Acórdãos

Tribunal de Segunda Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 14/11/2002 210/2000 Recurso contencioso (Processo administrativo de que o TSI conhece em 1ª Instância)
    • Assunto

      - Bilhete de identidade de cidadão estrangeiro
      - Natureza do bilhete de identidade
      - Direito de residência para cidadãos oriundos da RPC
      - Violação de lei
      - Fundamentação do acto

      Sumário

      1. O bilhete de identidade(emitido pelas autoridades portuguesas) era um título de identificação civil, emitido pelos serviços de identificação civil, válido em todo o território português e que constituía documento bastante para prova da identidade do seu titular perante quaisquer autoridades ou repartições.

      2. O bilhete de identidade era, antes de mais, um documento identificador seguro do seu titular e, nessa medida, dele constavam vários elementos, elementos estes que não são constantes, enquanto requisitos que dele devam constar, o que varia de acordo com a opção legislativa em certo momento histórico, ou de acordo com a própria mudança física ou jurídica da situação do seu titular.

      3. No caso de actualização dos diversos elementos de identificação, mesmo durante o prazo de validade do título, todas as alterações deviam ser obrigatoriamente averbadas e, aquando da renovação, havia que fazer prova dos necessários elementos, nomeadamente da residência do cidadão estrangeiro.

      4. A emissão de um BICE não confere ao seu titular a qualidade de residente, no sentido da titularidade de um estatuto jurídico definitivo face ao ordenamento interno e apto a sobreviver às contingências decorrentes do preenchimento dos requisitos de validade da sua renovação.

      5. O direito à residência traduz-se no direito de residir sem obstáculos num país ou numa região, sair e regressar sem ser repatriado ou forçado a deixar o território.

      6. Eram nulos os bilhetes de identidade cujo prazo de validade tivesse expirado, devendo ser apreendidos por todas as autoridades ou repartições públicas perante as quais viessem a ser exibidos e remetidos à secção ou à subsecção que os tivesse emitido.

      7. O DL 6/92/M, no seu artigo 26º, nº3 permitia a emissão de BIR a portadores de BICE, após despacho do Governador a estabelecer a data em que se devia encerrar o processo de substituição de documentos, mediante requerimento a ser formulado no prazo de 2 anos e que findava em 31/5/97, desde que provassem a ausência do Território.

      8. A prova da residência dos cidadãos chineses (para efeitos de emissão de BIRM) depende do atestado de residência e salvo-conduto singular, nos termos do n.º 3 do artigo 25° do Decreto- Lei no. 55/95/M, parecendo inexistir qualquer possibilidade de emissão de certificado de residência a favor de quem não seja titular do referido salvo-conduto.

      9. Consistindo o vício de violação de lei na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis, tal vício não deixa de existir igualmente quando sejam infringidos os princípios gerais e que limitam e condicionam a actividade administrativa, mesmo em sede de discricionaridade administrativa.

      10. A fundamentação do acto administrativo há-de ser expressa; deve ser de facto e direito, não só indicando as regras jurídicas que impõem ou permitem a decisão e em que medida é que os factos se subsumem ou não às previsões normativas; deve ser clara, coerente, completa e sucinta, isto é, de forma a que se possa compreender, não se torne obscura, constitua um pressuposto lógico da decisão, não seja contraditória e seja bastante para explicar o resultado a que se chega.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      • Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 14/11/2002 199/2002 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      – recurso de revisão
      – art.° 653.°, al. f), do CPC
      – revelia do réu
      – direito de contradição ou de defesa
      – indeferimento imediato do recurso

      Sumário

      1. O Código de Processo Civil de Macau exige, no n.° 1 do seu art.° 659.°, que o requerimento de interposição do recurso de revisão deve especificar o respectivo fundamento, a fim de possibilitar a aplicação do preceituado no subsequente art.° 660.°, n.° 2 ou n.° 3, a nível da emissão do despacho de indeferimento ou de admissão do recurso.

      2. Segundo o disposto na al. f) do art.° 653.° do mesmo Código, a decisão transitada em julgado pode ser objecto do recurso de revisão quando, tendo corrido à revelia a acção e a execução ou só a acção, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a citação ou é nula a citação efectuada.

      3. Na base deste fundamento de revisão está o pensamento de reconhecer ao réu a faculdade de destruir o caso julgado que o condenou, quando, por irregularidades processuais, lhe não tenha sido possível exercer o direito de contradição ou defesa.

      4. E revelia, para os efeitos da al. f) do art.° 653.°, significa falta absoluta de intervenção, por si ou por meio de representante, no processo em que foi proferida a sentença a rever.

      5. Assim, se o réu foi citado em termos regulares e não compareceu no processo a exercer o seu direito de contradição ou defesa, foi porque não quis. Por isso não se admite que, proferida sentença condenatória e transitada em julgado, o mesmo réu venha depois pedir a revisão.

      6. Outrossim, teleologicamente interpretado, o fundamento previsto na al. f) do art.° 653.° é pessoal e próprio do réu cujo direito de contradição ou defesa tenha sido preterido ou perturbado ou por falta da sua citação ou por nulidade da sua citação, e, por isso, não é comunicável a qualquer outro co-réu seu havendo-o.

      7. Por isso, qualquer outro co-réu do réu que alegadamente não tenha podido exercer o seu direito de contradição não pode interpor recurso de revisão como que no interesse deste último, uma vez que se entendesse haver fundamento para tal, este poderia apresentar em seu próprio nome e com base no fundamento previsto na al. f) do art.° 653.°, o recurso de revisão da sentença contra si proferida, sem prejuízo do eventual aproveitamento do recurso a outro ou outros co-réus seus havendo-os, nos termos possivelmente a relevar do art.° 588.°.

      8. Dest’arte, o recurso de revisão requerido por um réu que chegou ele próprio a ser citado regularmente para os termos da acção donde proveio a sentença a rever, a pretexto da verificação da situação prevista na al. f) do art.° 653.° em relação a um co-réu seu, deve ser indeferido de imediato nos termos do art.° 660.°, n.° 2, in fine, do Código de Processo Civil.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 14/11/2002 189/2002 Recurso em processo penal
    • Assunto

      - “Ofendido” para efeitos de constituição como assistente; (artº 57º, nº 1, al. a) do C.P.P.M.). Legitimidade.
      - Crimes de “falsificação de documentos” e de “burla”.

      Sumário

      1. Atento o preceituado no artº 57º, nº 1, al. a) do C.P.P.M., “ofendido” – para efeitos de se poder constituir assistente – não é toda e qualquer pessoa prejudicada com a perpetração do crime.
      Tal preceito, consagra um conceito restrito de ofendido, identificando-se, tão só, como tal, o titular do interesse que constitui objecto directo e imediato da infracção.

      2. Com o crime de “falsificação de documentos”, tutela-se directa e imediatamente interesses públicos (colectivos), tais como o da confiança e da fé pública no documento, da segurança e da credibilidade que a verdade intrínseca do documento encerra como tal, pelo que os interesses particulares só secundária ou indirectamente ali podem ser considerados.

      3. Por sua vez, o objecto do crime de “burla” é o património do sujeito lesado e mede-se pelo valor do prejuízo patrimonial efectivamente causado.

      4. Assim, “ofendido” para efeitos de se poder constituir como assistente em relação a um crime de “burla”, é apenas o que sofreu efectivo prejuízo com o mesmo, e não, (v.g.), um banco que, perante a apresentação de cheques supostamente falsificados, os paga através do dinheiro depositado por um seu cliente em conta que aí detinha, e que não chegou a cobrir ou a assumir o prejuízo por este sofrido.

       
      • Votação : Com declaração de voto vencido
      • Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
      • Juizes adjuntos : Dr. Choi Mou Pan
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 14/11/2002 102/2002 Recurso em processo penal
    • Assunto

      - Falta de fundamentação
      - Enumeração dos factos provados e não provados
      - Vícios do acórdão
      - Insuficiência da material de facto
      - Contradição insanável da fundamentação
      - Erro notório na apreciação de prova
      - Crime de lenocínio
      - Co-autoria

      Sumário

      1. A fundamentação da sentença consiste não só na enumeração dos factos provados e não provados e na indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, como também numa exposição dos motivos que fundamentam a decisão.

      2. Há nulidade sempre que não indique factos provados ou não provados, ou não indique as provas que servem da formação da convicção do Tribunal.

      3. A exigência da “enumeração dos factos provados e não provados”, juntamente com a indicação dos meios de prova utilizados e a exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão, não só se destina a permitir conhecer as razões essenciais da convicção a que chegou o Tribunal, como também se destina a demonstrar que o tribunal efectivamente investigou, no desempenho dos seus poderes cognitivos, a totalidade do thema probandum, que partiu do objecto do processo (thema decidendum), pela via da vinculação temática, exigente de total apreciação.

      4. Nunca se pode entender que a exigência do legislador respeitante à parte da enumeração dos factos não provados não quer dizer uma enumeração dos factos não provados restritamente formal, pondo-os exaustivamente um por um, e caso com um simples resumo, dos factos não provados, já se pode chegar uma conclusão de que o Tribunal a quo tinha investigado e apreciado o objecto da causa, deve considerar lícito e válido o acórdão nesta parte.

      5. Só existe a insuficiência da matéria de facto para decisão do direito quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão de direito assumida e não também quando há insuficiência da prova para decidir, ou seja, tão só quando se verifique uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito.

      6. É manifestamente improcedente o fundamento do recurso que veio apenas discordar o que foi dado por provado pelo Tribunal, ou seja, uma pretensão de contradizer o que foi consignado como assente na matéria de facto, por um lado.

      7. Também é manifestamente improcedente se o recorrente, chegando uma conclusão com os factos dados como não provados, pela sua própria perspectiva, pondo-a em comparação com os factos provados, concluiu assim pela contradição entre os factos dados como não provados e os factos dados como provados.

      8. O erro notório na apreciação da prova existe quando for evidente, perceptível, para um cidadão comum, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro notório na apreciação da prova releva-se essencialmente na violação das regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios ou desrespeitou as regras sobre o valor da prova vinculada ou as leges artis.

      9. Na co-autoria o agente toma parte directa na execução do facto, por acordo ou juntamente com outro ou outros. Esse acordo tanto pode ser expresso como tácito, mas sempre exigirá, como sempre parece ser de exigir, pelo menos, uma consciência da colaboração, a qual, aliás, terá sempre de assumir carácter bilateral. E um exercício conjunto no domínio do facto, uma contribuição objectiva para a realização, que tem a ver com a causalidade, embora possa não fazer parte da execução.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Choi Mou Pan
      • Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 14/11/2002 65/2002 Recurso em processo penal
    • Assunto

      - Forma processual
      - Forma sumária
      - Flagrante delito
      - Nomeação do defensor
      - Idoneidade do defensor
      - Ausência do defensor
      - Fundamentação da sentença
      - Valoração de provas
      - Erro notório na apreciação da prova
      - Vício da insuficiência dos factos

      Sumário

      I – Em geral, são julgados em processo sumário os detidos em flagrante delito por crime punível com pena de prisão de limite máximo não superior a 3 anos.
      II – É flagrante delito todo o crime que se está cometido ou se acabou de cometer. A determinação do arguido como flagrante delito é uma questão processual e tal facto pode não constar totalmente dos factos provados da sentença, mas os elementos constantes do processo podem também servir de objecto para a determinação.
      III – O CPPM garante plenamente ao arguido a escolha de defensor ou a solicitação ao juiz que lhe nomeie um, em qualquer fase do processo, consagrando também que a ausência do defensor no julgamento constitui nulidade insanável para o julgamento.
      IV – Não tendo o arguido constituído defensor, o tribunal nomeia-lhe um, de preferência advogado.
      V – Não sendo possível nomear um advogado ou advogado estagiário, o tribunal pode nomear uma pessoa idónea como defensor provisório do arguido.
      VI – O arguido pode sempre requerer ao tribunal a substituição do defensor, nomeadamente com a causa justa de este não ser a pessoa idónea.
      VII – Se o que o recorrente põe em causa é a idoneidade do defensor e não a ausência de defensor, o interessado tem de impugnar primeiro pela não idoneidade do defensor.
      VIII – O vício em conhecimento dos factos na sentença, a nulidade da sentença e a violação das regras de valoração das provas são distintos entre si, sendo também diferentes os efeitos jurídicos provocados e não podem ser confundidos.
      IX – Para servir de prova pericial, a sua produção tem de seguir as disposições do artigo 139.º e seguintes do CPPM, caso contrário, só podem servir de prova documental normal.
      X – No processo sumário, os actos e termos do julgamento são reduzidos ao mínimo indispensável ao conhecimento e boa decisão da causa.
      XI – Apresentado pela parte acusatória, o relatório pericial junta-se como prova documental ao auto de notícia que serve como acusação. Na acusação oral o MP já tinha praticamente exposto este relatório pericial em juízo. Os arguidos tinham conhecimento perfeito sobre o seu conteúdo e podiam fazer livremente uma defesa legal para que se torne uma das provas para a convicção do tribunal.
      XII – Verifica-se erro notório na apreciação da prova quando o juiz tiver feito, para a generalidade das pessoas, uma confirmação factual contrária aos factos provados ou não provados e tiver contrariado os princípios gerais da experiência comum ou violado ou postergado um princípio ou regra fundamental em matéria de prova. Este erro notório ainda existe nos casos em que dos factos provados pelo juiz chega-se a uma conclusão logicamente inaceitável.
      XIII – Entende-se por insuficiência dos factos a existência duma lacuna nos factos provados que implique a impossibilidade de fazer uma decisão jurídica ou solução adequada.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Choi Mou Pan
      • Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
      •   Dr. Lai Kin Hong