Acórdãos

Tribunal de Última Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 23/07/2003 3/2003 Recurso em processo civil
    • Assunto

      - Delimitação objectiva do recurso
      - Admissibilidade de recurso ordinário
      - Valor de sucumbência
      - Sentido da decisão impugnada para efeitos de recurso
      - Violação do caso julgado

      Sumário

      Nos termos do art.° 589.°, n.° 2 do Código de Processo Civil, o recorrente pode delimitar objectivamente o recurso a somente algumas decisões da sentença recorrida já no requerimento do recurso. A restrição do objecto inicial do recurso pode ser feita, de forma expressa ou tácita, ainda nas conclusões da alegação, de acordo com o disposto no n.° 3 do mesmo artigo.

      Se o recorrente, quer na alegação, quer nas conclusões do recurso, se limita a referir a sua condenação no pagamento de honorários pagos pela outra parte, sem tocar as restantes quantias a que foi condenado a pagar, o recurso interposto pelo mesmo está objectivamente delimitado a esta parte da sentença de primeira instância recorrida segundo o n.° 3 do art.° 589.° do Código de Processo Civil.

      Salvo os casos previstos no n.° 2 do art.° 583.° do Código de Processo Civil, em que o recurso ordinário é sempre admissível, independentemente do valor da causa, são duas condições de cuja verificação cumulativa depende a admissão do recurso segundo o n.° 1 deste artigo: ter a causa valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável à pretensão do recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal.

      Em primeira linha, as alçadas determinam o limite da admissibilidade do recurso das decisões judiciais, mas este limite está relacionado ainda com a sucumbência real, e não apenas com o valor formal do processo.

      A “decisão impugnada” referida no n.° 1 do art.° 583.° do Código de Processo Civil deve ser entendida como a parte da mesma relacionada com a questão concretamente posta pelo recorrente, que pode não ser de toda a sentença ou decisão formal em que se integra a questão suscitada.

      A intenção do legislador é não deixar recorrer para instâncias superiores das questões de reduzido valor económico, isto é, mesmo numa causa em que se discute elevado valor económico, superior à alçada do tribunal que proferiu a decisão recorrida, não se pode recorrer desta se o desacordo consiste apenas numa questão que envolve um valor reduzidíssimo.

      Segundo o art.° 582.° do Código de Processo Civil, a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação fundada em nulidade, esclarecimento ou reforma da sentença.

      A decisão transita também em julgado após decorrido o prazo para recurso sem que haja recurso interposto mas legalmente admissível, nem reclamações.

      A admissão e conhecimento efectivo do recurso inadmissível não têm virtualidade para obstar a formação do caso julgado da decisão recorrida.

      O acórdão da instância superior que julga o recurso cuja interposição não é permitida incorre na violação do caso julgado da decisão recorrida entretanto já formado se altera ou revoga esta.

      Resultado

      Julgar procedente o recurso, revogar o acórdão do Tribunal de Segunda Instância, mantendo a sentença do Tribunal Judicial de Base na sua íntegra.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chu Kin
      • Juizes adjuntos : Dr. Viriato Lima
      •   Dr. Sam Hou Fai
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 09/07/2003 11/2003 Recurso em processo penal
    • Assunto

      - Contradição insanável da fundamentação.
      - Conceito de direito.
      - Juízo conclusivo de facto.
      - Fundamentação da sentença.
      - Alteração da qualificação jurídica.
      - Atenuação especial da pena.
      - Idade inferior a 18 anos.

      Sumário

      I – Não há contradição insanável da fundamentação, mas mero erro de direito, se o tribunal colectivo considera provados factos que apontam para a “colaboração mútua” dos arguidos no tráfico de estupefacientes e o mesmo tribunal considera como não provada a mencionada expressão “colaboração mútua”, visto que esta constitui um conceito de direito ou um juízo conclusivo de facto, pelo que esta resposta tem sempre de se considerar não escrita, nos termos do n.º 4 do art.º 549.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente em processo penal.

      II – A enumeração dos factos provados e não provados, a indicação dos meios de prova utilizados e a exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão devem permitir conhecer as razões essenciais da convicção a que chegou o tribunal, no que se refere à decisão de facto.

      III – A exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão pode satisfazer-se com a revelação da razão de ciência das declarações e dos depoimentos prestados e que determinaram a convicção do tribunal.

      IV – A extensão e o conteúdo da motivação são função das circunstâncias específicas do caso concreto, nomeadamente da natureza e complexidade do processo.

      V – Não é exigível que o tribunal faça a apreciação crítica das provas

      VI – A sentença não pode enfermar da nulidade de condenar por factos não constantes da acusação [art.º 360.º, alínea b) do Código de Processo Penal], quando, em julgamento, o tribunal pondera a alteração da qualificação jurídica, cumprindo o disposto no art.º 339.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, mas acaba por condenar os arguidos pelos factos e enquadramento jurídico constantes da acusação.

      VII – A questão da alteração da qualificação jurídica da acusação para a sentença, em processo penal, não está regulada expressamente no Código de Processo Penal.

      VIII – À alteração da qualificação jurídica deve aplicar-se, por analogia, o disposto no n.º 1, do art.º 339.º do Código de Processo Penal, devendo o juiz comunicar a alteração ao arguido e conceder-lhe, se ele requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.

      IX – Quando a alteração implicar a aplicação de penalidade mais elevada o juiz tem sempre de observar o contraditório.

      X – A acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o pressuposto material de atenuação especial da pena, pelo que a idade inferior a 18 anos, ao tempo do facto, não constitui fundamento, por si só, para tal atenuação.

      Resultado

      - Rejeitam o recurso.

      - Custas pelos recorrentes, fixando a taxa de justiça em 5 e 7 UC, respectivamente, para os 1.º e 2.º arguidos. Nos termos do art.º 410.º n.º 4 do Código de Processo Penal, pagarão 4 UC pela rejeição do recurso.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Viriato Lima
      • Juizes adjuntos : Dr. Sam Hou Fai
      •   Dr. Chu Kin
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 02/07/2003 20/2002 Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
    • Assunto

      - Legitimidade do recorrente no recurso jurisdicional
      - Ordem de conhecimento dos vícios

      Sumário

      A verificação de qualquer um dos vícios do acto impugnado leva já a procedência do recurso contencioso. Mas o alcance da sentença pode variar conforme o vício determinante do provimento.

      Quando se invoca no recurso contencioso vários vícios do acto impugnado, cada um destes constitui uma causa de pedir diferente correspondentes às pretensões também distintas entre si, embora sob a aparente finalidade unitária desta forma de processo: anulação do acto recorrido ou declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica.

      Quando o pedido formulado é um só, mas são invocados vários vícios do acto impugnado, o problema posto à apreciação do tribunal não é único, antes se desdobra em tantas questões distintas quantos os vícios ou causas de pedir alegados.

      Perante uma sentença de provimento no recurso contencioso, embora já é aparentemente favorável ao recorrente, a este é mais preferível se o tribunal julga verificado um vício que obsta à renovação do acto do que vê a Administração, apesar de ser anulado o seu acto, colocada novamente na situação de poder proferir outro acto com o mesmo conteúdo que o acto anulado.

      Precisamente por causa de possível diversidade dos efeitos da sentença anulatória no recurso contencioso sobre a situação jurídica do recorrente, é estabelecida uma ordem de conhecimento dos vícios a observar pelo tribunal para julgar a causa segundo o art.° 57.° da anterior Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA, aprovada pelo Decreto-Lei n.° 267/85) ou o art.° 74.°, n.°s 2 e 3 do actual Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC).

      Ao apreciar os vícios que conduzem à anulação do acto, deve seguir a ordem indicada pelo recorrente, quando estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade ou, na sua falta, a que permite mais estável ou mais eficaz tutela dos direitos ou interesses lesados, ou seja, deve começar por apreciar os vícios cuja procedência permite a maior protecção ao recorrente.

      Tem legitimidade para recorrer da sentença final o recorrente que obteve provimento no recurso contencioso invocando a violação do art.° 57.°, n.° 2 da LPTA ou o art.° 74.°, n.° 3 do CPAC por parte do tribunal que consiste na falta de observância da ordem de subsidiariedade indicada por recorrente na apreciação dos vícios determinantes da anulação do acto impugnado ou não apreciou ou julgou improcedentes algum ou alguns daqueles vícios que permitiriam uma mais estável ou mais eficaz tutela dos direitos ou interesses lesados.

      A nulidade insuprível resultante da falta de audiência do arguido em artigos de acusação prevista no art.° 298.°, n.° 1 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 87/89/M) é simples nulidade do processo disciplinar, não é a nulidade no sentido em que é tratada nos art.°s 122.° e 123.° do Código do Procedimento Administrativo. Sendo embora insuprível, apenas afecta o acto final de vício de forma, geradora de mera anulabilidade e não de nulidade.

      Em princípio, deve-se dar prioridade ao conhecimento dos vícios substanciais, em relação aos vícios de forma, de modo a assegurar a mais estável ou mais eficaz tutela dos direitos ou interesses lesados.

      No entanto, a precedência de conhecimento dos vícios substanciais em relação aos vícios de forma não é absoluta, devendo ter sempre em conta a situação concreta de cada caso. Por exemplo, no caso do exercício do poder discricionário, deve conhecer primeiro do vício de forma por falta de fundamentação porque não se permite alcançar o raciocínio do autor do acto inquinado por este vício, elemento essencial para avaliar a legalidade deste tipo de decisão tomada pela Administração.

      Resultado

      Julgar procedente o recurso, revogar o acórdão recorrido na parte que considera prejudicado o conhecimento dos quatro vícios, e determinar a baixa do processo ao tribunal recorrido no sentido de os conhecer nos termos do art.° 57.°, n.° 2, al. b) da LPTA, se para tal nada impede.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chu Kin
      • Juizes adjuntos : Dr. Viriato Lima
      •   Dr. Sam Hou Fai
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 25/06/2003 9/2003 Recurso em processo civil
    • Assunto

      - Multa.
      - Prática do acto nos 3 dias úteis seguintes ao termo do prazo.

      Sumário

      A aplicabilidade do disposto nos n.os 4 e 5 do artigo 95.º do Código de Processo Civil não depende de requerimento do interessado.

      Resultado

      - Dão provimento ao recurso e revogam a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que ordene a notificação dos recorrentes para pagarem a multa a que se refere o n.º 5 do art.º 95.º do Código de Processo Civil.
      - Sem custas.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Viriato Lima
      • Juizes adjuntos : Dr. Sam Hou Fai
      •   Dr. Chu Kin
    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 05/06/2003 7/2003 Recurso em processo penal
    • Assunto

      - Leitura de declarações de testemunhas em audiência (art.° 27.°, n.° 1 da Lei da Criminalidade Organizada)
      - Crime de extorsão a pretexto de protecção
      - Crime de represália contra pessoas ou bens
      - Omissão de pronúncia
      - Responsabilidade pelos danos causados

      Sumário

      O n.° 1 do art.° 26.° da Lei da Criminalidade Organizada regula a forma de documentar as declarações ao exigir que o registo escrito destas deve, sempre que possível, ser acompanhado de registo gravado e o seu n.° 2 passa a prever as situações em que são tomadas as declarações para memória futura. Mas desta norma nada permite concluir que as declarações cuja leitura é permitida na audiência nos termos do art.° 27.° da mesma Lei têm que ser obrigatoriamente registadas na forma de gravação por meios magnetofónicos ou audiovisuais e tomadas para memória futura.

      A punição pela prática do crime de extorsão a pretexto de protecção previsto no art.° 3.°, n.°s 1 a 3 da Lei da Criminalidade Organizada e do crime de represália contra pessoas ou bens previsto no n.° 4 do mesmo artigo nunca está dependente da acusação e condenação simultânea do crime de associação ou sociedade secreta previsto no art.° 2.° da mesma Lei.

      É indiferente a qualidade real do agente, membro de associação ou sociedade secreta ou não, para efeito de condenação pelo crime de extorsão a pretexto de protecção, muito menos dependente do concurso real com o crime de associação ou sociedade secreta.

      O que o legislador pretende punir com a Lei da Criminalidade Organizada, para além dos promotores, fundadores, membros e a chefia da organização criminosa, são os crimes normalmente ligados a associação ou sociedade secreta, isto é, praticados pelos membros desta ou no interesse desta, de forma a reprimir a sua estrutura, através da punição directa das suas actividades criminosas e de eliminação dos seus meios, muitas vezes ilícitos, de sobrevivência.

      A norma constante do n.° 4 do art.° 3.° da Lei da Criminalidade Organizada constitui um novo tipo de crime cujos elementos típicos estão relacionados com os do crime previsto no n.° 1 deste artigo com a especialidade de que a represália já foi realizada e tem por condição que não lhe couber pena mais grave.

      É bem nítido o campo de aplicação dos dois crimes previstos nos n.°s 1 e 4 do art.° 3.° da Lei da Criminalidade Organizada, pois o crime de extorsão a pretexto de protecção previsto no n.° 1 pune a proposta de protecção em nome ou com a invocação de uma associação ou sociedade secreta mediante ameaça de represália contra pessoas ou bens, ao passo que o crime de represália contra pessoas ou bens previsto no n.° 4 visa os actos próprios de represálias praticados no âmbito da situação constante do n.° 1.

      De acordo com o art.° 477.° do Código Civil, a responsabilidade civil deve ter por limite os danos causados.

      Se a participação do arguido no plano criminoso de extorsão for posterior, há que diferenciar a sua responsabilidade civil pelos danos patrimoniais e não patrimoniais efectivamente causados ao ofendido em comparação com os outros arguidos, tendo em conta os danos provocados antes e depois da sua participação.

      O arguido que só depois aderiu ao plano criminoso de extorsão não deve ser responsável civilmente pelos danos causados antes pelos restantes membros que executaram o plano.

      Resultado

      - Negar provimento ao recurso do arguido A.

      - Julgar parcialmente procedente o recurso do arguido B, revogando o acórdão recorrido na parte relativa à indemnização, passando a condenar o recorrente B a indemnizar, solidariamente com os outros arguidos, aos ofendidos C e D no valor de cento e vinte mil patacas (MOP$120.000,00), acrescido de juros vincendos à taxa legal até ao seu efectivo e integral pagamento, mantendo a restante parte do acórdão recorrido.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Chu Kin
      • Juizes adjuntos : Dr. Viriato Lima
      •   Dr. Sam Hou Fai