Tribunal de Segunda Instância
- Votação : Unanimidade
- Relator : Dr. Choi Mou Pan
- Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
- Dr. Lai Kin Hong
- Votação : Vencido o relator
- Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
- Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
- Dr. Lai Kin Hong
- Observações :Nos termos do disposto no artº 19º do R.F.T.S.I., este acórdão é relatado pelo 1º Juiz Adjunto Dr. Chan Kuong Seng
- Votação : Unanimidade
- Relator : Dr. Chan Kuong Seng
- Juizes adjuntos : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
- Dr. Lai Kin Hong
- Votação : Unanimidade
- Relator : Dr. Chan Kuong Seng
- Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
- Dr. Lai Kin Hong
- Votação : Com declaração de voto
- Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
- Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
- Dr. Lai Kin Hong
- Princípio do estado de direito democrático
- Artigo 2.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau
- Princípio da separação dos poderes
- Princípio de jurisdição de mera legalidade do acto administrativo
- Lei em sentido estrito
- Lei em sentido lato
- Artigo 7.º, n.º 1 do Código Civil
- Dever de recusa de aplicação de leis ilegais
- Princípio da legalidade material
- Princípio da independência judicial
- Controlo concreto da legalidade de norma
- Controlo abstracto da legalidade de norma
- Actos processuais inúteis
- Princípio do contraditório
- Sistema político de Macau
- Chefe do Executivo
- Assembleia Legislativa
- Sistema legislativo monista
- Regulamento administrativo
- Impulso legislativo
- Competências do Chefe do Executivo
- Princípio da liderança administrativa
- Artigo 75.º da Lei Básica da RAEM
- Artigo 115.º da Lei Básica da RAEM
- Hierarquia da norma jurídica
- Delegação de competência
- Decreto-lei
- Portaria
- Regulamento administrativo n.º 17/2004, de 14 de Junho
- Regulamento sobre a Proibição do Trabalho Ilegal
- Artigo 9.º da Lei de Imigração Clandestina
- Relação contratual de trabalho por conta alheia
- Artigo 16.º da lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto
- Artigo 1079.º, n.º 1 do Código Civil
- Contrato de trabalho
- Remuneração de trabalho
- Lei n.º 4/2003, de 17 de Março
- Regulamento Administrativo n.º 5/2003, de 14 de Abril
- Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho
- Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais
- Lei de bases
- Leis de princípios
- Documento de programa político
- Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro
- Regime sancionatório das infracções administrativas
- Pedido de residência temporária
- Erro nos pressupostos de facto
- Vício de violação de lei
- Poder e dever da Administração em execução da lei
- Anulação do acto administrativo
Segundo o princípio do estado-de-direito democrático em sentido material e o princípio da separação dos poderes expresso no artigo 2.º da Lei Básica da RAEM (a seguir abreviada como Lei Básica), o tribunal deve seguir o princípio de jurisdição de mera legalidade do acto administrativo (v. artigo 20.º do Código de Processo Administrativo Contencioso), pelo que, como a entidade recorrida afirmou na contestação, este Tribunal não pode conhecer a questão de “manifesta desrazoabilidade” formulada pela recorrente contenciosa, e de facto, o artigo 146.º do Código do Procedimento Administrativo não se aplica à arguição judicial do âmbito do direito administrativo.
Por princípio da separação dos três poderes, entende-se genericamente que os três poderes, executivo, legislativo e judicial, são conferidos respectivamente a distintos órgãos para serem exercidos nos termos da lei, independentemente das eventuais relações de delegação em matéria legislativa do poder legislativo ao poder executivo, e independentemente do poder que o Executivo detém em prol do exercício eficaz do seu poder de administrar, usufruindo obviamente o poder de criar, apenas no quadro da lei em sentido estrito - lei dimanada do órgão legislativo -, regulamentos administrativos contentores de normas jurídicas genéricas e abstractas que não possam entrar em conflito com as leis em sentido estrito, por se encontrar em hierarquia normativa inferior às mesmas.
Quaisquer leis em sentido lato (por lei no sentido lato, entende-se qualquer acto normativo dotado de natureza geral e abstracta), incluindo as em sentido estrito, só constituem leis quando elas próprias são legais e por consequente são de carácter obrigatório, é por isso que a lei referida no artigo 7.º, n.º 1 do Código Civil de Macau só pode compreender as leis legais, e não as leis ilegais, de forma que os tribunais têm o dever legal de não aplicação de leis ilegais, a fim de salvaguardar o princípio da legalidade material, também referido no artigo 2.º da Lei Básica.
E este dever de recusa de aplicação de leis ilegais constitui um dos devidos sentidos do poder judicial.
Na realidade, no seu artigo 36.º, a Lei Básica estipula de forma explícita que aos residentes de Macau é assegurado o acesso ao Direito, e por causa disso, quem se sente prejudicado nos seus próprios direitos ou interesses jurídicos pode pedir assistência judiciária nos termos da lei. Este direito processual constitui um direito fundamental no processo para garantir os seus direitos materiais. Para assegurar a realização do direito processual, e como passo adiante, proteger o direito à fruição judicial, o poder público deve instituir um sistema jurisdicional baseado na igualdade e justiça. Para isso, nos seus artigos 19.º, n.º 1, 83.º e 89.º n.º 1, a Lei Básica afirma o princípio da independência judicial, a independência dos juízes na função judicial, apenas sujeitos à lei. Em outras palavras, ao exercer a sua função judicial, o juiz só está sujeito à lei. Naturalmente, a lei aqui referida limita-se a compreender todas as leis em sentidos lato e estrito, legais no verdadeiro sentido da palavra, de forma que a desaplicação das leis ilegais constitui um dever lógico dos tribunais, a fim de estabelecer todo um sistema de controlo, a posteriori ou a priori, da legalidade de todos os diplomas jurídicos.
Aliás, com a delegação do Governo Central, a RAEM goza de alto grau de autonomia, interpreta a Lei Básica dentro dos limites da autonomia, e em certo grau, a interpretação pode ser entendida como o exercício do direito de controlo da Lei Básica. Quando o tribunal considera que a legislação produzida pela RAEM não corresponde às normas da Lei Básica, ainda podem desistir da aplicação da lei local, mas, naturalmente, isto não impede que os tribunais, no âmbito das normas do artigo 88.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, realizem o controlo, a posteriori e de forma abstracta, da legalidade de uma norma constante de um determinado regulamento administrativo, alegadamente violadora de normas produzidas pelo órgão legislativo local de Macau.
Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.
Por essa razão, já que a recorrente contenciosa formulou realmente a questão de “vício de violação da lei” perante este Tribunal, a fim de pedir a anulação do acto administrativo recorrido, este Tribunal deve resolver, com o fundamento e ponto-de-vista jurídico considerado mais adequado na lógica jurídica, a questão de “vício de violação da lei”, ou seja, a causa de pedir destes autos, em vez de restringir-se rigidamente aos pontos de vista sustentados e defendidos pelas duas partes processuais.
Dessa forma, este Tribunal pode socorrer a argumentos jurídicos concretos diferentes dos defendidos pela recorrente, para julgar se existe o “vício de violação da lei” por ela alegado, e também por causa disso, antes de decidir disso, não é preciso, nos termos da lei, que se mande notificar as partes processuais para que estas se pronunciem de forma extra sobre os argumentos jurídicos a serem invocados no julgamento pelo Tribunal na decisão, sob pena da prática de actos processuais inúteis, o que contraria os princípios da celeridade processual e da economia processual (Vide. Princípio da limitação dos actos, art. 87.º, do Código de Processo Civil de Macau).
De facto, neste tipo de situações em que se pretende socorrer a argumentos jurídicos concretos diferentes dos defendidos pela parte processual para resolver a questão essencial do objecto do litígio processual sub judice, não se pode dizer que a não feitura de uma audiência extra das duas partes processuais sobre este aspecto possa conduzir à violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil, pois, tanto a parte recorrente como a parte recorrida sabem perfeitamente que o Tribunal terá que conhecer se o acto administrativo sub judice enferma do “vício da violação da lei” acusado pela recorrente na sua petição inicial e que a parte recorrida já tem, há muito, a oportunidade de refutar isso na sua contestação nos termos da lei, e a decisão a ser feita pelo Tribunal sobre esta questão material, quer seja de “sim”, como de “não”, não pode surpreender nem assustar nenhuma das partes processuais. Ademais, no seu artigo 567.º, o Código de Processo Civil já deixou claro: “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.
As diferentes relações de equilíbrio de poder entre os principais órgãos soberanos num país ou numa região determinam os diferentes sistemas de governo (como, por exemplo, sistema parlamentarista, presidencialista, semi-presidencialista, etc.). Isto resulta do princípio da separação dos poderes da doutrina jurídica do Ocidente. Sem a separação dos poderes, não haverá a política democrática. Entretanto, no modelo da política democrática ocidental, o poder judicial não pode estar sujeito a outros poderes, enquanto os outros poderes também não podem afectar a independência do funcionamento do poder judicial, eis porque nos estudos do problema do sistema político, foca-se, via de regra, apenas nas relações de equilíbrio de poder entre o poder legislativo e o poder executivo, a fim de distinguir os diversos sistemas de governo.
Embora não seja um país soberano, Macau, como uma região que goza da autonomia política, pode ter, como seu, todo um sistema político.
Quanto ao sistema político da RAEM, praticamente não há grande diferença entre o sistema político de Macau antes do retorno e o sistema político vigente na actualidade. Quase a maioria das relações de contrabalança recíproca dos poderes acima resumidas entre o Governador e a Assembleia Legislativa, pode encontrar o seu mecanismo equivalente na Lei Básica. Vejamos o seguinte:
O chefe do executivo da RAEM pode contrabalançar a Assembleia Legislativa por meio dos seguintes poderes:
- Tem o poder de nomear parte dos deputados à Assembleia Legislativa [artigo 50.º, 7) da Lei Básica];
- Tem o poder de marcar a data das eleições para os deputados da Assembleia Legislativa;
- Tem o poder de apresentar propostas de lei [artigo 64.º, 5) da Lei Básica];
- Tem o poder de designar funcionários para assistirem às sessões da Assembleia Legislativa ou intervir em nome do Governo (claro que também para ele próprio assistir e intervir) [artigo 64.º, 6) da Lei Básica];
- Tem o poder de assinar os projectos e as propostas de lei aprovados pela Assembleia Legislativa e mandar publicá-las. Antes de serem assinados e publicados pelo Chefe do Executivo, tais leis não podem entrar em vigor [artigo 50.º, 3) e artigo 78.º da Lei Básica];
- Se o Chefe do Executivo considerar que um projecto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa não está de acordo com o interesse geral da Região Administrativa Especial, pode devolvê-lo à Assembleia Legislativa para nova apreciação (porém, se a Assembleia Legislativa confirmar o projecto em causa por uma maioria de dois terços de todos os deputados, o Chefe do Executivo deve assiná-lo e publicá-lo ou dissolver a Assembleia Legislativa) (artigo 51.º da Lei Básica);
- Pode dissolver a Assembleia Legislativa (artigo 52.º da Lei Básica);
- Tem o poder de concordar com as propostas de revisão da Lei Básica da Região Administrativa Especial [artigo 144.º, n.º 2 da Lei Básica].
A Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial pode contrabalançar o Chefe do Executivo e o Governo por ele liderado através das seguintes relações de poder:
- Compete à Assembleia Legislativa examinar e aprovar a proposta de orçamento apresentada pelo Governo, apreciar o relatório sobre a execução do orçamento apresentado pelo Governo, bem como ouvir e debater o relatório sobre as linhas de acção governativa apresentado pelo Chefe do Executivo [artigo 71.º, 2) e 4) da Lei Básica];
- Os deputados à Assembleia Legislativa têm o direito de fazer interpelações sobre as acções do Governo (artigo 76.º da Lei Básica);
- A Assembleia Legislativa pode incumbir o Presidente do Tribunal de Última Instância de formar uma comissão de inquérito independente para investigar grave violação da lei ou de abandono das suas funções [artigo 71.º, 7) da Lei Básica];
- Pode aprovar moção de censura contra o chefe do Executivo de grave violação da lei ou abandono das suas funções, comunicando-a ao Governo Popular Central para decisão [artigo 71.º, 7) da Lei Básica].
Porém, a diferença com a função legislativa que antes do retorno de Macau foi exercida tanto pela Assembleia Legislativa como pelo Governador nos termos do artigo 5.º do Estatuto Orgânico de Macau, reside em que, como nos termos da Lei Básica, o poder legislativo pertence exclusivamente à Assembleia Legislativa da RAEM e o Chefe do Executivo não tem competência legislativa (com excepção da elaboração de regulamentos administrativos destinados a executar os diplomas legais da Assembleia Legislativa), a Assembleia Legislativa não tem a necessidade de submeter à apreciação do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional a constitucionalidade ou a violação da lei por leis produzidas pelo Chefe do Executivo e que entrarem em vigor, nem há o chamado “procedimento de ratificação”, porque o chefe do Executivo não tem competência legislativa. A outra diferença reside em que, nos termos do artigo 30.º, n.º 2, alínea c) do Estatuto Orgânico de Macau, a Assembleia Legislativa de Macau antes do retorno pode apresentar moção de censura à acção governativa do Governador por razões políticas ou de violação de lei; e segundo o mecanismo de censura estabelecido no artigo 71.º, 7) da Lei Básica, só pode apresentar moção devido à grave violação de lei ou de prevaricação das funções por parte do Chefe do Executivo, e não se pode censurá-lo por razões políticas.
Por outro lado, a diferença com o então Governador reside em que parece que o Chefe do Executivo não tenha a competência de fiscalizar ou submeter à prévia fiscalização, pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional, a constitucionalidade ou legalidade dos projectos de lei aprovados pela Assembleia Legislativa e as leis vigentes, naturalmente, por constitucionalidade entende-se aqui a conformidade com a “Lei Básica”. Porém, na realidade, nos termos do artigo 64.º, alínea 5), e no artigo 75.º da Lei Básica, o Chefe do Executivo, enquanto Chefe do Governo da RAEM, tem a competência de apresentar propostas de lei e o âmbito de tal competência é bastante ampla. É muito reduzido o âmbito dos projectos de lei que os deputados à Assembleia Legislativa podem apresentar individual ou conjuntamente, pois os deputados não podem apresentar projectos que envolvam receitas e despesas públicas, a estrutura política ou o funcionamento do Governo; além disso, os deputados podem apresentar projectos relativos à política do Governo, mas devem obter prévio consentimento escrito do Chefe do Executivo. Assim sendo, quase todos os projectos de lei relativos aos principais assuntos da Região Administrativa Especial são apresentados pelo Governo dirigido pelo Chefe do Executivo ou passam pelo consentimento deste, dessa forma, a possibilidade da produção de “leis malignas” pela Assembleia Legislativa deve estar reduzida ao mínimo; também acreditamos que ao exercer o seu poder de apresentação de projectos de lei, o Chefe do Executivo deve e tem a obrigação de não produzir projectos ilegais.
Assim sendo, o sistema político da RAEM reflecte plenamente a concepção e os princípios que o legislador da Lei Básica pretende pôr em prática: Deve ser o “de independência judicial e de contrapeso e cooperação mútuos entre a Administração e o órgão legislativo”.
Como o Chefe do Executivo tem dupla qualidade, ou seja, é tanto o dirigente máximo da Região Administrativa Especial como o chefe do Governo da Região Administrativa Especial, pode-se dividir tais competências consagradas no artigo 50.º da Lei Básica em duas partes, isto é, a do dirigente máximo e a do chefe do governo da Região. A primeira não se limita à competência administrativa, enquanto a segunda limita-se apenas à competência administrativa. As suas atribuições como do dirigente máximo da Região Administrativa Especial: Assinar os projectos e as propostas de lei aprovados pela Assembleia Legislativa e mandar publicar as leis; Eis um poder exercido como dirigente máximo da Região Administrativa Especial, pois, como a Assembleia Legislativa e o Governo são órgãos paralelos, o Chefe de Governo não pode ter tal poder. As suas atribuições como do Chefe do Governo são: Elaborar, mandar publicar e fazer cumprir os regulamentos administrativos.
Na Lei Básica, a noção do regulamento administrativo é uma denominação própria, designando especificamente os documentos normativos com força obrigatória geral elaborados pelo Chefe do Executivo que constituem uma hierarquia de documentos normativos que, no ordenamento jurídico de Macau, é inferior à da Lei Básica e à das leis. Os regulamentos administrativos são produzidos pelo Chefe do Executivo, e seus efeitos são inferiores aos das leis e superiores aos outros documentos normativos. A produção dos regulamentos administrativos constitui um indispensável meio do Governo para administrar a sociedade e uma importante condição para exercer a função administrativa nos termos da lei.
Da exposição acima feita, pode-se ver que as atribuições do Chefe do Executivo têm duas características. Primeira, o Chefe do Executivo domina absolutamente o poder executivo, garantindo a posição predominante da Administração e a sua eficácia. Segunda, como dirigente máximo da Região Administrativa Especial, o Chefe do Executivo é o coordenador geral da sociedade que, partindo dos interesses globais da Região, tem o poder de coordenar as relações entre os órgãos executivo, legislativo e judicial, assim como as relações entre os diversos sectores da sociedade.
Em suma, a natureza e o estatuto da Assembleia Legislativa da RAEM são distintos dos da anterior Assembleia Legislativa de Macau. Com base nas disposições do Estatuto Orgânico de Macau, a anterior Assembleia Legislativa de Macau e o Governador compartilham o poder legislativo, isto é, adoptando-se o sistema legislativa dualista, enquanto a Assembleia Legislativa da RAEM já é um órgão dotado de pleno poder legislativo, não gozando o Chefe do Executivo do poder legislativo. O poder do Chefe do Executivo para elaborar e publicar regulamentos administrativos é manifestação do exercício pelo Governo do poder de gestão administrativa e não traduz competência de órgão legislativo, não podendo os regulamentos administrativos contrariar a Lei Básica nem as leis emanadas da Assembleia Legislativa. A Assembleia Legislativa da RAEM, sendo o único órgão legislativo da RAEM, goza do poder exclusivo em assuntos legislativos desta Região.
Nestes termos, seja na qualidade de dirigente máximo seja na de Chefe do Governo da Região Administrativa Especial, o Chefe do Executivo não goza do poder legislativo, isto é, não tem o poder de elaborar lei em sentido estrito. Isso porque só a Assembleia Legislativa é o único órgão legislativo da RAEM que tem a competência de elaborar leis em sentido real e material, com base nos seus próprios projectos de lei ou nas propostas do Governo da Região (Vide as disposições conjugadas dos artigos 67.º, 71.º 1), 75.º, 64.º 5), primeira parte, e 78.º, da Lei Básica).
Além disso, a liderança administrativa não significa que com a elaboração dos regulamentos administrativos, o Chefe do Executivo possa exercer o poder legislativo exclusivamente pertencente à Assembleia Legislativa. Em fim, não se pode considerar a competência prevista na alínea 3), do artigo 50.º da Lei Básica, isto é, assinar os projectos e as propostas de Lei aprovados pela Assembleia Legislativa e mandar publicar as leis, como uma manifestação do “poder legislativo” do Chefe do Executivo.
Entretanto, para garantir que o princípio da liderança administrativa seja efectiva e plenamente posto em prática, a Lei Básica, apesar do estabelecimento do sistema legislativa monista, determina, no seu artigo 75.º, rigorosas restrições ao âmbito dos assuntos que o poder de iniciativa legislativa dos deputados da Assembleia Legislativa pode abranger nas suas moções ou projectos, de forma que a Assembleia Legislativa não possa, com a elaboração da lei por si própria, alterar as receitas e despesas da Região, ou o sistema de funcionamento e até as políticas do Governo da Região Administrativa Especial.
Por outro lado, para que as suas políticas decididas possam ser cumpridas e garantidas no plano jurídico, o Chefe do Executivo, como Chefe do Governo da Região Administrativa Especial, tem que exercer o poder de apresentação de propostas de lei conferido no artigo 64.º, alínea 5), a fim de “accionar” o procedimento da elaboração da respectiva lei na Assembleia Legislativa, para que a matéria contida na sua proposta de lei seja amplamente discutida na ordem do dia legal da Assembleia Legislativa e, como consequência, seja efectivamente concretizada. Trata-se justamente do sentido material das relações de “contrabalança recíproca e cooperação entre os órgãos administrativo e legislativo”. Assim sendo, o Chefe do Executivo não pode recorrer ao poder da elaboração de regulamentos administrativos para que o teor da proposta de lei que deva ser submetida à apreciação da Assembleia Legislativa passe a ser concretizado sob a forma de regulamento administrativo.
Na realidade, o facto de que o Chefe do Executivo é também o dirigente máximo da Região Administrativa Especial não permite que a frase do artigo 115.º da Lei Básica no sentido de que “de harmonia com a sua situação de desenvolvimento económico, a RAEM define, por si própria, a sua política laboral e aperfeiçoa as suas leis de trabalho” seja lida e interpretada como esta: como dirigente máximo da RAEM, o Chefe do Executivo pode elaborar a política laboral, por si próprio, na qualidade do Chefe do Governo da região e aperfeiçoar a lei sob a forma de regulamentos administrativos, como por exemplo, através da elaboração de certos documentos normativos diferentes do regime traçado pelas leis laborais existentes. Ademais, tal interpretação constitui uma interpretação meramente superficial e literal dos respectivos articulados da Lei Básica e deixa de lado a lógica legal do sistema legislativa monista determinado em numerosos artigos essenciais da Lei Básica.
E a interpretação jurídica do termo “RAEM” nos diversos artigos da Lei Básica deve ser feita segundo o critério da interpretação jurídica constante do artigo 8.º, n.º 1 do Código Civil, tendo-se sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico (norma está relativa à interpretação da lei, estipulada no artigo 8.º, pelo menos tal como as dos artigos 1.º a 7.º e 9.º a 12.º do Código Civil, que constitui o mais importante princípio jurídico básico e de aplicação comum aos diferentes ramos de direito do actual ordenamento jurídico de Macau. E foi pela tradição jurídica do sistema romano-germânico ou continental que tal princípio foi incluído na Parte Geral do Código Civil).
Assim sendo, com base na lógica do sistema legislativa monista, o Chefe do Executivo também não pode, sob a forma de regulamento administrativo, alterar ou revogar as leis em sentido estrito produzidas pelo órgão legislativo e existentes até hoje, incluindo os decretos-leis e leis elaboradas pelo Governador e pela Assembleia Legislativa do tempo da Administração Portuguesa no exercício do seu poder legislativo. Já que o Chefe do Executivo não tem poder legislativo, e os regulamentos administrativos são de hierarquia inferior à das leis em sentido estrito, é claro que ele não pode alterar ou até revogar tais leis em sentido estrito mediante os regulamentos administrativos por ele elaborados, mas sim, só pode alterar ou revogar os portarias como diplomas normativos complementares de hierarquia grandemente inferior à das leis em sentido estrito.
Sendo o único órgão legislativo, a Assembleia Legislativa da RAEM tem, naturalmente, a competência de, nos termos do artigo 75.º da Lei Básica e através da produção de novas leis, alterar ou revogar as leis ou decretos-leis produzidos pela Assembleia Legislativa ou pelo Governador na tempo da Administração Portuguesa e até as portarias do Governador (artigo 71.º, alínea 1) das Lei Básica).
O regulamento administrativo n.º 17/2004 de 14 de Junho, enquanto Regulamento sobre a proibição do trabalho ilegal, como é declarado no seu artigo 1.º, tem por escopo “estabelecer a proibição da aceitação ou prestação ilegal de trabalho e o correspondente regime sancionatório”.
O poder de elaborar regulamentos administrativos, conferido ao Chefe do Executivo pelo artigo 50.º, alínea 5) da Lei Básica, limita-se a enriquecer, a título de diploma complementar, os princípios gerais previamente contidos em leis aprovadas pela Assembleia Legislativa, em vez de extravasar do âmbito nelas definido por esse órgão legislativo, tradicionalmente tido como representante da opinião da população de Macau, e como tal com legitimidade democrática para fazer leis que inclusivamente possam impor sanções ou sacrifícios à correspondente sociedade civil, e a serem executadas ou feitas cumpridas pelo Chefe do Executivo na sua acção executiva em obediência ao incumbido pela alínea 2) do artigo 50.º da Lei Básica, sem prévio aval da Assembleia Legislativa.
Nestes termos, o Chefe do Executivo, enquanto Chefe do Governo da RAEM, sem prévio aval da Assembleia Legislativa, não pode ter instituído, através da emanação daquele Regulamento Administrativo n.º 17/2004, de 14 de Junho, um regime ex novo e sui generis de sancionamento de situações de emprego ilegal no actual ordenamento jurídico de Macau, para além do já plasmado no artigo 9.º da então vigente Lei de Imigração Clandestina (isto é, a Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio, com ulterior alteração designadamente introduzida pelo Decreto-Lei n.º 39/92/M, de 20 de Julho).
O prévio aval aqui referido não significa o regime de “autorização legislativa” do tempo da Administração Portuguesa. Na realidade, a Lei Básica não estipula semelhante regime de “autorização legislativa” para a Região Administrativa Especial, pelo que a Assembleia Legislativa da Região só pode, através de determinada norma de uma lei em concreto, autorizar o Chefe do Executivo como Chefe do Governo da Região, a elaborar, para o regime jurídico já determinado nesta mesma lei, normas jurídicas pormenorizadas ou complementares sob a forma de regulamento administrativo.
Segundo o referido artigo 9.º da Lei de Imigração Clandestina, a relação contratual subjacente a um emprego ilegal pressupõe sempre, como não pode deixar de o ser, tal como o que acontece também em qualquer emprego legal ou lícito por conta alheia, a existência de remuneração ou contrapartida do trabalho, independentemente do tipo dessa remuneração ou contrapartida (cumpre também mencionar que, o preceito do artigo 16.º da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, posterior à emissão de tal regulamento administrativo e totalmente revogatório da Lei de Imigração Clandestina, é idêntico à norma do artigo 9.º da Lei de Imigração Clandestina). Isto está em exacta sintonia com o conceito de contrato de trabalho já definido no n.º 1.º do artigo 1079.º do Código Civil de Macau.
O que quer isto dizer, o poder regulamentar conferido ao Chefe do Executivo pela alínea 5) do artigo 50.º da Lei Básica, tem que ser exercido apenas no âmbito e dentro do âmbito dessas leis em sentido estrito, já positivadas ou integradas no ordenamento jurídico da RAEM, quer antes quer depois do estabelecimento da RAEM (cfr. Mormente o artigo 18.º da Lei Básica).
A Lei n.º 4/2003 de 17 de Março, que “estabelece os princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência”, não pode funcionar como lei de princípios em relação ao Regulamento Administrativo n.º 17/2004 de 14 de Junho, posto que os princípios nela consagrados já foram enriquecidos pelo Regulamento Administrativo n.º 5/2003 de 14 de Abril como seu diploma complementar, para além de serem nitidamente distintas as matérias versadas num e noutro Regulamentos.
Além disso, a Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho (Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais) também não pode ser a lei de princípios em relação ao Regulamento Administrativo n.º 17/2004, pois essa não é uma lei verdadeiramente dotada de força obrigatória geral, mas sim, constitui um documento programático de políticas destinado a declarar publicamente e no plano político a orientação de políticas (vide. A redacção do seu artigo 10.º), de forma que, sob o ponto de vista da técnica jurídica, não pode estar em paralelo com as verdadeiras leis de bases (por exemplo, a Lei de Bases da Organização Judiciária) ou as verdadeiras leis de princípios (como por exemplo a Lei n.º 4/2003, que visa “estabelecer os princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência”). E o mesmo acontece com o ordenamento jurídico de Macau existente antes da Transferência dos Poderes, pois a referida Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais não passa de um documento de programa político sem nenhuma força jurídica obrigatória geral.
Em fim, o artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, que tem por escopo legislativo “definir o regime geral das infracções administrativas e o respectivo procedimento”, também não pode servir como base da elaboração do Regulamento Administrativo n.º 17/2004, pois o Decreto-Lei não instrui nem estimula a criação de novo regime sancionatório das infracções administrativas sem lei prévia como requisito, mas sim, só pretende elaborar um regime e os procedimentos gerais para os actos ilícitos eventualmente já publicados ou a serem publicados pela lei como infracções administrativas. (cfr. O n.º 2 do referido artigo 3.º desse Decreto-Lei).
Assim, para levar a cabo a sua intenção de reprimir melhor e de forma mais eficaz as diversas situações de emprego ilegal, o Governo da RAEM deveria ter apresentado, no uso da sua prerrogativa concedida pelo artigo 75.º da Lei Básica uma proposta de lei que versasse sobre matéria objecto do Regulamento n.º 17/2004, à discussão e aprovação da Assembleia Legislativa, em sintonia com o processo legislativo previsto expressamente na Lei Básica, e não ter, em vez disso, emitido e aprovado sozinho o mesmo Regulamento, sob pena de ilegalidade orgânica originária deste diploma.
Todavia, isto sem prejuízo da faculdade que logicamente assiste sempre ao Órgão Executivo, de elaborar sozinho, e com efeitos meramente internos, regulamentos administrativos independentes ou autónomos (isto é, não carecem de lei prévia habilitadora ou de lei de princípios emanada pela Assembleia Legislativa) - que versem apenas sobre o próprio funcionamento do Governo, como que legislando sobre a própria causa sob a égide da alínea 1) do artigo 50.º da Lei Básica, sem nenhum sacrifício físico ou pecuniário a impor sobre a sociedade civil.
Em suma, dentro do esquema legislativo monista traçado na nossa Lei Básica, os regulamentos administrativos a emanar do poder executivo - for a o caso de regulamentação, com efeitos meramente internos, do próprio funcionamento do Governo sem qualquer regras jurídicas gerais e abstractas implicadoras de sacrifício pecuniário ou físico para a sociedade civil - nunca são autónomos ou independentes, visto que a sua existência legal pressupõe sempre uma lei anterior ou de princípios emitida pela Assembleia Legislativa como o único órgão legislativo da RAEM. Isto porque os regulamentos administrativos, quando contentores de regras jurídicas gerais e abstractas com eficácia externa sobre a sociedade civil, só se destinam a regular ou complementar de modo mais detalhado algo que já está previamente enquadrado ou estatuído na legislação emanada pelo órgão legislativo, sem poderem exceder, por isso, os limites nela definidos ou dela decorrentes.
Não deve ser, pois, tido como legal o Regulamento Administrativo n.º 17/2004, de 14 de Junho, por o Chefe do Executivo da RAEM não ser competente para legislar sobre a matéria nele versada, sem prévio aval da Assembleia Legislativa.
Como o objecto do artigo 1.º do referido Regulamento Administrativo é ilegal, particularmente devido ao ponto de vista acima exposto, considera-se ser ilegal todo o referido Regulamento Administrativo, e não se considera serem ilegais apenas uns artigos seus.
Assim sendo, a entidade recorrida, o Secretário para a Economia e Finanças, realmente não devia considerar provado, no aspecto dos factos, que a recorrente e o seu marido não cumpriram a lei durante o período de permanência em Macau meramente porque eles tinham sido multados no quadro do referido Regulamento Administrativo n.º 17/2004 (al. 4) do artigo 2.º), e chegando em consequência a conclusão da existência do elemento fáctico da alínea 1) do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, de 17 de Março, “comprovado incumprimento das leis da RAEM” que impede a autorização da residência temporária, e simplesmente por esta razão para indeferir o respectivo pedido, o que faz com que a mesma decisão administrativa enferma do vício da violação da lei por erro nos pressupostos de facto.
Isto porque o referido Regulamento Administrativo n.º 17/2004 não constitui um documento normativo em sentido lato legal. Dessa forma, mesmo que os dois chamados “infractores” tenham pagado a multa, esta conduta “obediente à lei” não poderá converter juridicamente uma actividade não infractora numa conduta infractora “nos termos da lei”. De facto, o dever de o Governo fazer cumprir as leis da RAEM e os regulamentos administrativos a que aluem as alíneas 2) e 5) do artigo 50.º da Lei Básica, dada a natureza lógica das coisas informada pelo dito princípio da legalidade em sentido material veiculado no artigo 2.º da Lei Básica, só pode existir em relação a diplomas legais propriamente legais, sob pena de incorrer em círculo vicioso.
Pelo exposto, o Tribunal de Segunda Instância pode anular, a pedido da recorrente contenciosa, o acto administrativo que indeferiu o pedido de residência temporária da recorrente por este padecer do vício de violação de lei.
– âmbito de decisão do recurso
– Direito do Trabalho
– princípio do favor laboratoris
– trabalho subordinado por conta alheia
– prestação do trabalhador
– retribuição
– subordinação jurídica
– teoria do risco
– teoria do beneficiário dos resultados obtidos
– casino
– Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L.
– salário mensal
– gorjetas
– Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril
– art.º 26.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril
– indemnização pelo trabalho em dias de descanso semanal
– indemnização pelo trabalho em dias de descanso annual
– indemnização pelo trabalho em feriados obrigatórios
– período experimental
– paz social
– obediência à lei
– art.º 7.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil de Macau
1. O tribunal ad quem só resolve as questões concretamente postas pela parte recorrente e delimitadas pelas conclusões das suas alegações de recurso, transitando em julgado as questões nelas não contidas, mesmo que alguma vez tenham aí sido invocadas.
2. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista, pelo que o que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo, pois, apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.
3. O Direito do Trabalho aparece com a generalização de um tipo específico de trabalho humano – o trabalho produtivo, voluntário, dependente e por conta alheia – que substitui definitivamente o trabalho forçoso característico das economias do mundo antigo, tipo de trabalho específico esse que com a Revolução Industrial alcançou importância suficiente de modo a determinar a necessidade de se criar um corpo normativo dirigido à sua regulamentação.
4. Sendo reconhecido em geral que o trabalhador se encontra numa posição de inferioridade em relação ao empregador no estabelecimento e desenvolvimento da relação do trabalho, o Direito do Trabalho assume-se como um direito de protecção e justifica-se pela necessidade de corrigir, por via legal, certas situações de desigualdade, através da imposição de restrições ao normal desenvolvimento do princípio da autonomia da vontade, por um lado, e, por outro, pela constatação de que, sem a intervenção do legislador juslaboralístico, o trabalhador fica sujeito a todo um conjunto de pressões de que não pode facilmente escapar, em virtude da necessidade que tem do emprego e do salário para dar satisfação a necessidades vitais suas e dos seus familiares.
5. Portanto, ao interpretar e aplicar qualquer legislação juslaboralística, há que atender necessariamente ao princípio do favor laboratoris elaborado pela doutrina atentas essas especificidades do Direito do Trabalho, a fim de ir ao encontro da exigência do cânone de hermenêutica jurídica do n.º 1 do art.º 8.º do Código Civil de Macau.
6. Na verdade, este princípio do favor laboratoris, como um dos derivados do princípio da protecção do trabalhador informador do Direito do Trabalho, para além de orientar o legislador na feitura das normas juslaborais (sendo exemplo paradigmático disto o próprio disposto no art.º 5.º, n.º 1, e no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril), deve ser tido pelo menos também como farol de interpretação da lei laboral, sob o qual o intérprete-aplicador do direito deve escolher, na dúvida, o sentido ou a solução que mais favorável se mostre aos trabalhadores no caso considerado, em virtude do objectivo de protecção do trabalhador que o Direito do Trabalho visa prosseguir.
7. O contrato de trabalho subordinado caracteriza-se por três elementos essenciais: a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.
8. No tocante ao primeiro elemento, o que está in obligatio é a própria actividade a que o trabalhador se obrigou e que a outra parte, o empregador, organiza e dirige no sentido de um resultado que está for a do contrato. Por isso, o trabalhador que tenha cumprido diligentemente essa sua prestação de trabalho não pode ser responsabilizado, se o resultado pretendido pelo empregador não for atingido. E basta, por outro lado, que o trabalhador se encontre à disposição do empregador no tempo e no local de trabalho para cumprir a sua obrigação.
9. Quanto ao elemento retribuição, este já é a obrigação principal do empregador no contrato de trabalho, como troca da disponibilidade da força de trabalho do trabalhador.
10. E no que tange ao elemento subordinação jurídica, este traduz-se numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato, face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem. Assim, é ao credor (empregador) que compete dizer onde, quando, como e com que meios deve o trabalhador executar a actividade a que se obrigou por contrato. E esta subordinação jurídica não se limita aos momentos que antecedem o início da prestação laboral, antes se mantém durante a execução desta. E como é um poder jurídico, não é necessário que o empregador o exerça de modo efectivo, mas basta que o possa exercer.
11. O objecto do Direito do Trabalho é apenas o trabalho por conta alheia, no sentido de que a utilidade patrimonial do trabalho é atribuída a pessoa distinta do trabalhador, ou seja, ao empregador, que a adquire a título originário. Os bens ou serviços produzidos pelo trabalhador ao abrigo do contrato de trabalho por conta alheia não são do trabalhador, mas sim do empregador, que, por sua vez, compensa o trabalhador com uma parte da utilidade patrimonial que obteve com o trabalho deste – o salário.
12. Por isso, o trabalho por conta alheia é explicado quer pela teoria do risco, quer pela teoria do beneficiário dos resultados obtidos.
13. Segundo a teoria do risco, o trabalho por conta alheia é aquele em que o trabalhador exerce a sua actividade sem assumir os riscos da exploração do empregador.
14. Enquanto de acordo com a teoria do beneficiário dos resultados obtidos, o trabalho por conta alheia é aquele em que o trabalhador não se apropria dos frutos do trabalho.
15. E apesar de o trabalhador poder ter sido chamado pelo seu empregador a trabalhar, ou até ter trabalhado voluntariamente, em dias destinados a descansos semanal e/ou annual e/ou até em feriados obrigatórios, tal não implica que o trabalho assim prestado não precise de ser compensado nos termos legalmente devidos.
16. Aliás, é para proteger o trabalhador contra eventual necessidade, ditada pelo seu empregador, de prestação de trabalho em dias de descansos semanal e/ou annual e/ou de feriados obrigatórios que a lei laboral de Macau tem procurado estipular regras de compensação ou pagamento desse tipo de trabalho, mesmo que prestado de modo voluntário (cfr. Os art.ºs 17.º, n.º 4, 18.º e 21.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, e os art.ºs 17.º, n.ºs 4 e 6, 18.º, 20.º e 24.º, do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, sucessor daquele).
17. Com isso, fica realmente destituído de sentido prático fazer discutir a admissibilidade de limitação voluntária ou de renúncia dos ditos direitos do trabalhador: é que mesmo que o trabalhador se disponibilize a não gozar os dias de descanso semanal e/ou annual e/ou feriados obrigatórios a fim de trabalhar voluntariamente para o seu empregador, a lei laboral sempre o protegerá da situação de prestação de trabalho nesses dias, desde que o trabalhador o reclame.
18. Uma vez reclamada essa protecção mínima legal, o empregador tem que compensar in natura (através, por exemplo, de concessão de descanso compensatório) ou pagar o trabalho prestado nesses dias, embora não o queira fazer.
19. Daí se pode retirar a asserção de que qualquer eventual limitação voluntária ou renúncia voluntária desses direitos por parte do trabalhador é retractável, sob a égide das mencionadas normas cogentes consagradas nesta matéria na lei laboral, o que se justifica pela necessidade de proteger o trabalhador contra a sua compreensível inibição psicológica em discutir frontalmente com o seu empregador aquando da plena vigência da relação contratual de trabalho, sobre o exercício desses seus direitos laborais, caso este não seja cumpridor voluntário nem rigoroso da lei laboral em prol dos interesses daquele.
20. O salário do Autor como trabalhador da Ré Sociedade de Turismo de Diversões de Macau, S.A.R.L., sendo composto por uma parte quantitativa fixa de valor reduzido, e por um outra remanescente, de quantia variável consoante o montante de gorjetas dadas pelos clientes dos casinos da mesma sociedade exploradora de jogos a seus trabalhadores, mas reunidas e contabilizadas e depois distribuídas para esses trabalhadores, está em quantum materialmente variável, devido exclusivamente a essa forma do seu cálculo, e já não também em função do resultado de trabalho efectivamente produzido, nem, tão-pouco, do período de trabalho efectivamente prestado.
21. Por isso, a quota-parte de gorjetas a ser distribuída ao Autor integra precisamente o salário daquela, pois caso contrário, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta dessa sociedade por anos seguidos como trabalhador dos seus casinos, sabendo, entretanto, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido.
22. Deste modo, o salário do Autor não é fixado em função do período de trabalho efectivamente prestado, nem é um salário diário, mas sim um salário mensal, por ser este a situação-regra, por normal, vista mesmo sob a égide de presunções judiciais com recurso a regras da experiência da vida humana.
23. Na verdade, se fosse um salário diário ou salário fixado em função do período de trabalho efectivamente prestado, a necessária laboração contínua e permanente daquela sociedade comercial como exploradora de jogos em Macau por decorrência da legislação especial aplicável a essa sua actividade sairia deveras comprometida, visto que para se verificar este efeito nefasto, bastaria que o Autor e/ou outros seus colegas de trabalho na mesma situação dele não viessem a comparecer nos casinos daquela em cumprimento dos rigorosos horários de trabalho por esta fixados em relação a cada um dos seus trabalhadores para garantir tal funcionamento contínuo, ou viessem a trabalhar dia sim dia não a seu bel-prazer, ou só em dias em que os horários lhes fossem mais favoráveis, já que a retribuição do trabalho seria, de qualquer maneira, igualmente calculada em função dos dias de trabalho efectivamente prestado.
24. A partir do dia 3 de Abril de 1989 inclusive até à presente data, tem vigorado o regime consagrado no Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, com a nuance de que os seus art.ºs 17.º (apenas no seu n.º 6) e 26.º (excepto o seu n.º 1) passaram a ter a redacção dada pelo artigo único do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, vocacionado a afastar as dúvidas até então surgidas quanto ao regime de descanso semanal no caso de trabalhadores que auferem salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado.
25. O n.º 1 do art.º 26.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, atentos os termos empregues na redacção da sua parte final, visa tão-só proteger o trabalhador contra eventual redução do seu salário mensal por parte do seu empregador sob pretexto de não prestação de trabalho nos períodos de descanso semanal e annual e dos feriados obrigatórios, e, por isso, já não se destina a determinar o desconto do valor da remuneração normal na compensação/indemnização pecuniária a pagar ao trabalhador no caso de prestação de trabalho em algum desses dias.
26. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dia de descanso semanal no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, que entrou imediatamente em vigor, por força do seu art.º 57.º, no próprio dia da sua publicação (3 de Abril de 1989), com intuito legislativo nítido de favorecer quanto antes a classe trabalhadora, pois este novo diploma lhe confere mais direitos laborais do que os já garantidos no anterior Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, a fórmula é o “dobro da retribuição normal”. Isto é, e matematicamente falando, 2 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho em consideração x número de dias de descanso semanal por ano, não gozados.
27. O primeiro dia de descanso semanal a que o trabalhador tinha direito deveria ser depois do primeiro período de seis dias de trabalho sob a vigência imediata do Decreto-Lei n.° 24/89/M em 3 de Abril de 1989, pois o descanso só se justifica depois de cada período de trabalho de seis dias, tal como o que se pode retirar da letra do n.º 1 do art.º 17.º deste diploma, sendo de defender que a entidade patronal não pode fazer variar o dia de repouso semanal, tornando incerto o dia destinado a esse fim.
28. De facto, o descanso semanal pressupõe a prestação de trabalho efectivo durante um determinado período, por forma a que seja imprescindível à recuperação das energias físicas e psíquicas do trabalhador, daí que não possa acontecer antes da prestação de trabalho que o justifica, sob pena de inversão lógica.
29. Para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso annual correspondente ao trabalho prestado a partir da vigência daquele Decreto-Lei n.º 24/89/M, e entretanto vencidos mas não gozados (sendo claro que o direito a descanso annual em cada ano civil só se vence naturalmente depois de decorrido o ano civil a que esse direito annual se reporta), a fórmula é o “triplo da retribuição normal”, se houver prova do impedimento pelo empregador do gozo desses dias, como pressupõe expressamente a letra do seu art.° 24.°. Isto é, 3 x valor da remuneração diária média do ano de trabalho em consideração x número de dias de descanso annual vencidos mas não gozados. Pois, caso contrário, já haverá que aplicar analogicamente a fórmula do “dobro da retribuição normal” à situação objectiva de prestação de trabalho nos dias de descanso annual, I.e., sem qualquer impedimento por acção da entidade patronal do exercício do direito do gozo desse descanso, sob pena de flagrante injustiça relativa em confronto com a compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.
30. Sob a égide do Decreto-Lei n.º 24/89/M, são seis dias de feriados obrigatórios “remunerados” por ano, sendo certo que a Lei n.º 8/2000, de 8 de Maio, que mantém igualmente em dez dias os feriados obrigatórios, deixa intocados esses mesmos seis dias de feriados obrigatórios “remunerados”, quais sejam, o Primeiro de Janeiro, os Três Dias do Ano Novo Chinês, o Primeiro de Maio e o Primeiro de Outubro.
31. E para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado pelo Autor à Ré em feriados obrigatórios “remumerados” (ocorridos depois do período experimental dos primeiros três meses da sua relação de trabalho) sob a vigência do Decreto-Lei n.º 24/89/M, a fórmula é o “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal”, para além naturalmente da retribuição a que tem direito, caso tenha que trabalhar nesses feriados, a despeito da regra da dispensa obrigatória de prestação de trabalho (art.ºs 20.º, n.º 1, e 19.º, n.ºs 2 e 3), o que, à falta de outra fórmula remuneratória convencionada mais favorável à parte trabalhadora, equivale, materialmente, ao “triplo da retribuição normal”, que se justifica, aliás, pelo especial significado desses dias que os tornou eleitos pelo próprio legislador como sendo feriados obrigatórios “remunerados”.
32. Entretanto, no âmbito do mesmo Decreto-Lei n.º 24/89/M, o Autor não pode reclamar a indemnização pelo trabalho prestado nos quatro dias de feriados obrigatórios “não remunerados”, uma vez que o n.º 2 do art.º 20.º deste diploma só prevê a indemnização do trabalho em feriados obrigatórios “não remunerados” prestado ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo, e já não também na situação da alínea c) do mesmo n.º 1.
33. O valor da paz social não está minimamente posto em causa, quando o tribunal se limita a decidir de acordo com a lei nos termos plasmados no art.º 7.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil de Macau, com natural abstracção das preocupações exclusivamente pessoais das partes em pleito.
– Director dos Serviços de Saúde
– decisão disciplinar punitiva
– pena de multa
– art.º 321.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau
– art.º 341.º, n.ºs 3 e 4, do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau
– recurso administrativo tutelar necessário
Do despacho do Director dos Serviços de Saúde que aplicou pena disciplinar de multa cabe recurso administrativo tutelar necessário, com efeito suspensivo, para o Chefe do Executivo, nos termos conjugados dos n.ºs 3 e 4 do art.º 341.º do vigente Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, não obstante a competência própria, prevista no art.º 321.º do mesmo Estatuto, daquele para aplicação de pena de multa.
Direito de propriedade.
Usucapião do domínio útil.
Artigo 7º da L.B.R.A.E.M..
Estatuindo-se no artº 7º da L.B.R.A.E.M. que “Os solos e os recursos naturais da Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau”, inviável é a aquisição por usucapião (ainda que) do domínio útil de prédio que, aquando do estabelecimento da R.A.E.M., não esteja já legalmente reconhecido como constituindo propriedade privada de particulares.
