito anual se reporta), a fórmula é (art.ºs 24.º, n.º 2, e 23.º – eram seis dias, logicamente úteis, de descanso anual): o “salário correspondente a esse período”. Isto é, 1 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho em consideração x número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados (com a observação de que o n.º 2 do art.º 24.º deve ser interpretado, à luz do princípio do favor laboratoris, como abrangendo também a situação da cessação da relação de trabalho ocorrida só depois da cessação da vigência do próprio Decreto-Lei n.º 101/84/M no dia 3 de Abril de 1989.
      32. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M (art.ºs 24.º e 21.º – são igualmente seis dias úteis de descanso anual), a fórmula é o “triplo da retribuição normal”, se houver prova do impedimento pelo empregador do gozo desses dias, como pressupõe expressamente a letra do seu art.° 24.°. Isto é, 3 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho em consideração x número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados. Pois, caso contrário, já há que aplicar analogicamente a fórmula do “dobro da retribuição normal” à situação objectiva de prestação de trabalho nos dias de descanso anual, i.e., sem qualquer impedimento por acção da entidade patronal do exercício do direito do gozo desse descanso, sob pena de flagrante injustiça relativa em confronto com a compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.
      33. Sob a égide do Decreto-Lei n.º 24/89/M, são seis dias de feriados obrigatórios “remunerados” por ano, sendo certo que a Lei n.º 8/2000, de 8 de Maio, que mantém igualmente em dez dias os feriados obrigatórios, deixa intocados esses mesmos seis dias de feriados obrigatórios “remunerados”, quais sejam, o Primeiro de Janeiro, os Três Dias do Ano Novo Chinês, o Primeiro de Maio e o Primeiro de Outubro.
      34. E para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado pelo Autor à Ré em feriados obrigatórios “remumerados” sob a vigência do Decreto-Lei n.º 24/89/M, a fórmula é o “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal”, para além naturalmente da retribuição a que tem direito, caso tenha que trabalhar nesses feriados, a despeito da regra da dispensa obrigatória de prestação de trabalho (art.ºs 20.º, n.º 1, e 19.º, n.ºs 2 e 3), o que, à falta de outra fórmula remuneratória convencionada mais favorável à parte trabalhadora, equivale, materialmente, ao “triplo da retribuição normal”, que se justifica, aliás, pelo especial significado desses dias que os tornou eleitos pelo próprio legislador como sendo feriados obrigatórios “remunerados”.
      35. Entretanto, no âmbito do mesmo Decreto-Lei n.º 24/89/M, o Autor não pode reclamar a indemnização pelo trabalho prestado nos quatro dias de feriados obrigatórios “não remunerados”, uma vez que o n.º 2 do art.º 20.º deste diploma só prevê a indemnização do trabalho em feriados obrigatórios “não remunerados” prestado ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo, e já não também na situação da alínea c) do mesmo n.º 1.
      36. O valor da paz social não está minimamente posto em causa, quando o tribunal se limita a decidir de acordo com a lei nos termos plasmados no art.º 7.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil de Macau, com natural abstracção das preocupações exclusivamente pessoais das partes em pleito.
      37. O sacrifício do Autor como trabalhador da Ré, traduzido no facto de ele, por causa do seu trabalho, ter estado cansado e com pouco tempo para passar tempo de lazer com a sua família ou para ir passear, já ficou compensado pecuniariamente pelo nível remuneratório que possuiu enquanto trabalhador daquela sociedade exploradora de jogos, pelo que não pode servir de fundamento para reclamar a reparação dos danos não patrimoniais alegadamente sofridos por causa desse sofrimento.
      38. Não há indemnização rescisória pelo alegado despedimento sem justa causa, se não se provar nenhum despedimento sem justa causa.
      39. Sendo considerados ilíquidos os créditos indemnizatórios em questão na acção cível laboral, os juros legais da respectiva soma indemnizatória só serão calculados a partir do trânsito em julgado da decisão judicial que a fixa definitivamente (por força maxime do n.º 4 do art.º 794.º do Código Civil de Macau).

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 16/03/2006 27/2006 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      – âmbito de decisão do recurso
      – legitimidade passiva
      – art.º 58.º do Código de Processo Civil de Macau
      – tentativa prévia de conciliação perante o Ministério Público
      – prova do malogro da tentativa de conciliação
      – condição de procedibilidade da acção
      – suspensão da instância
      – prova pericial
      – salário justo em Macau
      – Direito do Trabalho
      – princípio do favor laboratoris
      – trabalho subordinado por conta alheia
      – prestação do trabalhador
      – retribuição
      – subordinação jurídica
      – teoria do risco
      – teoria do beneficiário dos resultados obtidos
      – casino
      – Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.
      – salário mensal
      – gorjetas
      – Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto
      – Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril
      – art.º 26.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril
      – indemnização pelo trabalho em dias de descanso semanal
      – indemnização pelo trabalho em dias de descanso anual
      – indemnização pelo trabalho em feriados obrigatórios
      – paz social
      – obediência à lei
      – art.º 7.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil de Macau
      – licença de maternidade
      – prova exigida do estado de gravidez e do parto
      – art.° 37.°, n.ºs 6 e 7, do Decreto-Lei n.° 24/89/M, de 3 de Abril

      Sumário

      1. O tribunal ad quem só resolve as questões concretamente postas pela parte recorrente e delimitadas pelas conclusões das suas alegações de recurso, transitando em julgado as questões nelas não contidas, mesmo que alguma vez tenham aí sido invocadas.
      2. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista, pelo que o que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo, pois, apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.
      3. A legitimidade processual da Ré é aferida, nos termos do art.º 58.º do Código de Processo Civil de Macau, em função da relação material controvertida configurada pela Autora.
      4. É de adoptar a “prática anterior” resultante do texto do revogado Código de Processo do Trabalho Português de 1963 (na sua versão outrora tornada nomeadamente extensiva a Macau com efeitos a partir do Primeiro de Setembro de 1970, por força do n.º 1 da Portaria n.º 87/70) na questão da tentativa de conciliação, por aplicação analógica da permissão materialmente constante do proémio do Anexo II da Lei de Reunificação (n.º 1/1999, de 20 de Dezembro), em toda a acção cível emergente de causa laboral, intentada na plena vigência desta Lei, mas antes da entrada em vigor do actual Código de Processo do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 9/2003, de 30 de Junho.
      5. De facto, a exigência de realização prévia e imprescindível da tentativa de conciliação entre as duas partes em conflito numa causa laboral perante o Ministério Público como defensor da legalidade em geral e, em especial, também patrono oficioso dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de carácter social caso estes não recorram ao serviço de um mandatário judicial, só lhes contribui para o encontro de uma solução, pretendida e vocacionalmente amigável, do pleito, sem recurso ainda a uma acção formal a conhecer por um tribunal competente para as causas laborais.
      6. Por isso, a falta da prova de realização de tentativa prévia de conciliação perante o Ministério Público constitui efectivamente um obstáculo ao seguimento para frente de uma acção cível declarativa laboral.
      7. Se qualquer acção deste tipo tiver sido apresentada ao tribunal sem junção da prova do malogro da dita tentativa prévia de conciliação, o juiz não a deve indeferir in limine, mas sim declarar logo, nos termos legais conjugados dos art.ºs 220, n.º 1, al. e), e 226.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil de Macau, suspensa a instância da acção, por se verificar e enquanto se verificar a falta daquela prova pela parte autora, já que essa prova deve ser tida como uma “condição de procedibilidade” da acção, e não como uma “condição de procedência” ou “condição de provimento”.
      8. Assim sendo, a acção laboral entretanto já proposta mas sem tal prova poderá voltar a seguir para frente nos termos gerais previstos nas normas aplicáveis do mesmo Código de Processo Civil para acções declarativas em geral, caso a parte autora venha a apresentar a prova do fracasso da tentativa de conciliação perante o Ministério Público, se bem que realizada em data posterior à propositura da acção.
      9. Deve ser indeferida qualquer pretensão de realização da prova pericial sobre o que se deveria entender por salário justo em Macau.
      10. O Direito do Trabalho aparece com a generalização de um tipo específico de trabalho humano – o trabalho produtivo, voluntário, dependente e por conta alheia – que substitui definitivamente o trabalho forçoso característico das economias do mundo antigo, tipo de trabalho específico esse que com a Revolução Industrial alcançou importância suficiente de modo a determinar a necessidade de se criar um corpo normativo dirigido à sua regulamentação.
      11. Sendo reconhecido em geral que o trabalhador se encontra numa posição de inferioridade em relação ao empregador no estabelecimento e desenvolvimento da relação do trabalho, o Direito do Trabalho assume-se como um direito de protecção e justifica-se pela necessidade de corrigir, por via legal, certas situações de desigualdade, através da imposição de restrições ao normal desenvolvimento do princípio da autonomia da vontade, por um lado, e, por outro, pela constatação de que, sem a intervenção do legislador juslaboralístico, o trabalhador fica sujeito a todo um conjunto de pressões de que não pode facilmente escapar, em virtude da necessidade que tem do emprego e do salário para dar satisfação a necessidades vitais suas e dos seus familiares.
      12. Portanto, ao interpretar e aplicar qualquer legislação juslaboralística, há que atender necessariamente ao princípio do favor laboratoris elaborado pela doutrina atentas essas especificidades do Direito do Trabalho, a fim de ir ao encontro da exigência do cânone de hermenêutica jurídica do n.º 1 do art.º 8.º do Código Civil de Macau.
      13. Na verdade, este princípio do favor laboratoris, como um dos derivados do princípio da protecção do trabalhador informador do Direito do Trabalho, para além de orientar o legislador na feitura das normas juslaborais (sendo exemplo paradigmático disto o próprio disposto no art.º 5.º, n.º 1, e no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril), deve ser tido pelo menos também como farol de interpretação da lei laboral, sob o qual o intérprete-aplicador do direito deve escolher, na dúvida, o sentido ou a solução que mais favorável se mostre aos trabalhadores no caso considerado, em virtude do objectivo de protecção do trabalhador que o Direito do Trabalho visa prosseguir.
      14. O contrato de trabalho subordinado caracteriza-se por três elementos essenciais: a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.
      15. No tocante ao primeiro elemento, o que está in obligatio é a própria actividade a que o trabalhador se obrigou e que a outra parte, o empregador, organiza e dirige no sentido de um resultado que está fora do contrato. Por isso, o trabalhador que tenha cumprido diligentemente essa sua prestação de trabalho não pode ser responsabilizado, se o resultado pretendido pelo empregador não for atingido. E basta, por outro lado, que o trabalhador se encontre à disposição do empregador no tempo e no local de trabalho para cumprir a sua obrigação.
      16. Quanto ao elemento retribuição, este já é a obrigação principal do empregador no contrato de trabalho, como troca da disponibilidade da força de trabalho do trabalhador.
      17. E no que tange ao elemento subordinação jurídica, este traduz-se numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato, face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem. Assim, é ao credor (empregador) que compete dizer onde, quando, como e com que meios deve o trabalhador executar a actividade a que se obrigou por contrato. E esta subordinação jurídica não se limita aos momentos que antecedem o início da prestação laboral, antes se mantém durante a execução desta. E como é um poder jurídico, não é necessário que o empregador o exerça de modo efectivo, mas basta que o possa exercer.
      18. O objecto do Direito do Trabalho é apenas o trabalho por conta alheia, no sentido de que a utilidade patrimonial do trabalho é atribuída a pessoa distinta do trabalhador, ou seja, ao empregador, que a adquire a título originário. Os bens ou serviços produzidos pelo trabalhador ao abrigo do contrato de trabalho por conta alheia não são do trabalhador, mas sim do empregador, que, por sua vez, compensa o trabalhador com uma parte da utilidade patrimonial que obteve com o trabalho deste – o salário.
      19. Por isso, o trabalho por conta alheia é explicado quer pela teoria do risco, quer pela teoria do beneficiário dos resultados obtidos.
      20. Segundo a teoria do risco, o trabalho por conta alheia é aquele em que o trabalhador exerce a sua actividade sem assumir os riscos da exploração do empregador.
      21. Enquanto de acordo com a teoria do beneficiário dos resultados obtidos, o trabalho por conta alheia é aquele em que o trabalhador não se apropria dos frutos do trabalho.
      22. E apesar de o trabalhador poder ter sido chamado pelo seu empregador a trabalhar, ou até ter trabalhado voluntariamente, em dias destinados a descansos semanal e/ou anual e/ou até em feriados obrigatórios, tal não implica que o trabalho assim prestado não precise de ser compensado nos termos legalmente devidos.
      23. Aliás, é para proteger o trabalhador contra eventual necessidade, ditada pelo seu empregador, de prestação de trabalho em dias de descansos semanal e/ou anual e/ou de feriados obrigatórios que a lei laboral de Macau tem procurado estipular regras de compensação ou pagamento desse tipo de trabalho, mesmo que prestado de modo voluntário (cfr. Os art.ºs 17.º, n.º 4, 18.º e 21.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, e os art.ºs 17.º, n.ºs 4 e 6, 18.º, 20.º e 24.º, do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, sucessor daquele).
      24. Com isso, fica realmente destituído de sentido prático fazer discutir a admissibilidade de limitação voluntária ou de renúncia dos ditos direitos do trabalhador: é que mesmo que o trabalhador se disponibilize a não gozar os dias de descanso semanal e/ou anual e/ou feriados obrigatórios a fim de trabalhar voluntariamente para o seu empregador, a lei laboral sempre o protegerá da situação de prestação de trabalho nesses dias, desde que o trabalhador o reclame.
      25. Uma vez reclamada essa protecção mínima legal, o empregador tem que compensar in natura (através, por exemplo, de concessão de descanso compensatório) ou pagar o trabalho prestado nesses dias, embora não o queira fazer.
      26. Daí se pode retirar a asserção de que qualquer eventual limitação voluntária ou renúncia voluntária desses direitos por parte do trabalhador é retractável, sob a égide das mencionadas normas cogentes consagradas nesta matéria na lei laboral, o que se justifica pela necessidade de proteger o trabalhador contra a sua compreensível inibição psicológica em discutir frontalmente com o seu empregador aquando da plena vigência da relação contratual de trabalho, sobre o exercício desses seus direitos laborais, caso este não seja cumpridor voluntário nem rigoroso da lei laboral em prol dos interesses daquele.
      27. O salário da Autora como trabalhadora da Ré Sociedade de Turismo de Diversões de Macau, S.A., sendo composto por uma parte quantitativa fixa de valor reduzido, e por um outra remanescente, de quantia variável consoante o montante de gorjetas dadas pelos clientes dos casinos da mesma sociedade exploradora de jogos a seus trabalhadores, e depois distribuídas em cada dez dias a todos os trabalhadores da mesma de acordo com a respectiva categoria profissional, está em quantum materialmente variável, devido exclusivamente a essa forma do seu cálculo, e já não também em função do resultado de trabalho efectivamente produzido, nem, tão-pouco, do período de trabalho efectivamente prestado.
      28. Por isso, a quota-parte de gorjetas a ser distribuída à Autora integra precisamente o seu salário, pois caso contrário, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta dessa sociedade por anos seguidos como trabalhador dos casinos da Ré, sabendo, entretanto, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido.
      29. Deste modo, o salário da Autora não é fixado em função do período de trabalho efectivamente prestado, nem é um salário diário, mas sim um salário mensal, por ser este a situação-regra, por normal, vista mesmo sob a égide de presunções judiciais com recurso a regras da experiência da vida humana.
      30. Na verdade, se fosse um salário diário ou salário fixado em função do período de trabalho efectivamente prestado, a necessária laboração contínua e permanente daquela sociedade comercial como exploradora de jogos em Macau por decorrência da legislação especial aplicável a essa sua actividade sairia deveras comprometida, visto que para se verificar este efeito nefasto, bastaria que a Autora e/ou outros seus colegas de trabalho na mesma situação dela não viessem a comparecer nos casinos daquela em cumprimento dos rigorosos horários de trabalho naturalmente por esta fixados em relação a cada um dos seus trabalhadores para garantir tal funcionamento contínuo, ou viessem a trabalhar dia sim dia não a seu bel-prazer, ou só em dias em que os horários lhes fossem mais favoráveis, já que a retribuição do trabalho seria, de qualquer maneira, igualmente calculada em função dos dias de trabalho efectivamente prestado. Daí que não foi por acaso que as gorjetas eram distribuídas aos seus trabalhadores incluindo a própria Autora em cada dez dias, pois tudo isto aponta claramente para a situação normal de trabalho remunerado com salário mensal, ainda que em quantia variável.
      31. Antes da entrada em vigor, no dia 1 de Setembro de 1984, da primeira lei reguladora das Relações de Trabalho em Macau, ou seja, do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, toda a relação de trabalho em Macau tinha que ser regida pelo próprio convencionado entre as duas partes empregadora e trabalhadora.
      32. E desde o dia 1 de Setembro de 1984 até 2 de Abril de 1989 inclusive, já vigoravam, salvo o tratamento mais favorável para a parte trabalhadora resultante de outro regime, os condicionalismos mínimos legais garantísticos a observar em Macau nomeadamente nas relações de trabalho remunerado por conta alheia, pela primeira vez traçados sob a forma de lei nesse Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto.
      33. E a partir do dia 3 de Abril de 1989, tem vigorado o regime consagrado no Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, revogatório daquele primeiro diploma, com a nuance de que os seus art.ºs 17.º (apenas no seu n.º 6) e 26.º (excepto o seu n.º 1) passaram a ter a redacção dada pelo artigo único do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, vocacionado a afastar as dúvidas até então surgidas quanto ao regime de descanso semanal no caso de trabalhadores que auferem salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado.
      34. O n.º 1 do art.º 26.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M visa tão-só proteger o trabalhador contra eventual redução do seu salário mensal por parte do seu empregador sob pretexto de não prestação de trabalho nos períodos de descanso semanal e anual e dos feriados obrigatórios, e, por isso, já não se destina a determinar o desconto do valor da remuneração normal na compensação/indemnização pecuniária a pagar ao trabalhador no caso de prestação de trabalho em algum desses dias.
      35. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dia de descanso semanal no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, que entrou imediatamente em vigor, por força do seu art.º 57.º, no próprio dia da sua publicação (3 de Abril de 1989), com intuito legislativo nítido de favorecer quanto antes a classe trabalhadora, pois este novo diploma lhe confere mais direitos laborais do que os já garantidos no anterior Decreto-Lei n.º 101/84/M, a fórmula é o “dobro da retribuição normal”. Isto é, e matematicamente falando, 2 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho em consideração x número de dias de descanso semanal por ano, não gozados.
      36. O primeiro dia de descanso semanal a que o trabalhador tinha direito deveria ser depois do primeiro período de seis dias de trabalho sob a vigência imediata do Decreto-Lei n.° 24/89/M em 3 de Abril de 1989, pois o descanso só se justifica depois de cada período de trabalho de seis dias, tal como o que se pode retirar da letra do n.º 1 do art.º 17.º deste diploma, sendo de defender que a entidade patronal não pode fazer variar o dia de repouso semanal, tornando incerto o dia destinado a esse fim.
      37. De facto, o descanso semanal pressupõe a prestação de trabalho efectivo durante um determinado período, por forma a que seja imprescindível à recuperação das energias físicas e psíquicas do trabalhador, daí que não possa acontecer antes da prestação de trabalho que o justifica, sob pena de inversão lógica.
      38. Não se pode, entretanto, reclamar a indemnização pecuniária do trabalho prestado em dias de descanso semanal durante a vigência do Decreto-Lei n.º 101/84/M (ou seja, no período de 1 de Setembro de 1984 a 2 de Abril de 1989), por esse Decreto-Lei não prever, como um dos condicionalismos mínimos nele plasmados, a compensação pecuniária desse trabalho (cfr. O que se pode alcançar do disposto nos seus art.ºs 17.º e 18.º, a contrario sensu).
      39. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual sob a vigência do Decreto-Lei n.º 101/84/M a partir do dia 1 de Setembro de 1984 (sendo claro que o direito a descanso anual em cada ano civil só se vence naturalmente depois de decorrido o ano civil a que esse direito anual se reporta), a fórmula é (art.ºs 24.º, n.º 2, e 23.º – eram seis dias, logicamente úteis, de descanso anual) o “salário correspondente a esse período”. Isto é, 1 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho em consideração x número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados (com a observação de que o n.º 2 do art.º 24.º deve ser interpretado, à luz do princípio do favor laboratoris, como abrangendo também a situação da cessação da relação de trabalho ocorrida só depois da cessação da vigência do próprio Decreto-Lei n.º 101/84/M no dia 3 de Abril de 1989).
      40. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, a fórmula é (art.ºs 24.º e 21.º) o “triplo da retribuição normal”, se houver prova do impedimento pelo empregador do gozo desses dias, como pressupõe expressamente a letra do art.° 24.°. Isto é, 3 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho em consideração x número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados. Pois, caso contrário, já há que aplicar analogicamente a fórmula do “dobro da retribuição normal” à situação objectiva de prestação de trabalho nos dias de descanso anual, i.e., sem qualquer impedimento por acção da entidade patronal do exercício do direito do gozo desse descanso, sob pena de flagrante injustiça relativa em confronto com a compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.
      41. Sob a égide do Decreto-Lei n.º 24/89/M, são seis dias de feriados obrigatórios “remunerados” por ano, sendo certo que a Lei n.º 8/2000, de 8 de Maio, que mantém igualmente em dez dias os feriados obrigatórios, deixa intocados esses mesmos seis dias de feriados obrigatórios “remunerados”, quais sejam, o Primeiro de Janeiro, os Três Dias do Ano Novo Chinês, o Primeiro de Maio e o Primeiro de Outubro.
      42. E para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado pela Autora à Ré em feriados obrigatórios “remumerados” sob a vigência do Decreto-Lei n.º 24/89/M, a fórmula é o “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal”, para além naturalmente da retribuição a que tem direito, caso tenha que trabalhar nesses feriados, a despeito da regra da dispensa obrigatória de prestação de trabalho (art.ºs 20.º, n.º 1, e 19.º, n.ºs 2 e 3), o que, à falta de outra fórmula remuneratória convencionada mais favorável à parte trabalhadora, equivale, materialmente, ao “triplo da retribuição normal”, que se justifica, aliás, pelo especial significado desses dias que os tornou eleitos pelo próprio legislador como sendo feriados obrigatórios “remunerados”.
      43. Entretanto, no âmbito do mesmo Decreto-Lei n.º 24/89/M, a Autora não pode reclamar a indemnização pelo trabalho prestado nos quatro dias de feriados obrigatórios “não remunerados”, uma vez que o n.º 2 do art.º 20.º deste diploma só prevê a indemnização do trabalho em feriados obrigatórios “não remunerados” prestado ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo, e já não também na situação da alínea c) do mesmo n.º 1.
      44. O valor da paz social não está minimamente posto em causa, quando o tribunal se limita a decidir de acordo com a lei nos termos plasmados no art.º 7.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil de Macau, com natural abstracção das preocupações exclusivamente pessoais das partes em pleito.
      45. Atenta a redacção dos n.°s 1 e 6 do art.° 37.° do Decreto-Lei n.° 24/89/M, de 3 de Abril, é manifesto que para efeitos de gozo da licença de maternidade, naturalmente com limitação posta pelo n.° 5 do mesmo preceito, basta à trabalhadora em causa pedi-la mesmo que verbalmente, e ainda que sem apresentação logo da prova do seu estado de gravidez (que aliás se ressalta logo como facto notório, atento o estado necessariamente já muitíssimo avançado, se não mesmo derradeiro, de gravidez postulado pelo legislador juslaboral na legiferação do n.° 2 do mesmo art.° 37.°) e do parto.
      46. Prova essa que só se tornará obrigatória se a sua entidade patronal vier a exigir expressamente a sua apresentação à luz do n.° 6 do dito art.° 37.°, sendo certo que só na falta da prova assim exigida pela entidade patronal é que poderá acontecer a consequência cominada no subsequente n.° 7.
      47. Daí que configurando a “falta da prova exigida” pelo empregador do estado de gravidez e do parto das trabalhadoras ao seu serviço nitidamente um facto impeditivo nomeadamente da concessão da remuneração correspondente ao período da licença de maternidade, nos termos expressa e conjugadamente ditados naqueles n.ºs 6 e 7 do art.° 37.°, é exclusivamente à Ré que, nos termos do art.º 335.º, n.º 2, do Código Civil de Macau, cabe provar que tenha chegado a exercer o direito de exigir da Autora a prova do estado de gravidez e do parto e que, não obstante o assim exigido, a Autora não lhe tenha apresentado essa prova.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      •   Dr. Lai Kin Hong