Acórdãos

Tribunal de Segunda Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 28/10/2021 942/2020 Recurso em processo penal
    • Assunto

      – princípio da livre apreciação da prova
      – art.º 114.º do Código de Processo Penal
      – prova bastante
      – prova suficiente
      – contraprova
      – erro notório na apreciação da prova
      – art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
      – pedido civil enxertado no processo penal
      – art.o 60.o do Código de Processo Penal
      – causa de pedir

      Sumário

      1. O princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do Código de Processo Penal não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado pelas normas jurídicas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
      2. No concernente à prova livre, as provas são apreciadas livremente, sem nenhuma escala de hierarquização, de acordo com a convicção que geram realmente no espírito do julgador acerca da existência do facto.
      3. Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
      4. Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
      5. Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova.
      6. No caso, depois de vistos todos os elementos probatórios constantes dos autos e então examinados pelo tribunal recorrido, entende o tribunal de recurso que não é patentemente desrazoável o resultado do julgamento da matéria de facto a que chegou esse tribunal, pelo que não pode ter havido erro notório, por parte do tribunal recorrido, na apreciação da prova como vício referido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
      7. O pedido civil da demandante recorrente foi enxertado nos presentes autos penais com base na norma do art.o 60.o do Código de Processo Penal. Assim, sem verificação do crime de emissão de cheque sem provisão em valor consideravelmente elevado então denunciado por ela ao arguido, deixou de haver causa de pedir para fundar tal pedido civil deduzido inclusivamente contra o arguido.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dra. Tam Hio Wa
      •   Dra. Chao Im Peng
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 28/10/2021 858/2021 Recurso em processo penal
    •  
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dra. Chao Im Peng
      • Juizes adjuntos : Dr. Choi Mou Pan
      •   Dr. Chan Kuong Seng
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 28/10/2021 717/2021 Recurso em processo penal
    •  
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Choi Mou Pan
      • Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
      •   Dra. Tam Hio Wa
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 28/10/2021 747/2021 Recurso em processo penal
    •  
      • Votação : Com declaração de voto vencido
      • Relator : Dr. Choi Mou Pan
      • Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
      •   Dra. Tam Hio Wa
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 28/10/2021 741/2021 Recurso em processo penal
    • Assunto

      – crime de fuga à responsabilidade
      – instalação de câmara privada do tipo car cam em veículo
      – Lei n.o 2/2012
      – gravação visual e sonora por car cam em veículo
      – conceito de dados pessoais
      – tratamento do teor da gravação de car cam
      – art.o 4.o, n.o 1, alínea 1), da Lei n.o 8/2005
      – art.o 3.o, n.o 2, da Lei n.o 8/2005
      – art.o 113.o do Código de Processo Penal
      – utilização da gravação de car cam para investigação criminal
      – consentimento da pessoa abrangida pela gravação de car cam
      – art.o 80.o, n.os 2 e 5, do Código Civil
      – condução rodoviária em via pública
      – vida privada
      – art.o 30.o, n.o 1, do Código Penal
      – crimes de gravações e fotografias ilícitas
      – art.o 191.o do Código Penal
      – art.o 112.o do Código de Processo Penal
      – princípio da livre apreciação da prova
      – prova bastante ou prova suficiente
      – contraprova

      Sumário

      1. A Lei n.o 2/2012, como tem por objecto regular a utilização de sistemas de videovigilância em espaços públicos pelas forças e serviços de segurança da Região Administrativa Especial de Macau na qualidade de autoridade de polícia, não é aplicável à instalação da câmara privada (do tipo “car cam”, em inglês) em veículo automóvel.
      2. Como no momento em que foi feita a gravação visual e sonora pela câmara privada instalada no veículo do condutor ofendido dos presentes autos sobre a circulação rodoviária do veículo automóvel então conduzido pela arguida, ainda não foi identificada ou identificável a própria pessoa desta, assim, não se pode considerar que o conteúdo da gravação em causa tenha contido “dados pessoais” dela na acepção definida na alínea 1) do n.o 1 do art.o 4.o da Lei n.o 8/2005. Por outro lado, atento o disposto no art.o 3.o, n.o 2, da Lei n.o 8/2005, mesmo sem a consideração atrás feita acerca do conceito de “dados pessoais”, ao tratamento do teor da gravação visual e sonora feita pelo ofendido através da câmara privada instalada no seu veículo aquando do exercício da sua actividade, exclusivamente pessoal, de condução rodoviária, para fins de defender a sua posição no acidente de viação em questão no subjacente processo penal de justiça, também não é aplicável o regime dessa Lei n.o 8/2005.
      3. A gravação visual e sonora por uma câmara privada instalada em veículo automóvel particular não pode constituir prova obtida através dos métodos referidos nos n.os 1 e 2 do art.o 113.o do Código de Processo Penal.
      4. A utilização para efeitos de investigação criminal – efeitos estes integrados indubitavelmente no âmbito de exigências ou finalidades de segurança ou de justiça – de imagens e sons captados pela câmara privada instalada previamente no veículo automóvel então conduzido pelo ofendido não carece do consentimento da própria pessoa abrangida por essas imagens e/ou sons, por força precisamente do disposto no art.o 80.o, n.os 2 e 5, do Código Civil, regras jurídicas estas que prejudicam evidentemente toda a tese jurídica segundo a qual o tribunal recorrido, para efeitos de formação da sua livre convicção sobre os factos, terá valorado ilegalmente, em violação do art.o 113.o, n.o 3, do Código de Processo Penal, o conteúdo da gravação daquele aparelho instalado no veículo do ofendido. Aliás, a condução rodoviária em via pública não pode ser considerada como integrante da vida privada da pessoa condutora.
      5. As regras dos n.os 2 e 5 do art.o 80.o do Código Civil, como relevam logicamente nos termos e para os efeitos do art.o 30.o, n.o 1, do Código Penal, afastam a possibilidade de verificação de crimes de gravações e fotografias ilícitas previstos no art.o 191.o do Código Penal.
      6. Do exposto, resulta demonstrado o carácter lícito da utilização, para efeitos de justiça (inclusivamente de investigação criminal), do conteúdo de gravação feita pela câmara privada instalada em veículo automóvel particular (cfr. O disposto no art.o 112.o do Código de Processo Penal), carácter lícito este que garante também o carácter lícito de valoração, pelo tribunal recorrido, do conteúdo da gravação em causa, para efeitos de formação da sua livre convicção sobre os factos constitutivos do objecto probando do processo na parte relativa ao pronunciado crime, da arguida recorrente, de fuga à responsabilidade.
      7. O princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do Código de Processo Penal não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
      8. Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
      9. Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
      10. Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dra. Tam Hio Wa
      •   Dra. Chao Im Peng