Acórdãos

Tribunal de Segunda Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 24/07/2003 3/2003-II Recurso em processo penal
    • Assunto

      - O crime de rapto
      - O crime de extorsão
      - Concurso real entre o crime de rapto e de extorsão
      - Cumplicidade
      - O crime de roubo qualificado
      - Alteração da qualificação
      - Princípio de proibição de reformatio in peju
      - Elevamento da pena concreta pelo reurso do assistente
      - Cúmulo jurídico-penal
      - Indemnização cível
      - Erro notório na apreciação da prova
      - Danos
      - Nexo de causalidade
      - Danos dos lucros cessantes
      - Facto notório
      - Montante da indemnização a liquidar em execução da sentença
      - Danos não patrimoniais

      Sumário

      1. O rapto é, no fundo, um furto de pessoa, bastando uma intenção de levar para a extorsão sem exigência da consumação do crime-fim.
      2. São elementos constitutivos do crime de extorsão:
      a) emprego de violência ou ameaça, ou a colocação da vítima na impossibilidade de resistir;
      b) constrangimento, daí resultante, a uma disposição patrimonial que acarrete prejuízo para a vítima ou para terceiros;
      c) Intenção de conseguir para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo.
      3. Há concurso real entre o crime de rapto e o crime de extorsão quando o arguido haja tirada uma pessoa de um lugar para outro, com a intenção ou objectivo de extorsão, e efectuou depois o acto de constrangimento do pagamento do resgates, mesmo na forma tentada.
      4. É cúmplice aquele que tem uma actuação à margem do crime concretamente cometido, quedando-se em actos anteriores ou posteriores à sua efectivação. Assim, para ser cúmplice, tem que satisfazer os seguintes requisitos:
      - Prestação auxílio material ou moral;
      - Age com dolo; e
      - O objecto do auxílio é a prática de um facto doloso.
      5. O Tribunal de recurso não está sujeito à qualificação jurídica dos factos, podendo alterar a mesma sem ultrapassar o limite do princípio de reformatio in pejus, desde que dê observância do princípio do contraditório.
      6. Tendo os arguidos na prática do crime de roubo apropriado do ofendido bens totalmente avaliados mais que 50 mil patacas, devem ser condenados pelo crime de roubo qualificado tendo em conta o valor elevado.
      7. Tendo o Tribunal de recurso alterado a qualificação jurídica feita pelo Tribunal a quo, para o crime mais grave, mas não alterado a pena por força do princípio da proibição de reformatio in peju, não obsta que o Tribunal de recurso, em consequência do recurso interposto pelo assistente que não tenha alegado aquela qualificação jurídica, altera a pena parcelar aplicada ao crime de roubo pelo qual foram os arguidos respectivamente condenados pelo Tribunal a quo dentro dos limites mínimos e limites máximos da moldura correspondente ao crime qualificado pelo Tribunal a quo.
      8. Na medida de pena, adopta-se a “teoria de liberdade” que se traduz o Tribunal tem a liberdade na determinação da medida de pena, devendo porém ponderar todos os elementos disponíveis para o efeito da aplicação da regra referida no artigo 65º do Código Penal, a fixar entre um limite mínimo e um limite máximo, a critério da culpa e de outros fins das penas dentro destes limites.
      9. Por a medida concreta da pena é determinada em fundação da culpa e os fins da punição, pode o Tribunal fazer a censura da medida de pena.
      10. Pela regra previsto no nº 2 do mesmo artigo 71º, as respectivas penas unitárias são fixadas dentro da nova moldura abstracta, tendo em consideração novamente os factos e a personalidade dos agentes, “o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitárias”.
      11. Só há erro notório na apreciação da prova quando for evidente, perceptível, para um cidadão comum, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável, vício este que resulta dos próprios elementos constante dos autos, por si só ou com apelo às regras da experiência comum.
      12. E não se pode servir deste vício para atacar a liberdade da apreciação de prova e a livre convicção do Tribunal, nem se pode com tal arguição do vício manifestar apenas a sua mera discordância com o que ficou decidido.
      13. Quando o Tribunal deu por assentes os factos dos danos nos lucros cessantes, mas não condenou os lesantes no pagamento da indemnização por este danos, isto é uma questão de qualificação dos factos, não contendendo de modo algum com o erro na apreciação de prova, que se refere ao erro na decisão de matéria de facto.
      14. Diz-se danos patrimoniais quando o interesse lesado é de ordem material, e danos não patrimoniais quando houver insusceptibilidade de avaliação pecuniária por ter sido lesado um interesse de ordem espiritual.
      15. A lei consagra – artigo 557º do Código Civil - a causalidade adequada e, segundo essa tese, o caminho a percorrer inicia-se com o facto em abstracto para apurar se, quo tale, é idóneo para a produção daquele resultado; essa idoneidade é aferida em termos objectivos atendendo às normais circunstâncias da vida mas abstraindo as que não eram conhecidas nem cognoscíveis do autor, nem da generalidade das pessoas médias.
      16. Quando está demonstrado que o assistente esteve impossibilitado de exercer a sua profissão no período de ser sequestrado e no período de internado no Hospital, bem como o período em que deslocou para “para se submeter a uma nova intervenção no Hospital”, (factos notórios, que não precisam de alegação e demonstração), e por este facto concluímos que, sem ter tido tal ocorrência, ele trabalharia, ao menos durante parte do tempo, não se pode deixar de considerar por verificado o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano de lucros cessantes (prejuízo). Se não estiver liquido esta parte de dano, pode o Tribunal condenar os lesantes um montante a apurar na execução da sentença.
      17. Para fixar o montante da reparação dos danos não patrimoniais, cabendo ao Tribunal em cada caso concreto dizer se o dano é ou não merecedor da tutela jurídica, devendo ser proporcionado à gravidade do dano e ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida, assim, tentando procurar um ponto fulcral para “neutralizar”, em alcance de possibilidade, o sentimento do ofendido em virtude dos sofrimentos que no fundo não seria de maneira alguma reparável pecuniariamente.

       
      • Votação : Com declaração de voto
      • Relator : Dr. Choi Mou Pan
      • Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 17/07/2003 119/2003 Recurso em processo penal
    • Assunto

      – declaração de perda do instrumento de crime
      – art.º 101.º, n.º 1, do Código Penal
      – suspensão de execução da pena de prisão

      Sumário

      1. Um ciclomotor comprovadamente utilizado de modo intencional para prática do delito previsto p. e p. pelo art.º 212.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 43/99/M, de 16 de Agosto, é susceptível de ser declarado perdido a favor da Região Administrativa Especial de Macau nos termos consentidos pelo n.º 1 do art.º 101.º do Código Penal, se pela sua natureza e consideradas as circunstâncias do caso, oferecer sério risco de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos congéneres àquele delito.
      2. Mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão, não deverá ser decretada a suspensão da mesma, se a ela se opuseram as necessidades de reprovação e prevenção do crime.

       
      • Votação : Com declaração de voto
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 17/07/2003 131/2003 Recurso em processo penal
    • Assunto

      – redução da taxa de justiça
      – qualificação jurídica dos factos

      Sumário

      1. Se os factos dados a final por provados pelos quais o arguido vinha condenado pelo tribunal a quo por mais um crime inicialmente não imputado na acusação sem porém feita a prévia advertência da possibilidade dessa condenação àquele, forem idênticos aos descritos na mesma peça acusatória, é possível ao tribunal ad quem condenar o mesmo arguido também por aquele crime outrora não acusado pelo Ministério Público, desde que tenha sido realizada na instância recursória a comunicação ao mesmo arguido recorrente dessa qualificação jurídica diversa e que este tenha exercido o seu direito de defesa quanto a isso.
      2. Independentemente da confissão espontânea, integral e sem reservas por parte do arguido, não há lugar à redução em metade da taxa de justiça nos termos previstos na alínea c) do n.º 2 do art.º 325.º do Código de Processo Penal, se estiver em causa um crime punível com pena de prisão de limite máximo superior a três anos.

       
      • Votação : Com declaração de voto
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 17/07/2003 153/2001 Recurso contencioso (Processo administrativo de que o TSI conhece em 1ª Instância)
    • Assunto

      - Processo disciplinar;
      - Desvio de poder;
      - Erro nos pressupostos, violação de lei ou princípios;
      - Ininteligibilidade do acto recorrido/Fundamentação do acto.

      Sumário

      1. Não compete ao tribunal sindicar a estratégia de defesa seguida pelo Recorrente, na certeza de que se o que se põe em causa é a atribuição da classificação de serviço, motivada apenas pela pena disciplinar, seria, aí, eventualmente, que se devia atacar o próprio acto, porventura violador do princípio ne bis in idem, vindo-se a lograr a prova da necessária relação de causa/efeito condicionadora e determinante daquela classificação de serviço.

      2. O vício de desvio de poder pressupõe uma discrepância entre o fim legal e o fim real ou o fim efectivamente prosseguido pelo órgão administrativo e para determinar da existência de tal vício tem de proceder-se a três operações: apurar qual o fim visado pela lei ao conferir um determinado poder discricionário (fim legal); averiguar qual o motivo determinante da prática do acto administrativo em causa (fim real); determinar se este fim coincide com aquele.

      3. Improcede a arguição de desvio de poder quando não se alega nem prova que foi afectado o fim do acto recorrido, produto do exercício de poder discricionário, como o resultante de acto punitivo em processo disciplinar, o que não deixa de se verificar na situação dos autos, devendo o interessado atacar o acto conducente à medida expulsiva, consubstanciado na classificação de serviço, se entendia ter sido esta a motivação do acto punitivo.

      4. A ideia falsa sobre os pressupostos de facto em que se funda a decisão traduzem violação de lei, na medida em que, se os poderes forem discricionários, aquela mesma lei não os deixa de conferir para serem exercidos ponderando a existência de certas circunstâncias cuja apreciação conduza o agente a optar, entre várias decisões possíveis, pela que considere mais adequada à realização do fim legal. Se estes afinal não existirem nos termos supostos, a lei foi violada no seu espírito.

      5. Ressalvando-se sempre uma certa margem de apreciação e valoração das provas no âmbito do processo disciplinar, não ficando demonstrado que o acto impugnado tenha excedido os limites internos e/ou externos do poder discricionário concretamente exercido, não se mostram violadas as regras ou princípios inerentes à defesa do arguido.

      6. O direito e a garantia de defesa em processo disciplinar exigem que a fixação dos factos que constituem pressupostos da aplicação das penas seja excluída do domínio da "justiça administrativa", podendo tal matéria ser objecto de um juízo de desconformidade em sede de recurso contencioso, nada obstando a que o tribunal sobreponha o seu juízo de avaliação ao perfilhado pela Administração.

      7. A fundamentação, ao servir para enunciar as razões de facto e de direito que levaram o autor do acto a praticá-lo com certo conteúdo, encobre duas exigências de natureza diferente: a exigência de o órgão administrativo justificar a decisão, identificando a situação real ocorrida, subsumindo-a na previsão legal e tirando a respectiva consequência e uma outra exigência, nas decisões discricionárias, de motivar a decisão, ou seja, explicar a escolha da medida adoptada, de forma a compreender-se quais foram os interesses e os factores considerados na opção tomada.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      • Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 17/07/2003 137/2003 Recurso em processo penal
    • Assunto

      – Momento da subida de recursos penais
      – Art.º 397.º, n.º 2, do CPP

      Sumário

      1. Um recurso penal só é de subir imediatamente ao abrigo do art.º 397.º, n.º 2, do Código de Processo Penal de Macau (CPP) quando a sua retenção o tornará absolutamente inútil, por se tratar precisamente de um recurso cujo resultado, seja qual for, devido à retenção, já não pode ter qualquer eficácia dentro do processo, e não daquele cujo provimento possibilita a anulação de algum acto, mesmo do julgamento, por ser isso o risco próprio ou normal do recurso diferido.
      2. Ou seja, a subida imediata de um recurso intercalar só tem lugar quando a retenção do mesmo o torna absolutamente inútil para o corrente, e não por outra razão, como a economia processual ou a perturbação que possa provocar no processo onde o mesmo recurso foi interposto.
      3. Não basta, assim, uma inutilidade relativa, a que corresponda a anulação do processado posterior, para justificar a subida imediata do recurso; a situação há-de ser tal que, se o recurso não for apreciado imediatamente, já não servirá de nada.
      4. Não sendo aplicáveis os n.ºs 1 e 2 do art.º 397.º do CPP, um recurso intercalar só deve, em princípio, vir a subir nos termos do n.º 3 do mesmo art.º 397.º, conjugado com o anterior art.º 396.º, n.º 1, e, portanto, ser instruído e julgado conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa, ou, caso o haja antes, com o primeiro recurso a subir imediatamente, nos termos do art.º 602.º, n.º 1, do Código de Processo Civil de Macau, ex vi do art.º 4.º do CPP.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
      •   Dr. Lai Kin Hong