Tribunal de Última Instância
- Votação : Unanimidade
- Relator : Dra. Song Man Lei
- Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
- Dr. Sam Hou Fai
- Votação : Unanimidade
- Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
- Juizes adjuntos : Dr. Sam Hou Fai
- Dra. Song Man Lei
- Votação : Com declaração de voto
- Relator : Dra. Song Man Lei
- Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
- Dr. Sam Hou Fai
- Observações :- Por força do resultado da votação, este acórdão é relatado pelo 1° juiz adjunto Dr. José Maria Dias Azedo.
- Votação : Unanimidade
- Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
- Juizes adjuntos : Dr. Sam Hou Fai
- Dra. Song Man Lei
- Votação : Unanimidade
- Relator : Dra. Song Man Lei
- Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
- Dr. Sam Hou Fai
“Aceitação – tácita – do acto”.
Decisão sumária.
Reclamação para a conferência.
1. A qualificação dos factos com vista a integrá-los como “aceitação tácita”, ou não, é uma “questão de direito”.
2. Atento o estatuído no n.° 1 do art. 34° do C.P.A.C., tem-se entendido como “aceitação expressa” a manifestação de vontade livre e consciente no sentido claro e inequívoco de que alguém concorda com o acto administrativo praticado, (assim não sucedendo, v.g., quando a aceitação é feita sob “coacção física” ou “moral”, ou assente em “erro” ou “dolo”; cfr., art°s 239° a 250° do C.C.M.).
3. Por sua vez, uma aceitação do acto administrativo é “tácita” quando assente em “actos incompatíveis” com a vontade de recorrer, emergindo de actos e factos claros e concludentes que apontam, inequivocamente, no sentido de que alguém se conformou com o acto.
4. Na ponderação sobre tal “matéria”, importa ter em conta o estatuído no n.° 1 do dito art. 34°, onde para se evitar que uma “determinada conduta” seja interpretada como uma “aceitação tácita” de um acto administrativo, prevê, expressamente, a possibilidade de o seu destinatário manifestar (e produzir) “reserva por escrito”, (tal como previsto está no n.° 3 do aludido preceito).
- Indeferida a reclamação.
Recurso em processo penal.
Recurso para o Tribunal de Última Instância.
Admissibilidade.
1. Ainda que o “direito ao recurso” não esteja expressamente consagrado na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, dúvidas não parece que possam existir que o mesmo se deve ter como um “direito fundamental” que a todos assiste de “obter uma reapreciação de uma decisão proferida por um Tribunal de hierarquia superior”.
Tal conclusão mostra-se aliás imperativa em face do que preceituado está no art. 14°, §5 do “Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos”, aplicável por força do art. 40° da dita L.B.R.A.E.M., assim como atenta a (própria) redacção do art. 36° desta mesma Lei quanto ao “acesso ao direito e aos Tribunais” e do estatuído no seu art. 41° quanto aos “outros direitos e liberdades asseguradas pelas leis da R.A.E.M.”.
2. Embora – teoricamente – desejável a consagração de um “direito ao recurso” (pleno e) com a amplitude que a todos pudesse agradar, importa ter em conta as regras sobre tal matéria previstas no art. 390° do C.P.P.M. quanto às “decisões que não admitem recurso”.
3. Em face do estatuído no art. 390°, n.° 1, al. e), f) e g), do C.P.P.M., não é admissível de recurso para o Tribunal de Última Instância de Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que confirmou decisão do Tribunal Judicial de Base que efectuou o “cúmulo jurídico” de duas penas parcelares por decisões já transitadas em julgado aplicadas ao arguido: uma, de “9 anos de prisão”, e a outra, de “6 anos e 3 meses de prisão”, (aplicadas pela prática, em concurso real, de 2 crimes de “tráfico ilícito de estupefacientes” que, nos termos do art. 8°, n.° 1, da Lei n.° 17/2009, na redacção introduzida pela Lei n.° 10/2016, é punível com a pena de “5 a 15 anos de prisão”, cada).
4. De facto, se os ditos Acórdãos que decretaram as ditas penas parcelares já “transitaram em julgado”, não se vê como possam estas mesmas decisões e respectivas “penas”, (qualquer delas), ser validamente invocadas para (efeitos de) justificar um novo “recurso” – “ordinário”, como é o dos autos – para eventual (re)apreciação da sua adequação.
5. Dir-se-á, porém, que em causa está agora uma “pena única” – e nova – de “11 anos de prisão”, (resultado de um cúmulo jurídico efectuado com aquelas aludidas 2 penas parcelares), tendo por referência uma moldura de 9 a 15 anos e 3 meses de prisão, constituindo, (também) assim, uma “pena aplicável superior a 10 anos de prisão”, (para efeitos da “alínea g)” do art. 390° do C.P.P.M.).
Todavia – notando-se que da decisão do Tribunal Judicial de Base que operou o referido cúmulo jurídico já foi interposto recurso para o Tribunal de Segunda Instância, (assegurado estando o “segundo grau de jurisdição”, não existindo recursos “ad eternum” ou “ad infinitum”) – em causa (apenas) estando, agora, o recurso para esta Instância, cremos que o assim considerado escapa (e colide com) a regulamentação prevista (e pretendida) no aludido preceito legal.
É que o comando em questão tão só elege como pressuposto para a recorribilidade – da decisão confirmatória do Tribunal de Segunda Instância – a “medida da pena aplicável ao crime”, (ou, em caso de “concurso de crimes”, a “cada um dos crimes”) cometido(s), abstraindo-se, (completamente), da “pena (única) aplicável ao cúmulo jurídico” (ou da pena única deste resultante).
- Não admitido o recurso.
Recurso em processo penal.
Crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”.
Condenação autónoma em dois processos.
“Factos homogéneos” e “temporalmente conexos”.
Mesmo “desígnio criminoso”.
“Cumulo jurídico”.
Conhecimento superveniente do concurso (real) de crimes.
Analogia, (“in bonam partem”).
1. Verificando-se que a arguida/recorrente foi condenada em sede de “dois processos autónomos” pela prática, em cada um deles, de 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”, e constatando-se que os “factos praticados” no âmbito de um destes processos, (com o n.° CR2-20-0187-PCC), “integra” o crime matéria do processo no qual foi interposto o recurso em apreciação, adequada é uma ponderação sobre o acerto de tal “duplicação de processos e condenações”.
2. A “proibição da analogia” em direito penal tem os seus limites expressamente especificados no n.° 3 do art. 1° do C.P.M., (não sendo assim permitido o recurso à analogia – tão só – “para qualificar um facto como crime ou definir um estado de perigosidade, nem para determinar a pena ou medida de segurança que lhes corresponde”), ou seja, só se estendendo à chamada «analogia malam partem», portanto, aquela que seja contra o destinatário da norma, (isto é, a desfavorável), deixando de for a a analogia favorável, («in bonam partem»), que, assim, se deve ter como plenamente permitida.
A “analogia” não deixa de consistir no “complexo de meios” dos quais se vale o intérprete para suprir a lacuna do direito positivo e integrá-lo com elementos encontrados no próprio Direito, tendo, nesta óptica, como seu fundamento, a inexistência de uma disposição precisa da lei que alcance o caso concreto.
Isto é, o fundamento do recurso à analogia é o de que, se uma norma dispõe de certa maneira para um caso, será natural que um caso idêntico, não regulado por qualquer norma, seja resolvido da mesma forma que o primeiro, desde que procedam os fundamentos materiais ou razões justificativas da regulação do caso que uma dada norma em vigor prevê.
Nestes termos, a analogia constitui uma forma de “lógica parcial”: o método que envolve a sua utilização na integração de lacunas traduz-se, essencialmente, numa “operação de comparação” de um caso concreto com outro, de forma a identificar as suas “diferenças” e “semelhanças”, e verificar se estas últimas são suficientemente relevantes, (portanto, mais fortes que as diferenças que as separam), de modo a que se possa enquadrar ou subsumir o referido caso omisso na estatuição da norma que regula o caso análogo.
No fundo, a aplicabilidade da lei por analogia assenta no presumir que, se a lei prevê determinado caso e o regula de certa maneira, da mesma maneira teria regulado os outros casos relativamente aos quais procedam as razões justificativas daquela regulamentação, evitando-se, desta forma, “dissonâncias no sistema jurídico”, (cuja “unidade”, como é sabido, deve o intérprete e aplicador do direito respeitar e assegurar nos termos do art. 8°, n.° 1 do C.C.M.).
3. Afigurando-se existir, «in casu», um “vazio legal”, e apresentando-se-nos (igualmente) justificada a sua integração com recurso à existente (analogia) da regulamentação da situação do “conhecimento superveniente do concurso” prevista no art. 72°, n.° 2 do C.P.M., adequado é adoptar como solução para a dita situação (a ratio de tal) idêntico preceito, e, assim, de desconsiderar o trânsito em julgado da decisão proferida no Processo n.° CR2-20-0187-PCC a fim de se dar a factualidade (do dia 27.12.2019) pelo qual foi a recorrente aí condenada como integrante da conduta e crime pela mesma cometido nestes autos, (que abrange o período temporal que vai de data não apurada de Setembro de 2019 a 29.12.2019).
- Condenada pela prática de um (1) crime de "tráfico ilícito de estupefacientes", p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, (na redacção introduzida pela Lei n.° 10/2016), fixando-se-lhe a pena de 9 anos e 6 meses de prisão, (descontando-se o tempo de prisão que já cumpriu), passando a recorrente a cumprir pena à ordem destes autos, para cujo efeito, e oportunamente, se devem passar os competentes mandados de desligamento.
- Pena disciplinar
- Intervenção judicial
- Proporcionalidade
1. É a jurisprudência firme deste Tribunal de Ultima Instância que a aplicação pela Administração de penas disciplinares, dentro das espécies e molduras legais, é, em princípio, insindicável contenciosamente, salvo nos casos de erro manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios gerais do Direito Administrativo como os da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.
2. Nos casos em que a Administração actua no âmbito do poder discricionário, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, a decisão tomada pela Administração fica for a de controlo jurisdicional, salvo nos casos excepcionais acima referidas.
3. A intervenção do juiz fica reservada aos casos de erro grosseiro, ou seja, àquelas situações em que se verifica uma notória injustiça ou uma desproporção manifesta entre a sanção infligida e a falta cometida pelo agente.
4. Há que pôr em confronto os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto administrativo restritivo ou limitativo e os bens e interesses individuais sacrificados por esse acto, para aferir da proporcionalidade da medida concretamente aplicada. E só no caso de considerar inaceitável e intolerável o sacrifício é que se deve concluir pela violação dos princípios orientadores do exercício de poderes discricionários, tais como da proporcionalidade, da razoabilidade e da justiça.
Acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando o acórdão recorrido.
