Acórdãos

Tribunal de Segunda Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 26/06/2003 81/2003 Recurso em processo penal
    • Assunto

      - Crime de detenção de utencílios
      - Instrumento para consumo
      - Insuficiência da matéria de facto
      - Detenção de estupefacientes para tráfico e para consumo
      - Quantidade para consumo diário
      - Impossibilidade de apurar factos
      - Princípio de in dubio pro reo
      - Convolação

      Sumário

      1. O vício da insuficiência da matéria de facto provada existe “quando o Tribunal não deu como provados todos os factos pertinentes à subsunção no preceito penal incriminador por falta de apuramento de matéria”, ou seja “quando se verifica uma lacuna no apuramento dessa matéria que impede a decisão de direito; quando se puder concluir que sem ela não é possível chegar-se à solução de direito encontrada.
      2. Quando o Tribunal, ao dar como provado que foi apreendido um “um instrumento de fabrico artesanal” e tal instrumento “era utilizado … para o consumo de produtos estupefaciente”, consignou factos essenciais que permitem concluir que tal “instrumento” era o que diz a lei “qualquer utensílio” e que seria criminalmente punível a detenção deste para “qualquer forma” de utilização dos produtos estupefacientes compreendidos nas tabelas I a IV, não se incorre em vício de insuficiência.
      3. Se estiver provado que “os produtos estupefacientes encontrados na posse do arguido foram adquiridos com o objectivo de fornecer a terceiro e para consumo pessoal”, deve-se apurar a quantidade exacta para consumo diário ou durante 3 dias, sob pena de incorrer em vicio de insuficiência.
      4. Para a condenação do crime de consumo (artigo 23º) não há limitação de quantidade, enquanto o crime de tráfico (artigo 8º) pune a detenção indevida dos estupefacientes for a dos casos previstos no artigo 23º.
      5. Não há lugar à insuficiência da matéria de facto provada quando o Tribunal, por não ter tido possibilidade, apesar da investigação efectuada, de apurar a quantidade exacta para consumo e para ser oferecido a terceiros, consignou para a matéria de facto que os estupefacientes apreendidos são “destinados a serem fornecidos a terceiros e a consumo próprio”.
      6. Esgotada a investigação devida e dada a impossibilidade para o Tribunal de apurar, e consequentemente consignar, aqueles factos, o direito do arguido deve ser salvaguardado à sombra do princípio de in dubio pro reo, de modo que se considera uma quantidade diminuta para tráfico e o restante para o tráfico.

       
      • Votação : Com declaração de voto
      • Relator : Dr. Choi Mou Pan
      • Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 26/06/2003 49/2003 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      – livrança
      – taxa de juros moratórios
      – Lei Uniforme relativa às letras e livranças e sua vigência
      – valor supralegal do Direito Internacional Convencional

      Sumário

      A taxa de juros moratórios da dívida titulada por uma livrança vencida em 6 de Novembro de 1999 e executada em Macau é de 6% desde a data do seu vencimento, de acordo com o art.° 48.°, n.° 2, ex vi do art.° 77.°, ambos da Lei Uniforme relativa às letras e livranças (LULL) estabelecida no Anexo I da Convenção de Genebra de 7 de Junho de 1930, a qual, como diploma integrador do Direito Internacional Convencional e, portanto, com valor supralegal e prevalecente sobre toda a lei ordinária interna de Macau, nunca deixou de vigorar em Macau mesmo após a Transferência dos Poderes aqui ocorrida em 20 de Dezembro de 1999.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 26/06/2003 70/2003 Recurso em processo penal
    • Assunto

      - Crime de tráfico de estupefacientes
      - Vícios do acórdão
      - Insuficiência de prova
      - Insindicabilidade da livre convicção
      - Atenuação especial do artigo 18º do D.L.5/91/M
      - Confissão dos factos
      - Alegação dos factos não provados

      Sumário

      1. O artigo 18º nº 2 do D.L.5/91/M consagra um regime excepcional da atenuação especial da pena, encontrando-se a circunstância, o Tribunal não está sujeito aos termos gerais da atenuação especial, previstos no artigo 67º do Código Penal, podendo até decretar a isenção da pena, visando efectivar consideravelmente o resultado no combate ao tráfico de droga, demolindo o obstáculo na recolha de provas para a identificação ou a captura do fornecedor.
      2. Não podendo embora a arguida, perante tal facto, beneficiar do facto na atenuação livre nos termos do disposto em questão, pode ainda beneficiar do mesmo na medida de pena no âmbito do artigo 65º do Código Penal, em termo geral.
      3. Não é viável alegar factos e circunstancias não apurados para a aplicação da atenuação especial das penas.
      4. Somente está provado a confissão dos factos, desacompanhada por um contributo para a descoberta da verdade nem pelo seu arrependimento, não podemos concluir tal mera confissão diminuir de forma acentuada a ilicitude do facto a sua culpa ou a necessidade de punição, como exigido pelo artigo 66º nº 1 do Código Penal.
      5. Só existe insuficiência de matéria de facto quando se verifica uma lacuna no apuramento da matéria que impede a decisão de direito, ou quando se puder concluir que sem ela não é possível chegar-se à solução de direito encontrada. E esta não se traduz a insuficiência de prova, que não é sindicável, nem pode constituir o fundamento de recurso.
      6. O vício de contradição insanável da fundamentação ocorre apenas quando se constata incompatibilidade não ultrapassável entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a matéria de facto e a fundamentação probatória. Trata-se de um vício na decisão de facto e não de direito.
      7. Não pode considerar-se como um direito ou benefício adquirido nos termos do artigo 18º nº 2 do D.L. nº 5/91/M, o facto de ter a arguida colaborado com a autoridade policial e de, com esta colaboração, ter produzido o efeito de captura do ser fornecedor, devendo, para que este artigo seja aplicado, demonstrar (pelo menos implicitamente) o seu arrependimento, o que, obviamente, implica, um confissão integral e sem reservas dos factos.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Choi Mou Pan
      • Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 26/06/2003 233/2001 Recurso contencioso (Processo administrativo de que o TSI conhece em 1ª Instância)
    • Assunto

      - Processo disciplinar
      - Pena de demissão
      - Possibilidade de dedução de uma 2ª acusação em sede do mesmo processo disciplinar
      - Violação do princípio da decisão
      - Princípio da adequação e proporcionalidade

      Sumário

      1. A entidade detentora do poder disciplinar, se se aperceber de qualquer irregularidade, imprecisão ou vaguidade, susceptível de gerar uma nulidade ou irregularidade por vício de forma ou outro, pode empreender a repetição do processado, sanando os vícios, ordenando a reformulação da nota de culpa, de forma até a garantir os próprios direitos de defesa do visado pelo procedimento.

      2. O princípio da decisão consagrado no artigo 11º do CPA (Código do Procedimento Administrativo) diz respeito à tutela de um interesse de um particular no âmbito da competência do órgão administrativo, consagrando o dever de uma resposta, nomeadamente, a qualquer petição, representação, reclamação ou queixa, formuladas em defesa da legalidade ou do interesse geral.

      3. A punição com a pena expulsiva de demissão aplicada ao arguido justificar-se-á, assentando em factos provados e na sua maioria confessados, constituindo grave violação do dever funcional, tal como se explicita e fundamenta no respectivo despacho punitivo, sendo eles susceptíveis de inviabilizar por completo a confiança geral da hierarquia na conduta profissional do arguido, designadamente quando ela afronta claramente o núcleo de atribuições da instituição que servia.

      4. O poder disciplinar é discricionário, muito embora tenha aspectos vinculados, sendo um deles o que se relaciona com a qualificação jurídica dos factos reais. E no preenchimento da cláusula geral de inviabilidade de manutenção da relação funcional há uma vinculação da Administração, embora compatível com juízos de prognose que andam de mão dada com uma certa liberdade administrativa.

      5. Se o comportamento imputado ao arguido atingir um grau de desvalor que quebre, definitiva e irreversivelmente, a confiança que deve existir entre o serviço e o agente, deve considerar-se inviabilizada a manutenção da relação funcional.

      6. Não fere qualquer sensibilidade a interpretação que se faz de que inviabiliza a manutenção da relação funcional a actuação reiterada de um guarda da PMF que vem a ser detectado em flagrante acto de contrabando de carne de porco, que fez entrar em Macau, através de posto fronteiriço, sem prévia sujeição a inspecção sanitária e sem licença de importação, agindo com o intuito de compensação pecuniária.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. João A. G. Gil de Oliveira
      • Juizes adjuntos : Dr. Chan Kuong Seng
      •   Dr. Lai Kin Hong
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 26/06/2003 106/2003 Recurso em processo penal
    • Assunto

      – âmbito de decisão do recurso
      – conhecimento não oficioso dos vícios do n.º 2 do art.º 400.º do Código de Processo Penal
      – fundamentação de decisões judiciais
      – atenuação especial da pena
      – livre convicção do julgador
      – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
      – erro notório na apreciação da prova
      – perigo de vida

      Sumário

      1. O tribunal ad quem só vai resolver as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso, transitando em julgado as questões nela não contidas, sendo de considerar como inexistente e não escrita uma conclusão que verse matéria não tratada ou desenvolvida especificadamente na mesma motivação.
      2. Por isso, só cabe ao tribunal ad quem decidir das questões assim delimitadas, e já não apreciar todos os fundamentos ou razões em que o recorrente se apoia para sustentar a sua pretensão.
      3. Os três vícios previstos nas alíneas a), b) e c) do n.° 2 do art.° 400.° do Código de Processo Penal de Macau (CPP), possibilitadores da reapreciação pelo tribunal ad quem da matéria de facto julgada pelo tribunal a quo, não são de conhecimento oficioso mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.
      4. Pois, a clara redacção do n.º 2 do art.º 400.º, conjugada com o disposto nos seus art.ºs 402.º, n.ºs 1 e 3, e 415.º, n.º 1, e o seu confronto com o art.º 393.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPP, apontam no sentido de os vícios em causa só poderem justificar o reenvio do processo nos termos do seu art.º 418.º, n.º 1, quando sejam invocados como fundamentos do recurso, e isso estará em sintonia com a mens legislatoris, enquanto se atribui aos sujeitos processuais, como recorrentes, uma inequívoca co-responsabilidade no bom e rápido êxito final da causa, nomeadamente consentindo-se-lhes a limitação do recurso nos amplos termos do art.º 393.º do CPP e impondo-se-lhes apertadas regras na motivação, que, além do mais, terá de enunciar especificamente os fundamentos do recurso e formular conclusões de acordo com o art.º 402.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma, daí que, alías, é inaplicável, a título subsidiário, o art.º 650.º do Código de Processo Civil de Macau aos eventuais casos de verificação dos vícios previstos no art.º 400.º, n.º 2, als. A) e/ou b), do CPP.
      5. É desejável, num sistema de processo penal inspirado em valores democráticos, que as decisões não se imponham só em razão da autoridade de quem as prolata, mas também pela sua racionalidade, desempenhando, nesse domínio, a fundamentação um papel essencial.
      6. Entretanto, é de afastar uma perspectiva maximalista do âmbito das prescrições relativas à motivação de decisões judiciais (por exemplo, as consagradas nos art.°s 355.°, n.° 2, e 356.°, n.° 1, do CPP e no art.° 65.°, n.° 3, do Código Penal).
      7. Assim, quando o tribunal entender não haver lugar à atenuação especial da pena a favor de algum arguido, o mesmo não é obrigado a fundamentar na sua decisão condenatória o porquê disso. É que logicamente falando, se o n.º 3 do art.º 65.º do Código Penal impõe expressamente que “Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da determinação da pena”, então, caso a pena em causa não tenha sido determinada com atenuação especial, o tribunal não fica onerado com o dever legal de fundamentar que a mesma pena não tenha sido achada nos termos do mesmo art.º 66.º.
      8. Não se pode fazer sindicar a livre apreciação da prova feita pelo tribunal a quo ao abrigo do art.º 114.º do CPP, salvo casos de erro manifesto ou de ofensa às regras da experiência da vida humana ou às legis artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
      9. Deste modo, a invocação quer da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quer do erro notório na apreciação da prova não deve ter por escopo apenas pôr em causa a convicção dos julgadores que, nos termos do artigo 114.° do CPP, estriba uma decisão tomada em consciência e após livre apreciação crítica, na própria vivência e imediação de um julgamento.
      10. Se o tribunal recorrido não chegou a fundamentar minimamente no texto da sua decisão final, qualquer divergência dele em relação ao juízo técnico e científico veiculado num relatório de exame médico-legal constante dos autos no tocante especificamente à verificação do “perigo para a vida” para o ofendido examinado, o conceito jurídico de “perigo para a vida” para efeitos de aplicação da al. d) do art.° 138.° do Código Penal ficou como que densificado vinculadamente por força do disposto no art.º 149.º do CPP, por aquele juízo médico-legal.

       
      • Votação : Com declaração de voto
      • Relator : Dr. Chan Kuong Seng
      • Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
      •   Dr. Lai Kin Hong