Tribunal de Segunda Instância
- Votação : Com declaração de voto
- Relator : Dra. Chao Im Peng
- Juizes adjuntos : Dr. Choi Mou Pan
- Dr. Chan Kuong Seng
- Votação : Com declaração de voto
- Relator : Dr. Fong Man Chong
- Juizes adjuntos : Dr. Ho Wai Neng
- Dr. Tong Hio Fong
- Votação : Unanimidade
- Relator : Dr. Tong Hio Fong
- Juizes adjuntos : Dr. Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
- Dr. Lai Kin Hong
- Votação : Unanimidade
- Relator : Dr. Ho Wai Neng
- Juizes adjuntos : Dr. Tong Hio Fong
- Dr. Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
- Votação : Unanimidade
- Relator : Dr. Fong Man Chong
- Juizes adjuntos : Dr. Ho Wai Neng
- Dr. Tong Hio Fong
- Efeitos putativos decorrente de um acto administrativo nulo
I – O quadro factual assente demonstra que o Recorrente, nascido em 1999, foi registado como sendo filho de uma residente de Macau, tendo-lhe sido atribuído o estatuto de residente permanente de Macau. Passados 22 anos, em 2015, foi proferida decisão que mandou corrigir a maternidade registada e mandou inscrever uma outra passando a figurar como pai um sujeito que ao tempo do nascimento do Recorrente não era residente de Macau. A mãe biológica do Recorrente desde 2005 tem o estatuto de residentes de Macau por motivo de investimento relevante em Macau.
II - Em termos práticos o que ocorre é que sendo o Recorrente um recém-nascido, por força da natureza não tem qualquer intervenção nos actos que (eventualmente) indevidamente hajam sido praticados quanto ao registo da filiação e que segundo a Administração levam à nulidade dos actos recorridos. Ficou provado que há 20 anos ao Recorrente é emitido o BIRPM e nele se faz constar a actual maternidade mencionada na certidão de nascimento.
III - O resultado prático é que o Recorrente que não tendo qualquer participação activa na prática dos actos que levam à nulidade, depois de cerca de 22 anos a viver e a estudar em Macau perde o estatuto de residente, sem que subjectivamente lhe possa ser assacada responsabilidade alguma.
IV – Perante a decisão da declaração da nulidade da emissão do BIRM, objecto deste recurso contencioso, deve chamar-se à colação os princípios da boa-fé, da protecção da confiança, da justiça e da proporcionalidade, para além de a situação poder e dever ser enquadrada na previsão do nº 3 do artº 123º do CPA.
V - O reconhecer ou não efeitos ao acto nulo nos termos do nº 3 do artº 123º do CPA implica o exercício dum poder discricionário, o que pode ser sindicado pelo tribunal de acordo com os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da confiança e imparcialidade. Ao não reconhecer ao Recorrente o estatuto de residente não actuou a Administração de acordo com o princípio da proporcionalidade, da confiança e da boa-fé, os quais já antes analisados se entendeu que justificavam que fosse reconhecido o respectivo estatuto.
VI – A doutrina vem a defender que, mesmo em sede de acção administrativa especial de impugnação do acto, o juiz possa atribuir efeitos jurídicos à situação de facto, desde que os requisitos legalmente exigidos se encontrem cumpridos, em particular o decurso do tempo, no caso, em sede de impugnação administrativa, o Recorrente chegou a invocar a tese de efeitos putativos, mas esta foi negada, razão pela qual, uma vez verificados os pressupostos legais, é de julgar procedente o recurso e anular o acto atacado por fundamentos acima apontados.
- Diferença entre a autorização para o exercício da medicina na RAEM e a para a utilização das técnicas de procriação medicamente assistida, no âmbito do Decreto-Lei n.º 8/99/M, de 15 de Março
I – Uma vez que as Recorrentes concluíram o internato complementar de obstetrícia e ginecologia no Centro Hospital Conde de S. Januário e são médicas inscritas nos Serviços de Saúde, estão autorizadas a exercer medicina na RAEM. Quando, em 16 de Dezembro de 2016, as Recorrentes requereram aos Serviços de Saúde a autorização para a utilização das técnicas de procriação medicamente assistida, o que elas pediram foi a autorização para a prática de determinados actos médicos, ou seja, aqueles que implicam o recurso a técnicas de procriação medicamente assistida.
II – Tais actos podem ser enquadrados num campo específico do saber médico que é a chamada medicina de reprodução, a qual, por sua vez, e à luz do enquadramento legal vigente à data da prática dos actos administrativos resultante do Decreto-Lei n.º 8/99/M, de 15 de Março, não constitui uma especialidade médica, mas apenas, quando muito, uma subespecialidade da especialidade da ginecologia/obstetrícia.
III - Uma iniciativa procedimental das Recorrentes que não reclamava por parte da Administração um verdadeiro acto autorizativo, uma vez que a lei não prevê a competência da Administração para conceder autorização a um médico já licenciado para exercer a profissão para a prática de específicos actos médicos, nem isso, aliás, faria qualquer sentido. Bem vistas as coisas, o acto contenciosamente recorrido não constitui um acto de indeferimento de uma autorização, mas sim consubstancia uma proibição antecipada da prática de determinados actos médicos por parte das Recorrentes.
IV – Nesta matéria, importa distinguir duas realidades diferentes: uma é a actividade de autorização do exercício privado da profissão médica, que é feita ao abrigo das normas do n.º 1 do artigo 5.º e do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M; outra, diferente, é a actividade fiscalização do concreto exercício dessa profissão, que pode resultar em actos de proibição, em regra repressiva ou sucessiva, mas podendo, como no caso em apreço, ser preventiva, cujo fundamento legal seguramente se encontra em outras normas legais que não aquelas antes citadas e que, erradamente, serviram de fundamento jurídico ao acto contenciosamente recorrido.
V - No caso, só esta segunda actividade é que está em causa, pela simples razão de que, por um lado, as Recorrentes já são titulares de licença para o exercício privado da profissão médica, que, potencialmente, as autoriza a praticar todo o tipo de actos médicos, em especial na área da especialidade da ginecologia/obstetrícia e, por outro lado, não está em causa a ampliação dessa licença de modo a abranger outra especialidade médica para além da já licenciada, pelo que, contrariamente ao doutamente decidido pelo Meritíssimo Juiz a quo, a Administração tenha incorrido em erro de direito ao fundar a prática do acto nas normas do n.º 1 do artigo 5.º e do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M, o que se impõe à revogação da sentença recorrida e à anulação do acto administrativo ora posto em crise.
