Acórdãos

Tribunal de Segunda Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 24/04/2003 251/2002 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      - Falta das razões de direito na petição inicial; ineptidão.
      - Contrato de prestação de serviços.
      - Cumprimento defeituoso.
      - Efeitos jurídicos do cumprimento defeituoso.
      - Da possibilidade de invocação da excepção de não cumprimento do contrato.

      Sumário

      1- A falta de invocação, ainda que sumária das razões de direito (alínea c)), não acarreta ineptidão (art. 193º), mas simples irregularidade, podendo o juiz, se, assim o entender, convidar ao aperfeiçoamento da petição, porquanto uma tal omissão se não justifica sequer em face do disposto no artigo 664º do CPC.

      2- A lei civil não regulamenta autonomamente o contrato de prestação de serviços, mas fá-lo através da regulamentação do contrato de mandato, artigo 1161º, a) do Código Civil de 1966. Pelo que a Autora tinha a obrigação de praticar os actos, resultado do seu trabalho, correspondentes aos serviços solicitados, nos termos do artigo 1161º - al. a) e a Ré tinha a obrigação de lhe pagar a retribuição nos termos do artigo 1167º, al. a) do mesmo Código.

      3- O cumprimento defeituoso de uma prestação é a má execução material de uma prestação. Existirá quando a obrigação do devedor não é cumprida perfeitamente, isto é quando houver cumprimento imperfeito da obrigação. O acento tónico desta figura está no facto de o dano não provir da falta de prestação ou do seu atraso (mora), mas dos vícios, defeitos ou irregularidades da prestação efectuada.

      4- Ao contrário do que acontece para o cumprimento parcial (cfr. artigos 793º e 802º do CC) a lei não tratou o cumprimento defeituoso em termos gerais, vislumbrando-se apenas uma referência a tal situação no artigo 799º, nº 1 do CC.

      5- A aplicação analógica ao contrato inominado de prestação de serviços, da disciplina específica e própria do contrato de empreitada, em sede de cumprimento defeituoso é legítima, no quadro dos artigos 1220º e seguintes do CC.

      6- Nos casos de cumprimento defeituoso o credor pode recusar a prestação e exigir uma prestação nova, exacta, sempre que isto seja possível, assim como pode exigir uma eliminação da deformidade ou dos vícios e pode ainda, em dados termos, reduzir proporcionalmente a contraprestação, ou, se a prestação inexacta não lhe interessa, resolver o negócio.

      7- E quanto à possibilidade de o credor invocar a excepção de não cumprimento da outra parte, recusando a sua prestação, a solução há-de nortear-se pelos princípios que vigoram para a resolução do contrato (cfr. arts. 793º e 802º), mas sem se subordinar rigorosamente aos requisitos de que depende a possibilidade desta, havendo que ter em conta os ditames da boa-fé.

      8- O regime aplicável ao cumprimento defeituoso dependerá de factores vários, designadamente da espécie de negócio, do fim da obrigação e das circunstâncias próprias de cada situação concreta, vistas cuidadosamente à luz do princípio de que no cumprimento das obrigações as partes devem proceder de boa-fé (art. 762º, nº2 do Código Civil).

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      • Juizes adjuntos : Dr. Choi Mou Pan
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 24/04/2003 226/2002 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      - Questão prejudicial
      - Legitimidade para requerer o registo através da firma
      - Firma e nome de estabelecimento
      - Conflito entre firma e nome de estabelecimento
      - Prioridade de registo

      Sumário

      1- A prejudicialidade entre duas acções verifica-se sempre que a decisão da causa depende da decisão a proferir numa outra. Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda.

      2- O requerente do registo é parte legítima, na medida em que é a própria lei que abre a possibilidade de o empresário individual se relacionar juridicamente através da sua firma, prevendo-se expressamente para os pedidos de registo de nome de estabelecimento que ele seja feito em nome da firma, indicando-se o nome do estabelecimento da mesma e seu domicílio, assinando e identificando-se devidamente, por seu turno, o empresário em nome individual.

      3- Uma coisa é a firma - o nome sob o qual o comerciante exerce o seu comércio – e outra o nome do estabelecimento que é a designação particular por que o estabelecimento é referido, sendo este um sinal distintivo nominativo destinado a designar e individualizar o próprio estabelecimento.

      4- Quem se queira prevalecer da protecção da propriedade industrial e da prioridade conferida pela lei tem que registar o seu direito, como decorre do artigo 15º, nº1 do RJPI que prevê, salvos os casos expressamente contemplados neste diploma, que o direito de propriedade industrial é concedido àquele que primeiro apresentar regularmente o pedido.

      5- Dos artigos 1º, 15º e 233º do RJPI decorre que a protecção dos direitos de propriedade industrial se opera através do registo feito no âmbito do seu regime, pelo que, estando em causa o registo de um nome de estabelecimento, sem que esteja limitado por qualquer excepção a essa protecção, tal direito não deixará de beneficiar da respectiva prioridade do registo, mesmo contra o registo da firma de outrem na Conservatória do Registo Comercial.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      • Juizes adjuntos : Dr. Choi Mou Pan
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 10/04/2003 114/2000 Recurso contencioso (Processo administrativo de que o TSI conhece em 1ª Instância)
    • Assunto

      - Pena de demissão
      - Ordem de conhecimento dos vícios do acto recorrido
      - Violação de lei
      - Erro sobre os pressupostos de facto e de direito
      - Inviabilização da relação funcional
      - Fundamentação do acto

      Sumário

      1. Ressalvando sempre situações específicas, deve ser apreciado prioritariamente o vício de violação de lei, em relação ao vício de forma, na medida em que a falta de fundamentação não determine o esclarecimento quanto ao erro nos pressupostos de facto e de direito.

      2. O vício de violação de lei consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis e, muito embora tal vício ocorra normalmente no exercício de poderes vinculados, o certo é que não deixa de se verificar no exercício de poderes discricionários quando sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam de forma genérica a discricionaridade administrativa.

      3. O juízo valorativo da conduta do arguido em processo disciplinar não pode, por isso, passar sem a imputação subjectiva da responsabilidade, não bastando a mera demonstração da efectiva existência de um comportamento contrário à lei.

      4. A culpa do arguido, chefe da PMF, há-de basear-se assim num juízo desfavorável em relação à sua conduta, resultante das alegadas violações dos deveres de cuidado que devia ter observado, ao alimentar contactos com pessoas presas por suspeita de envolvimento em práticas criminosas e pertença a associações criminosas, para mais com desrespeito pelas regras que lhe impunham que o não fizesse, não se devendo ter deslocado ao EP para visitar uma delas.

      5. A pena de demissão ou de aposentação compulsiva não é de aplicação automática, só podendo ser cominada se os factos revelarem um carácter censurável susceptível de inviabilizar a manutenção da relação funcional.

      6. A inviabilidade da manutenção da relação funcional traduz-se num conceito indeterminado que a Administração deverá preencher e concretizar através de juízos de prognose assentes na factualidade apurada e em cuja fixação goza de grande liberdade de apreciação, sendo que só os erros manifestos de apreciação na determinação de tais juízos importam violação de lei que ao tribunal cabe sindicar.

      7. Não se deve manter a relação funcional sempre que os factos cometidos pelo arguido, avaliados e considerados no seu contexto, comprometam, designadamente, a eficiência, a confiança, o prestígio e a idoneidade que deva merecer a acção da Administração.

      8. A fundamentação, ao servir para enunciar as razões de facto e de direito que levaram o autor do acto a praticá-lo com certo conteúdo, encobre duas exigências de natureza diferente: a exigência de o órgão administrativo justificar a decisão, identificando a situação real ocorrida, subsumindo-a na previsão legal e tirando a respectiva consequência e uma outra exigência, nas decisões discricionárias, de motivar a decisão, ou seja, explicar a escolha da medida adoptada, de forma a compreender-se quais foram os interesses e os factores considerados na opção tomada.

      9. As exigências de rigor técnico-jurídico na formulação das diversas peças em processo criminal não são inteiramente transponíveis para as peças elaboradas em processos disciplinares.

      10. O poder disciplinar conferido pelo art. 315 do ETAPM comporta um momento discricionário e outro vinculado. A vinculação legal não reside na obrigatoriedade da aplicação da pena de aposentação compulsiva se o funcionário tiver mais de 15 anos de serviço, mas na obrigatoriedade da aplicação da pena de demissão se os não tiver ainda completado.

      11. A aplicação da aposentação compulsiva nas situações do artigo 239º do EMFSM não tem o carácter injuntivo que resulta da opção consagrada no artigo 240º do mesmo Estatuto.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      • Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 10/04/2003 176/2001 Recurso de decisões jurisdicionais em matéria administrativa, fiscal e aduaneira
    • Assunto

      – Conselho de Administração do Fundo de Pensões
      – Presidente do Conselho de Administração
      – delegação de poderes sem hierarquia
      – recurso hierárquico impróprio
      – recurso hierárquico necessário
      – art.º 70.º, al. d), do CPA
      – notificação do acto
      – art.º 27.º, n.º 2, do CPAC
      – direito de informação do interessado
      – rejeição do recurso contencioso
      – acto não definitivo

      Sumário

      1. Se no acto de delegação de poderes a favor da sua Presidente, o Conselho de Administração do Fundo de Pensões de Macau como delegante afirmou peremptoriamente que dos actos praticados no uso da delegação em causa cabia recurso hierárquico, é porque o mesmo Conselho com isso quis dizer que a última vontade da Administração a ele pertence, e, assim, ilidir a presunção de conformidade dos actos daquela à sua vontade e negar antecipadamente definitividade aos actos da mesma.

      2. Embora no mesmo acto de delegação se tenha referido apenas a “recurso hierárquico”, o que na verdade existe é um “recurso hierárquico impróprio” de actos praticados pela Presidente do Conselho de Administração para este, posto que não há nenhuma relação hierárquica entre a Presidente como órgão executivo e o Conselho como órgão deliberativo.

      3. E se no mesmo acto de delegação o Conselho de Administração disse que dos actos da sua Presidente “cabe recurso hieráquico”, os actos assim praticados por essa delegada ainda não são susceptíveis de recurso contencioso, e, portanto, o “recurso hierárquico” é necessário, visto que só seria facultativo se o delegante nada dissesse, pois só nessa hipótese é que funciona a regra geral da definitividade dos actos do delegado.

      4. Aliás, para evitar qualquer engano quanto à recorribilidade dos actos, o actual Código do Procedimento Administrativo (CPA) preceitua, no seu art.º 70.º, al. d), que a notificação deve conter a indicação de o acto ser ou não ser susceptível de recurso contencioso.

      5. Pelo que se na notificação efectuada do acto impugnado apenas se diz que se pode “interpor recurso hierárquico”, sem dizer se o mesmo é necessário ou facultativo, o interessado pode lançar mão do mecanismo do art.º 27.º, n.º 2, do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), para ser esclarecido se deve ou não interpor recurso contencioso, ou exercer o seu direito de informação nos termos dos art.ºs 63.º a 65.º do CPA.

      6. Entretanto, em todo o caso, a falta de comunicação dos elementos indicados no art.º 70.º do CPA não afecta a validade do acto, pois se este era válido, assim continuará a ser, mas ele não produzirá efeitos enquanto o interessado não os conhecer na íntegra.

      7. O recurso contencioso interposto de um acto não definitivo deve ser rejeitado.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 10/04/2003 127/2001 Recurso de decisões jurisdicionais em matéria administrativa, fiscal e aduaneira
    • Assunto

      – objecto do recurso jurisdicional
      – anulação do acto insuficientemente fundamentado

      Sumário

      1. O objecto do recurso jurisdicional é limitado pelas conclusões da respectiva alegação.

      2. A insuficiência da fundamentação do acto gera a anulabilidade do mesmo a nível de vício de forma por falta de fundamentação.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      •   Dr. Lai Kin Hong