Acórdãos

Tribunal de Segunda Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 10/10/2002 64/2002 Recurso em processo penal
    • Assunto

      – Recurso intercalar com subida diferida
      – Âmbito da decisão da causa
      – Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
      – Mera insuficiência da prova
      – Falta de investigação
      – Art.º 71.º, n.º 4, do CPP
      – Dever de informação do art.º 64.º, n.º 1, do CPP
      – Art.º 65.º, n.º 2, do CPP
      – Pedido de indemnização cível

      Sumário

      1. Se não recorreu da decisão final que pôs termo ao processo, o recorrente de uma decisão intercalar e anterior àquela tem que ver o seu recurso interlocutório admitido com subida diferida julgado sem efeito nos termos do art.º 602.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 4.º do Código de Processo Penal (CPP).

      2. O tribunal ad quem só vai resolver as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso, transitando em julgado as questões nelas não contidas, sendo óbvio que só cumpre decidir das questões assim delimitadas, e já não apreciar todos os fundamentos ou razões em que o recorrente se apoia para sustentar a sua pretensão.

      3. Só há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando se verifica uma lacuna no apuramento desta matéria que impede a decisão de direito ou quando se puder concluir que sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada. Não tem, pois, a ver com a mera insuficiência de prova.

      4. Não se verifica o vício de insuficiência da matéria de facto quando os invocados factos a provar não constam da acusação ou de pronúncia, se a tiver havido, nem foram alegados pela defesa nem decorreram da discussão da causa.

      5. Assim, a falta de realização, pelo tribunal a quo, de diligências de investigação quanto a acusação, a defesa ou a discussão da causa que não resulta do texto da decisão recorrida, não pode conduzir à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, mas sim deveria ter sido detectada durante a audiência de julgamento para a produção da prova, com requerimento ao tribunal a quo, a título de arguição de uma nulidade do processo fundada na omissão de uma diligência que pudesse reputar-se essencial para a descoberta da verdade e prevista no art.º 107.º, n.º 2, al. d), segunda parte, do CPP, para que tais diligências fossem realizadas.

      6. De acordo com o art.º 71.º, n.º 4, do CPP, o juiz pode remeter as partes para acção cível separada quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa.

      7. O espírito informador desta norma está latente também no instituto de arbitramento oficioso de reparação previsto no art.º 74.º do mesmo CPP, segundo o qual, designadamente no seu n.º 1, al. c), a reparação oficiosa é feita quando do julgamento resulta prova suficiente dos pressupostos e do quantitativo da reparação a arbitrar, segundo os critérios da lei civil.

      8. Ao cumprir o dever de informação exigido no art.º 64.º, n.º 1, do CPP, a pessoa com legitimidade para deduzir pedido de indemnização cível deve ser informada também do seu direito legalmente conferido no art.º 65.º, n.º 2, do mesmo Código, de recorrer ao apoio do Ministério Público para fins de dedução daquele pedido.

      9. Em face do teor juridicamente falando deficiente do pedido cível formulado pela própria pessoa do lesado leigo em Direito, o juiz não o deveria considerar como uma autêntica petição cível, mas sim apenas uma carta de pedido de justiça, nem deveria sugerir ao patrono oficioso posteriormente nomeado para efeitos de pedido cível que aderisse àquela peça feita pelo lesado.

       
      • Votação : Vencido o relator
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. Lai Kin Hong
      •   Dr. José Maria Dias Azedo
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 10/10/2002 165/2002 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      – procedimento cautelar
      – contagem do prazo para oposição ao decretamento

      Sumário

      Considerando que no caso do n.º 2 do art.º 403.º do Código de Processo Civil, está em causa a fase de articulados antes da decisão judicial da causa, enquanto na hipótese do seu precedente art.º 333.º, a lei oferece dois meios legais à escolha de todo o requerido da providência cuja audição prévia não tenha sido feita nos termos finais do n.º 1 do art.º 330.º, para este poder insurgir-se contra a decisão, já tomada, de decretamento, o prazo para a dedução de oposição à providência sob a égide da al. b) do n.º 1 do art.º 333.º tem que ser contado individual e peremptoriamente, sem prorrogação nenhuma em termos semelhantes aos do n.º 2 do art.º 403.º.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 03/10/2002 186/2002/A Suspensão de Eficácia
    • Assunto

      – Suspensão de eficácia de acto administrativo
      – Art.º 120.º do CPAC
      – Acto positivo
      – Acto negativo
      – Indeferimento do pedido de fixação de residência
      – Autorização de permanência
      – Autorização de residência

      Sumário

      1. Por força do disposto no art.º 120.º do CPAC, para se poder ver suspensa a eficácia de um acto administrativo, este tem que ser, desde logo e pelo menos, um acto com conteúdo positivo, ou um acto com conteúdo negativo que apresente uma vertente positiva à qual a suspensão seja circunscrita.
      2. Um acto positivo é aquele que, grosso modo, impõe um encargo ou um ónus a um interessado, enquanto o acto negativo tem por objecto negar uma pretensão do interessado.
      3. O despacho de indeferimento do pedido de fixação de residência em Macau formulado por um interessado particular que não tinha direito de residência é um acto com conteúdo negativo sem vertente positiva, já que o tal indeferimento não implica nenhuma alteração negativa – a título de imposição de encargo ou de ónus – à esfera jurídica do requerente.
      4. A autorização de permanência dada pelo Serviço de Migração de Macau é bem diferente da autorização de residência ao abrigo do Decreto-Lei n.º 14/95/M, já que após autorizado que fique o pedido de fixação de residência é que se passará o competente “título de residência” (cfr. O teor dos art.ºs 6.º e 7.º do mesmo diploma, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 22/97/M).

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 26/09/2002 120/2002 Recurso em processo penal
    • Assunto

      – objecto do recurso
      – âmbito da decisão do tribunal
      – vícios do art.º 400.º, n.º 2, do CPP
      – art.º 355.º, n.º 2, do CPP
      – art.º 356.º, n.º 1, do CPP
      – não confissão do arguido
      – suspensão da pena

      Sumário

      1. O tribunal ad quem só vai resolver as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso, transitando em julgado as questões nelas não contidas, sendo óbvio que só cumpre decidir dessas questões, e já não apreciar todos os fundamentos ou razões em que o recorrente se apoia para sustentar a sua pretensão.
      2. Os três vícios previstos nas alíneas a), b), e c), do n.º 2 do art.º 400.º do Código de Processo Penal (CPP) não são de conhecimento oficioso mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.
      3. Na verdade, a clara redacção do n.º 2 do art.º 400.º, conjugada com o disposto nos seus art.ºs 402.º, n.ºs 1 e 3, e 415.º, n.º 1, e o seu confronto com o art.º 393.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPP, apontam no sentido de os vícios em causa só poderem justificar o reenvio do processo nos termos do seu art.º 418.º, n.º 1, quando sejam invocados “como fundamentos do recurso”.
      4. E isso estará em sintonia com a mens legislatoris, enquanto se atribui aos sujeitos processuais, como “recorrentes”, uma inequívoca co-responsabilidade no bom e rápido êxito final da causa, nomeadamente consentindo-se-lhes a limitação do recurso nos amplos termos do art.º 393.º do CPP e impondo-se-lhes apertadas regras na motivação, que, além do mais, terá de enunciar especificamente os fundamentos do recurso e formular conclusões de acordo com o art.º 402.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma.
      5. Outrossim, é inaplicável, a título subsidiário, o art.º 650.º do Código de Processo Civil aos eventuais casos de verificação dos vícios previstos no art.º 400.º, n.º 2, als. A) e/ou b), do CPP.
      6. Com efeito, se a pessoa do próprio arguido recorrente se conformar com a justiça feita no acórdão condenatório a quo, traduzida, para ele, na emissão de um juízo de culpabilidade e na aplicação de uma pena, apesar de existir eventualmente na mesma decisão algum dos vícios do n.º 2 do art.º 400.º do CPP, ser-lhe-á pelo menos doloroso o tribunal ad quem, em vez de conhecer do pedido dele de diminuição ou suspensão da pena, proceder ao conhecimento oficioso de algum daqueles mesmos vícios e determinar o reenvio do processo para novo julgamento, visto que a tramitação processual a resultar desse novo julgamento não só irá fazer retardar o trânsito em julgado do “direito já declarado” ao arguido recorrente, como também lhe poderá acarretar uma nova decisão mais grave, já que no novo julgamento o tribunal a quo não estará vinculado ao princípio da proibição de reformatio in pejus. E tudo isto irá deixar o arguido sentir-se naturalmente preocupado pelo menos psicologicamente face à congénita incerteza das coisas a advir do novo julgamento.
      7. Por isso, para além dos problemas em que a lei expressamente manda o tribunal a conhecê-los oficiosamente (e como tal desse conhecimento oficioso fica o arguido também prevenido), não é de conhecer dos vícios do n.º 2 do art.º 400.º do CPP sem arguição pelo próprio arguido na petição do seu recurso, ou pelo Ministério Público na minuta do seu recurso interposto em defesa da legalidade (e nunca na resposta ao recurso do arguido ou no parecer a emitir em sede de vista na lide recursória), sob pena de se fazer sair uma decisão dita de surpresa para o arguido recorrente que só queria a diminuição ou suspensão da pena, o qual, aliás, ficaria prejudicado caso não se conformasse com a decisão de reenvio oficioso do processo para novo julgamento, e mais prejudicado ainda se essa decisão não fosse passível de recurso ou impugnação nos termos legais.
      8. Há que afastar uma perspectiva dita de maximalista na interpretação e aplicação do n.º 2 do art.º 355.º do CPP.
      9. Assim, se para um homem médio colocado na situação concreta do arguido que leia a decisão recorrida no seu todo, são absolutamente perceptíveis os fundamentos pelos quais foram determinadas em concreto as penas nela aplicadas, há que dar por cumprido pelo tribunal recorrido o disposto nos art.ºs 355.º, n.º 2, e 356.º, n.º 1, do CPP no que toca à exigência da fundamentação da razão da escolha da sanção aplicada e da sua medida concreta.
      10. A não confissão dos factos pelo arguido na audiência de julgamento, apesar de não poder ser tida em conta para efeitos da formação de juízo de condenação do arguido por força do alcance lógico e necessário do precioso direito do arguido ao silêncio, já pode ser levada em consideração a título de uma circunstância respeitante à “conduta posterior ao crime” em sede da emissão de um juízo de prognose favorável ou não quanto à suspensão da prisão, por autorização expressa do próprio n.º 1 do art.º 48.º do Código Penal.
      11. Se as circunstâncias da prática dos crimes pelos quais o arguido vem condenado são socialmente reprováveis, I.e., por mera perda de jogo de futebol com a qual não se conformou, o arguido chamou o outro co-arguido e fez chamar também mais dez indivíduos desconhecidos, um dos quais com vara de ferro na mão e um outro deles com capacete na mão, a fim de em colaboração mútua e através de acordo, agredirem corporalmente seis diversos ofendidos, tendo um destes sido assim ferido com fractura no osso occipital e inchaço exterior da membrana dura, com perda de consciência por algum tempo, não se pode formar o juízo de prognose favorável à suspensão da pena no sentido de que “a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, mormente a nível da prevenção geral.
      12. É igualmente reprovável socialmente a conduta de quem, por mera chamada de um outro indivíduo, vai, juntamente com outros indivíduos, alguns dos quais munidos com vara de ferro e capacete, agredir um conjunto de outras pessoas somente por perda de jogo de futebol.

       
      • Votação : Vencido o relator
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 26/09/2002 183/2001 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      - Embargos de terceiro
      - Aplicação da lei processual no tempo
      - Ampliação da causa de pedir
      - Cônjuge do executado
      - Dívida comercial
      - Comercialidade substancial
      - Ónus de prova

      Sumário

      1. Em princípio, a aplicação das leis processuais no tempo surge sempre que o processo é instaurado na vigência duma certa lei, mas não está ainda concluído no momento da entrada em vigor duma lei nova, incompatível em dados pontos com a anterior, ou sempre que o direito material, cuja tutela se pretende obter, procede de facto anterior à lei processual, vigente na altura em que a acção é proposta
      2. Sem disposições transitórias gerais, válidas para todas as novas leis ou para as novas leis de certo tipo ou categoria, nem disposições transitórias especiais, válidas somente para determinada lei processual concreta, hão-de valer para o efeito os critérios formulados em tese geral pela doutrina.
      3. Quanto aos embargos de terceiro, o novo Código de Processo Civil define-os como um incidente, enquanto no Código de 1961, os embargos de terceiro integram no âmbito do processo especial, um tipo dos meios possessórios.
      4. Os embargos de terceiro, tendo embora característica de uma verdadeira “acção declarativa”, estão processualmente ligados ao processo principal (de execução), nomeadamente pelos seus pressupostos processuais – acto judicial e diligência de penhora ordenadas com fundamento no âmbito do Código de Processo Civil aplicado aos termos processuais do principal, e derivadores dos embargos de terceiro.
      5. Sob uma dependência processual, proferido o despacho de recebimento dos embargos de terceiro, os termos do processo de que são dependências ficam suspensos quanto aos bens a que os embargos dizem respeito e o embargante pode requerer, prestando caução, a restituição provisória da posse, e, a procedência dos embargos acarreta o levantamento da penhora ordenada no processo principal sobre os bens respectivos, que serão entregue ao embargante.
      6. Em caso concreto de embargos de terceiro, aos mesmos é aplicável a lei processual que regula o processo principal de execução.
      7. No âmbito do Código de Processo Civil de 1961, recebidos os embargos de terceiro, são notificadas para contesta as partes primitivas, seguindo-se os termos do processo sumário (de declaração).
      8. Na acção declarativa, não havendo acordo das partes, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor; seguindo-se o processo sumário (de declaração), nos embargos de terceiro não é admitida a ampliação da causa de pedir, sem se encontrar aquelas condições.
      9. A palavra “réplica” referida no artigo 273º do Código de Processo Civil é empregada no sentido restrito de articulado ao qual o réu pode opor a tréplica, e não no sentido amplo de resposta à contestação, ou seja, a resposta a que se refere o artigo 785º não vale como réplica para o efeito do artigo 273º.
      10. Um cônjuge que tenha a posição de terceiro na execução pode deduzir embargos de terceiro à penhora de bens comuns do casal, alegando quando a dívida não é comunicável.
      11. Senda a dívida exequenda uma dívida resultante de uma livrança, que constitui um acto de comércio objectivo, e quando o seu pagamento, que tiver de ser feito pela meação do devedor nos bens comuns, for exigido antes de dissolvido o matrimónio ou de haver separação, cabe ao cônjuge não executado, nos embargos de terceiro deduzidos, fazer afastar, com vista de beneficiar da moratória os bens penhorados, a comercialidade substancial da dívida exequenda, ou seja, provar a dívida não ser comercial.
      12. Perante a falta de alegação dos factos comprovativos de não comercialidade substancial da dívida, pode o Tribunal tomar imediatamente decisão conscenciosa dos embargos, no sentido de improceder os embargos.

       
      • Votação : Com declaração de voto
      • Relator : Dr. Choi Mou Pan
      • Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
      •   Dr. Lai Kin Hong