Acórdãos

Tribunal de Segunda Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 17/03/2005 292/2004 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      - Posse e usucapião
      - Elementos da posse
      - Animus e sua presunção
      - Posse derivada da traditio na sequência de contrato promessa
      - Inversão da posse
      - Oposição entre os fundamentos e decisão; irrelevância dos factos não provados

      Sumário

      1. A posse é integrada por dois elementos: - o corpus, que consiste no domínio de facto sobre a coisa, e o animus, que é a intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio de facto.

      2. O corpus traduz-se no exercício de poderes de facto que supõe uma vontade de domínio, de poder jurídico-real. O animus mais não é que essa intenção jurídico-real. Admite-se até que a intenção de domínio não tenha de explicitar-se e muito menos por palavras: o que importa é que se deduza do próprio modo de actuação ou de utilização da coisa.

      3. Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa.

      4. A tradição da coisa, por via do contrato-promessa de compra e venda, para o promitente-comprador, confere a este o acesso à tutela possessória, desde que aquela tradição seja seguida da prática, por aquele, de actos próprios de quem age em nome próprio.

      5. Não vindo o animus comprovado há que o presumir a partir dos actos praticados. E se, não obstante, os donos da coisa se opõem à posse de outrem, mas vão consentindo nessa posse ao longo dos anos, apesar das declarações que publicamente proclamam, e não tomam medidas que obstam a que aquela posse se consolide, nesse caso, terão que arrostar com as consequências da sua inércia.

      6. Só são contraditórias as respostas a um ou vários pontos da base instrutória quando elas colidem entre si, ao nível lógico.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      • Juizes adjuntos : Dr. Choi Mou Pan
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 17/03/2005 227/2004 Recurso contencioso (Processo administrativo de que o TSI conhece em 1ª Instância)
    • Assunto

      - Regime de cassação
      - Caso julgado
      - Desvio de poder
      - Violação da lei
      - Subsídio tutelar das vítimas dos crimes violentos
      - Perturbação considerável do nível de vida
      - Ónus de prova

      Sumário

      1. O recurso contencioso (com excepção das acções referidas no Capítulo V do CPAC) configura-se pela “cassação” e não a substituição, não podendo o Tribunal no recurso contencioso, em substituição da Administração tomar uma decisão no sentido de determinar a prática de actos pela Administração, mas sim de mera anulação.

      2. O caso julgado formal denota que a decisão só é obrigatória intra muros do processo, isto é, na lide em que foi proferida.

      3. O caso julgado material traduz-se que a decisão tem força obrigatória, dentro do processo e fora dele, quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

      4. Não há violação do princípio do caso julgado, a Administração, após o trânsito do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que anulou o acto administrativo, com fundamento de, ao indeferir o pedido do subsídio às vítimas dos crimes violentos, ter incorrido no erro na aplicação do nº 6 do artº 1º da Lei 6/98/M – questão de pressuposto da autorização daquele subsídio –, veio indeferir novamente o pedido com fundamento diverso da decisão anterior que consiste em não verificação de um dos requisitos previstos na al. c) do nº 1 do artigo 1º da mesma Lei.

      5. O desvio de poder é um vício que afecta o acto administrativo praticado no exercício de poderes discricionários quando estes hajam sido usados pelo órgão competente com fim diverso daquele para que a lei os conferiu ou por motivos determinantes que não condigam com o fim visado pela lei que conferiu tais poderes.

      6. A indemnização a conceder pela Região às vítimas de crimes violentos, bem como, no caso de morte, às pessoas com direito a alimentos, pressupõe cumulativamente, os requisitos previsto no nº 1 deste artigo, entre quais, que o requerente tenha sofrido, em consequência do crime, uma perturbação considerável do nível de vida.

      7. O apuramento da verificação deste requisito implica o cotejo da situação económica do requerente da indemnização no momento imediatamente anterior ao da prática do crime e os seus padrões de vida depois dele e por causa dele.

      8. O “nível de vida” não prende com a “qualidade da vida”, e a perturbação considerável refere-se a uma perda efectiva do que se possuía, e não a um afastamento do que possivelmente se poderia atingir, relevando a diferença notória entre as situações económicas ou financeiras imediatamente anteriores do crime e o verificado depois, por causa dele, sem exigência que o titular da indemnização tenha caído num estado de carência económica ou de miséria.

      9. Se dos factos constantes dos autos não se verifica uma perda efectiva para se poder concluir pela “perturbação considerável” do nível da vida, mesmo o pedido consiste apenas na reparação dos danos morais, não se pode dar como verificado o requisito previsto na Lei, devendo ser o pedido indeferido.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Choi Mou Pan
      • Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 17/03/2005 196/2002 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      – penhora de depósito bancário
      – art.° 856.°, n.° 1, do Código de Processo Civil de 1967
      – contestação do crédito penhorado
      – art.° 856.°, n.° 2, do Código de Processo Civil de 1967
      – art.° 858.°, n.° 1, do Código de Processo Civil de 1967

      Sumário

      1. De acordo com o n.° 1 do art.º 856.º do texto então vigente em Macau do Código de Processo Civil de 1967, a penhora de créditos consiste na notificação ao devedor de que o crédito fica à ordem do tribunal da execução.

      2. Assim sendo, a penhora de um depósito bancário ordenada no âmbito de uma acção executiva fica jurídica e realmente feita com a notificação do respectivo banco de que o mesmo fica à ordem do tribunal, pelo que a partir daí o saldo do depósito passa a ficar exclusivamente à ordem do tribunal da execução, e, por isso, o banco notificado, mesmo que conteste o crédito em causa, não pode legalmente dispor do mesmo saldo para outro fim, sem incorrer na desobediência flagrante à decisão judicial que determinou a penhora.

      3. Entretanto, perante a contestação feita pelo banco devedor nos termos do art.° 856.°, n.° 2, do mesmo Código, no sentido de que o depósito bancário em questão já se encontrou cativado pelo próprio banco em segurança de um empréstimo de terceiro, e que como tal a correspondente conta ficaria à instrução do tribunal caso esse empréstimo estivesse saladado, não se pode considerar que o banco já tenha reconhecido a existência da obrigação nos termos estabelecidos na nomeação do mesmo crédito à penhora, pelo que o tribunal da execução deve mandar cumprir o primeiro parágrafo do n.º 1 do art.º 858.º daquele diploma adjectivo, que reza que: <>.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 10/03/2005 12/2005 Recurso em processo penal
    • Assunto

      - Litigância de má-fé

      Sumário

      1. O novo Código de Processo Civil passou a sancionar, ao lado da litigância dolosa, a litigância temerária. Quer o dolo, quer a negligência grave, caracterizam hoje a litigância de má fé, com o intuito, como se lê no preâmbulo do CPC, de enfatizar o dever de cooperação, com consagração expressa no artigo 8º daquele diploma.

      2. Só deve ser considerado litigante de má-fé aquele que não teve justa causa de litigar, esboçando-se assim a figura do litigante temerário, aquele que usa de malícia ou de falta de prudência normal, em situações não recondutíveis aos que propõem acções infundadas.

      3. É lícito intentar acções ou deduzir defesas objectivamente infundadas, contanto que a parte esteja convencida de que lhe assiste razão.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      • Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 10/03/2005 270/2004 Recurso em processo penal
    • Assunto

      - Recurso interlocutório
      - Ordem de apreciação dos recursos
      - Recurso subordinado
      - Erro na selecção da matéria de facto
      - Erro na resposta aos quesitos
      - Anulação da decisão de facto
      - Insuficiência da matéria de facto
      - Personalidade judiciária
      - Sociedade irregular

      Sumário

      1. Se não houver recurso – inexistência absoluta - da decisão que ponha termo ao processo, os recursos interlocutório que com ele deviam subir ficam sem efeito, salvo se tiverem interesse para o recorrente independentemente daquela decisão.

      2. Quando houver recurso da decisão que ponha termo ao processo, independentemente de quem o interpuser, o recurso interlocutório deve sempre subir com ele, a não ser o próprio recorrente do recurso interlocutório venha expressamente requerer a sua não subida.

      3. A apreciação ou não deste recurso interlocutório é dependente da confirmação ou não do recurso da decisão final nos termos do artigo 628º do Código de Processo Civil.

      4. Chama-se recurso independente aqueles que a sua sorte e o seu destino não ficam na dependência da resolução que haja de adoptar a parte contrária.

      5. Usa-se do recurso subordinado quando este recurso fica dependente das vicissitudes por que haja de passar o recurso de que depende – o recurso principal ou independente interposto pelo adversário, ou seja, quando há uma parte que decai juntamente com a outra e pretende obter a alteração da decisão que lhe é desfavorável.

      6. Quando o recorrido em recurso principal pretender impugnar somente a condenação em custas pela improcedência do pedido de condenação em litigância de má fé da autora, não se pode usar do recurso subordinado porque não se afigura ser contra-interesse da adversária autora e tinha apenas a esperança ou interesse em ver condenada a autora em multa por ser litigante de má fé, já não nas custas pela improcedência da litigância de má fé.

      7. Quando o réu não impugnou o que alegou a autora acerca do âmbito do contrato, mas sim alegou que o contrato tinha mais conteúdo (para além do que alegou a autora), e também não está em manifesta oposição com a defesa considerada no seu conjunto, o facto articulado pela autora nesta parte deve ser colhido na Especificação.

      8. Decidida que um quesito devia ser levado para a Especificação, ficou prejudicada a apreciação do recurso respeitante à impugnação pelo erro na resposta àquele mesmo quesito.

      9. O Tribunal de recurso pode anular, mesmo oficiosamente, a decisão da matéria de facto com fundamento de vício de insuficiência, nos termos do artigo 712º (nº 2) do Código de Processo Civil, quando se considerar indispensável a formulação de outros quesitos nos termos da alíneas f) do artigo 650º do mesmo CPC.

      10. A personalidade judiciária consiste na possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida, em próprio nome qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecidas na lei.

      11. Em princípio, aquele que tem personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária. Chamam isto o princípio de correspondência entre a capacidade de gozo de direitos e a personalidade judiciária.

      12. A lei prevê excepções em que aqueles que não tiverem personalidade jurídica tenham personalidade judiciária, tais como:
      a) A herança;
      b) Sucursais, agências, filiais ou delegações das sociedades ou pessoas colectivas; e
      c) As pessoas colectivas ou sociedades irregulares.

      13. A lei só atribui às pessoas colectivas ou sociedade irregulares personalidade judiciária passiva e de ser reconvinte.

      14. Em princípio, chama-se sociedade irregular aquela que não foi formalmente constituída nos termos legais.

      15. Embora a ré não esteja juridicamente constituída e matriculada, pratica actos como se estivesse e em seu nome como se fosse uma sociedade, nomeadamente no estabelecimento das relações comerciais com terceiros, que são obviamente susceptíveis de produzir efeitos jurídicos. Neste caso, a ré não pode deixar de ter natureza de “sociedade irregular”.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Choi Mou Pan
      • Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
      •   Dr. Lai Kin Hong